Centrais argentinas convocam manifestações contra ataque de Milei aos direitos trabalhistas

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, na Praça de Maio, a defesa dos direitos da classe trabalhadora (CTA-A)

“Trata-se de uma lei elaborada nos escritórios de advocacia de grandes corporações”, denunciaram as lideranças dos trabalhadores, frisando que medida viola garantias constitucionais

O projeto de “reforma trabalhista” assinado por Javier Milei na quinta-feira (11) e entregue ao Senado incorpora o pior de todas as versões escravocratas, resume em 71 páginas e 191 artigos o mais perverso ultraneoliberalismo e representa um retrocesso democrático de mais de um século, denunciam as centrais sindicais argentinas, convocando para o próximo dia 18 uma grande mobilização de protesto em todo o país.

“Trata-se de uma lei elaborada nos escritórios de advocacia de grandes corporações, que cria empregos precários e deixa os trabalhadores desprotegidos”, condenaram a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Argentina (CTA-T) e a Central de Trabalhadores Autônoma (CTA-A).

Lideradas por Hugo “Cachorro” Godoy e Hugo Yasky, as entidades frisaram que “o projeto ataca direitos fundamentais: enfraquece a presunção de vínculo empregatício, facilitando fraudes; promove a terceirização irresponsável; introduz salários dinâmicos que destroem a segurança no emprego; e barateia as demissões, transferindo seus custos para o Estado e desfinanciando o sistema previdenciário”.

“MILEI BUSCA DEMANTELAR A AÇÃO SINDICAL COLETIVA”

Para completar, alertaram, “viola garantias constitucionais como férias e jornada de trabalho, e busca desmantelar a ação sindical coletiva”. Em suma, “essa reforma aprofundará a informalidade, reduzirá o poder de compra e agravará a crise econômica, em consonância com um modelo que prioriza os interesses do grande capital, contrariando um projeto para uma nação produtiva e integrada”. “Defender o trabalho decente e os direitos trabalhistas é um pilar fundamental na construção de uma nação mais justa, livre e soberana para todos”, assinalaram as duas centrais.

A Confederação Geral do Trabalho (CGT) também se somou “para dar ainda mais força ao protesto contra a reforma trabalhista”. “Levaremos nossas reivindicações a todos os legisladores, senadores e governadores. Explicaremos por que essa lei não pode avançar”, assinalou a coordenação da CGT, sublinhando que existem “muitos pontos contrários a princípios que protegem os direitos trabalhistas”. Esses ataques do governo, apontaram, são “evidentemente inconstitucionais”.

As centrais também têm realizado reuniões com o bloco de senadores da União pela Pátria (UxP), liderado por José Mayans e Juliana Di Tullio, e com a presença de todos os parlamentares do bloco, para finalizar acordos de rejeição à proposta legislativa. Anteriormente, já haviam se reunido com o bloco da Câmara dos Deputados da UxP para desenvolver uma estratégia conjunta.

“NOVIDADE DE MUSEU NOS TRANSPORTA A UM TEMPO SEM REGRAS”

“O objetivo desta reforma, ou o que teoricamente pretende fazer, já que não existe um plano formal, é eliminar os direitos trabalhistas. Porque isso aumenta as margens de lucro. E transforma as pessoas em uma mercadoria a mais. É uma novidade de museu que nos transporta a um tempo sem regras”,  denuncia a renomada advogada trabalhista Natalia Salvo.

De cara, assinalam especialistas, põe abaixo pilares fundamentais do direito do trabalho, como a organização sindical, a jornada de oito horas e o direito de greve. Em sua essência, pretende tão somente reduzir custos para o capital, “invertendo a presunção de vínculo empregatício”, prejudicando trabalhadores autônomos e contratados independentes.

O texto avança sobre direitos coletivos e individuais básicos, permitindo que os salários sejam pagos em pesos, moeda estrangeira ou até mesmo em espécie, como alojamento ou alimentação.

“São três reformas. Uma que transfere bilhões de dólares do trabalho para o capital; outra que enfraquece a ação coletiva; e outra que fortalece a disciplina no local de trabalho”, explicou Luis Campos, pesquisador do Instituto de Estudos e Treinamento da CTA-A.

JORNADAS DIÁRIAS DE ATÉ DOZE HORAS

Conforme advogados entrevistados pelo jornal Página/12, caso fosse aprovado pelo Congresso, o projeto traria graves danos aos trabalhadores. Entre outros atropelos, alertam, está confirmada a criação de um banco de horas que habilita uma jornada de até doze horas diárias. A fórmula ultraneoliberal vem na contramão das discussões que ocorrem hoje, onde o debate gira em torno de como reduzir a jornada de trabalho para gerar empregos. “A dita reforma ignora um limite histórico: a jornada de trabalho de oito horas que vigora na Argentina há quase um século”.

De forma bizarra, o assalto de Milei “reduz a base de cálculo das indenizações porque exclui desta conta as férias, 13º, bônus, gorjetas e outros incentivos, que deixam de ser considerados parte do salário mensal regular”. Em um contexto de perda de 276 mil empregos formais e fechamento de 19 mil empresas desde o início do atual governo, especialistas apontam que o projeto de lei limitará o acesso à justiça e transferirá os custos das ações judiciais para os trabalhadores.

“DEMISSÃO DOS TRABALHADORES PASSA A SER GRATUITA”

O projeto de Milei substitui o fundo de indenização por um Fundo de Assistência ao Trabalho, com contribuição obrigatória de todos os empregadores equivalente a 3% da folha de pagamento total, combinada a uma redução de 3% nas contribuições para a Previdência. Esse mecanismo significa que o Estado não receberá mais recursos para o sistema previdenciário e os redirecionará para um fundo destinado a cobrir demissões no setor privado – uma espécie de fundo de compensação que socializa o custo das indenizações. “Será gratuito para os empregadores demitirem trabalhadores enquanto a previdência social estiver sendo desfinanciada”, condenou a advogada trabalhista Natalia Salvo.

Além disso, a redução das contribuições para organizações de assistência social e o uso de recursos previdenciários para financiar demissões “colocarão em risco a saúde dos trabalhadores e a sustentabilidade do sistema previdenciário”, alertou o advogado trabalhista Juan Manuel Ottaviano.

FÉRIAS FATIADAS

A proposta de Milei permite que “as partes” concordem em dividir as férias em períodos de pelo menos sete dias e autoriza sua concessão em qualquer época do ano, transformando as férias de verão em um benefício excepcional que só pode ser utilizado uma vez a cada três anos. Nos outros dois períodos, o empregador pode transferir as férias para meses fora de temporada, interrompendo os horários familiares, o calendário escolar e a função restauradora do descanso.

“O projeto inverte a presunção de vínculo empregatício: deixará de presumir a existência de um contrato de trabalho, passando a considerar qualquer serviço prestado mediante fatura como um simples contrato de prestação de serviços ou uma colaboração ‘independente’. Essa mudança deixará milhares de pessoas sem a possibilidade de apresentar queixas por fraude ou relações de trabalho ocultas”, acrescentam especialistas do Página12.

REFORMA” CONTRARIA DIREITOS, SINDICATOS E ESTADO

A reforma incorpora limites ao direito de greve, ampliando a definição de serviços essenciais, que devem garantir 75% da atividade, e criando uma categoria ainda mais ampla: “serviços de importância primordial”, que inclui quase tudo o mais, e revoga estatutos profissionais. “Greves podem ser restritas em uma unidade de terapia intensiva ou em uma usina nuclear. O projeto de lei estende esse critério a quase todas as atividades, incluindo o setor de restaurantes, a produção de petróleo e a mídia”, explicou Luis Campos.

Além disso, o ataque à estrutura sindical é reiterado uma vez que descentraliza a negociação coletiva, de modo que os acordos de nível inferior prevaleçam sobre o acordo nacional, sem necessidade de alinhamento, caminhando para um alinhamento em nível empresarial, que busca substituir a negociação setorial. “A prorrogação de acordos coletivos além do prazo de validade é eliminada, a filiação sindical é restringida e a contribuição de solidariedade é limitada”, reforçam os especialistas, concluindo que “a reforma é profundamente contrária aos direitos, aos sindicatos e ao Estado”.

Na prática, as medidas de Milei tentam pôr uma pá de cal nos inúmeros avanços trabalhistas do presidente Juan Domingo Perón na década de 50, como o salário mínimo, as férias remuneradas e o 13º salário, iniciativas que fortaleceram os sindicatos e asseguraram o trabalhador como sujeito de direitos.

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