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O que vem abaixo é somente uma demonstração, através de fatos, de como Bolsonaro é um mentiroso – mas não qualquer mentiroso. É um mentiroso a quem faltam escrúpulos mínimos, isto é, escrúpulos humanos.
A ditadura, apesar das versões posteriores – inclusive acusações de calúnia e falsificação contra a mãe de Fernando Santa Cruz (cf. carta do tenente-coronel Horus Azambuja à dona Elzita, com data de 18/12/1974, em nome de Ednardo D’Ávila Mello, que chefiava o II Exército) – confessou a prisão e desaparecimento de Fernando, através da censura que estabeleceu sobre qualquer notícia que mencionasse o fato.
Havia, na época em que Fernando Santa Cruz desapareceu, pouca gente, além da família, que sabia do acontecido.
Por quê?
Porque a ditadura proibiu os meios de comunicação de se referirem à prisão de Fernando.
Na edição de 29 de maio de 1974, o jornal “O Estado de S. Paulo” iria publicar matéria intitulada “OAB denunciará a Geisel a violência”. Seu último parágrafo era o seguinte:
“A prisão do estudante de direito Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, ocorrida no dia 23 de fevereiro, em Copacabana, também foi motivo de discussão durante a sessão de ontem do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Sobre isso, o conselheiro Serrano Neves denunciou elementos do DOPS como responsáveis pela prisão do estudante, cuja família ainda não tem notícia de seu paradeiro” (v. fac-símile abaixo).
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Os censores da ditadura – havia censores dentro dos jornais, revistas, TVs e rádios, que aprovavam previamente o que saía e censuravam o que não devia sair – proibiram “O Estado de S. Paulo” de publicar a notícia.
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Em seu lugar, seguindo uma orientação que se tornaria famosa, o jornal colocou um trecho de “Farsa de Inês Pereira”, escrita em 1523 por Gil Vicente, o teatrólogo português da época de D. Manuel e D. João III (ao lado).
Isso aconteceu, portanto, três meses após a prisão de Fernando Santa Cruz.
Por que a ditadura não queria que a imprensa publicasse nada sobre a prisão de Fernando Santa Cruz?
Seria porque não tinha culpa em seu desaparecimento?
Na edição de 29 de junho de 1974 – portanto, um mês depois da primeira censura e quatro meses após a prisão de Fernando Santa Cruz – o mesmo jornal tentou publicar a notícia “MDB quer saber motivo de prisões”, em que a Comissão Executiva do MDB, em nota oficial, pedia esclarecimentos ao ministro da Justiça, Armando Falcão, sobre o paradeiro de 10 presos políticos, todos “desaparecidos” até hoje, inclusive o pai do presidente da OAB.
Ao lado do nome de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, o autor do artigo, reproduzindo a nota do MDB, escreveu:
“26 anos, casado, estudante de Direito e funcionário público, foi preso no dia 23 de fevereiro de 1974, na cidade do Rio de Janeiro, juntamente com Eduardo Collier Filho, 25 anos, ex-estudante de Direito, afastado da Universidade por motivos políticos.”
E, abaixo, antes de retomar a lista dos presos, o jornalista escreveu:
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“Como sempre tem ocorrido, quando denúncias semelhantes chegam ao conhecimento do partido, suas lideranças, senadores e deputados, reclamaram providências das autoridades, sem resultado positivo. Habeas corpus, por igual, foram impetrados, inclusive para localizar o paradeiro do detido.”
Desde 11 de abril, dois meses após a prisão, esta fora denunciada pelo senador Franco Montoro (MDB-SP), em discurso na tribuna. O senador paulista recebera carta da família de Fernando Santa Cruz e pediu, da tribuna, esclarecimentos ao ministro da Justiça, Armando Falcão.
Sem nenhuma resposta.
Os outros presos políticos que a comissão executiva do MDB pedia ao governo que esclarecesse o paradeiro eram Paulo Stuart Wright; Humberto Câmara Neto; Honestino Guimarães; Luiz Ignácio Maranhão; David Capistrano da Costa; João Massena [grafado, no artigo, como José Massena]; Walter de Souza Ribeiro; Ieda Santos Delgado e Thomás Antonio da Silva Meirelles Neto.
Todos foram assassinados e “desaparecidos”.
Porém, esse artigo (v. fac-símile ao lado) também foi proibido pelos censores que se aboletavam dentro do jornal “O Estado de S. Paulo”.
Em seu lugar, a direção do jornal resolveu publicar o poema “Rosa, Rosa de Amor… Horas de Amor“, escrito em 1902 por Vicente de Carvalho.
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(A pesquisa dos artigos da época foi realizada pela equipe de “O Estado de S. Paulo”; as demais – como o discurso do senador Franco Montoro e a carta do assessor de Ednardo D’Ávila Mello – por nós.)
C.L.
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