90 anos da partida de Carlos Chagas. Ele foi responsável por um feito científico que entrou para a história e, até hoje, não foi superado. Só não levou o Nobel por arrogância das potências colonialistas da época
Há noventa anos, em 8 de novembro, o Brasil e o mundo se despediam de Carlos Chagas, um dos maiores cientistas brasileiros, e certamente do mundo todo. O médico e pesquisador brasileiro, nascido em Minas Gerais, Carlos Chagas, foi responsável por um feito científico que entrou para a história da medicina e até hoje não foi superado por nenhum outro pesquisador. Foi o primeiro, e até hoje o único, a descrever o ciclo completo de uma doença infecciosa.
MARCO NA HISTÓRIA DA MEDICINA
No dia 22 de abril de 1909, a Academia Nacional de Medicina testemunhou um marco significativo na história da medicina e da ciência do Brasil e do mundo: o anúncio formal, feito pelo sanitarista Oswaldo Cruz, da descoberta de uma nova enfermidade pelo seu colega Carlos Chagas. A descoberta dessa doença, que se tornaria conhecida como Tripanossomíase americana ou doença de Chagas, representou um avanço notável no campo das ciências biológicas.
Isso significa que Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, com suas pesquisas, detalhou o patógeno, o vetor, os hospedeiros, as manifestações clínicas e a epidemiologia da tripanossomíase americana, que em sua homenagem ficou conhecida como doença de Chagas. Ele descobriu o protozoário causador da patologia e o batizou de Trypanosoma cruzi — numa alusão a outro grande cientista brasileiro e seu orientador e amigo, o também médico Oswaldo Cruz.
Só mesmo a ideologia colonialista empedernida e o preconceito das potências colonialistas da época em relação aos países da chamada periferia do sistema impediram que Carlos Chagas levasse o Prêmio Nobel, para o qual tinha sido indicado em 1913 e 1921.
RECONHECIMENTO INTERNACIONAL
Carlos Chagas não levou o Nobel, mas acabou reconhecido com diversas outras honrarias nacionais e internacionais. Tornou-se membro honorário da Academia Nacional de Medicina e recebeu o doutorado honoris causa em diversas universidades pelo mundo. Mais de 40 sociedades científicas estrangeiras o elegeram membro honorário. Como participante do Comitê de Higiene da Liga das Nações, viajava todos os anos para reuniões científicas na Europa.
Em 1911, seus estudos sobre a doença foram destaque no pavilhão brasileiro na Exposição Internacional de Higiene, em Dresden, na Alemanha. Em 1912, foi agraciado com o Prêmio Schaudinn de Protozoologia, concedido pelo Instituto de Doenças Tropicais de Hamburgo.
A historiadora Rita de Cássia Marques, professora titular na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), disse, em entrevista à BBC, que a não premiação de Carlos Chagas não foi aceita pela ciência brasileira e mundial. “Acho que foi uma fratura, uma mágoa para a ciência do Brasil. Porque ele tinha chance de conseguir, mas uma série de conflitos e algumas coisas nesse sentido fizeram com que seu nome não fosse o escolhido”, comentou a professora.
Nascido na cidade mineira de Oliveira, em Minas Gerais, no dia 9 de Julho de 1879, estudou no Rio de Janeiro. Em 1897, com 17 anos, Carlos Chagas ingressou na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro (atual UFRJ). Ainda estudante, tornou-se assistente do curso de malária. Em 1902, por indicação do professor Miguel Couto, ele passou a trabalhar no Instituto Soroterápico Federal, conhecido como Manguinhos, que era dirigido por Oswaldo Cruz. Foi o primeiro contato de ambos e o início de uma grande amizade.
FORMADO PELA FACULDADE DE MEDICINA DO RIO EM 1902
Chagas formou-se em 1902. Em 1904, ele trabalhou por pouco tempo como clínico no hospital de Jurujuba, em Niterói. Nesse mesmo ano, instalou seu consultório no Rio de Janeiro. Em 1905, Carlos Chagas chefiou uma campanha profilática contra a malária, a convite da Companhia Docas de Santos.
Em 1907, Chagas foi designado para a chefia de uma comissão destinada a combater uma epidemia de malária que se espalhava entre os trabalhadores que construíam uma estrada de ferro em Minas Gerais. Um engenheiro que trabalhava na construção da ferrovia na região, que se localizava próxima ao Rio São Francisco, contou a ele que havia ali a infestação de um inseto hematófago.
Chagas instalou um laboratório em um vagão de trem em 1909. As pesquisas tomaram um novo rumo quando ele percebeu que na região, muitas pessoas morriam de uma doença desconhecida e, depois, quando se fazia a autópsia, descobriu grandes lesões no músculo cardíaco de uma vítima.
DESCOBERTA DA DOENÇA EM 1909
O pesquisador descobriu um inseto chamado localmente de “barbeiro”, que tinha o hábito de picar o rosto e chupar o sangue das pessoas. Ao examinar o inseto, encontrou em seu intestino uma nova espécie de protozoário flagelado, que mais tarde chamou de Trypanosoma cruzi (em homenagem a Osvaldo Cruz).
No dia 22 de abril de 1909, a descoberta de todo o ciclo da infecção da doença foi publicada na Revista Brasil-Médico. Em agosto desse mesmo ano, Carlos Chagas publicou no primeiro volume da revista do Instituto Osvaldo Cruz o seu primeiro estudo completo sobre a Doença de Chagas e o ciclo evolutivo do protozoário causador da doença.
Entre 1911 e 1912, Carlos Chagas realizou um estudo epidemiológico completo em 52 cidades do vale amazônico, região assolada por grandes epidemias, principalmente da malária. Em seu relatório, Carlos Chagas se mostrou indignado com a situação de pobreza da região. Um ano após a morte de Osvaldo Cruz, Chagas, que o substituiu à frente do Departamento Nacional de Saúde Pública DNS, enfrentou a Gripe Espanhola que matou 15 mil pessoas na cidade.
GRIPE ESPANHOLA
Chamado para chefiar a campanha contra a epidemia, em uma semana, ele instalou hospitais improvisados e laboratórios de emergência e, mobilizou a parte ativa da população. No final do ano, a epidemia havia sido debelada. Em 1919, Carlos Chagas foi nomeado pelo governo para o cargo de Diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública. Nesse período, realizou reformas no serviço de profilaxia rural, instalou inspetorias especializadas no combate à tuberculose, à sífilis e a lepra.
Em 1925, o pesquisador foi indicado para lecionar Medicina Tropical na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ele acreditava que a ciência médica deveria articular ensino e pesquisa. Também defendeu a inclusão do estudo de doenças tropicais nos cursos de Medicina, para formar profissionais qualificados no enfrentamento de problemas de saúde pública.
Carlos Chagas nos deixou em sua casa no Rio de Janeiro, vítima de um infarto, no dia 8 de novembro de 1934.
SÉRGIO CRUZ