Jair Bolsonaro acaba de indicar, após triagem feita com a participação direta de seus filhos, um ilustre desconhecido, entusiasta de Donald Trump, de nome Ernesto Araújo, para chefiar o Itamaraty. Segundo o novo Chanceler, Trump significou “a salvação do Ocidente”. As ideias defendidas pelo novo Ministro das Relações Exteriores, todas elas publicadas em seu blog, que, durante a campanha, fez propaganda de Bolsonaro, são classificadas por seus colegas como “exóticas e constrangedoras”.
É a primeira vez que um diplomata de terceiro escalão é escolhido para chefe do Itamaraty e também é inédita a escolha ser feita por familiares do presidente. O Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva do Exército Augusto Heleno, e o vice-presidente eleito, general da reserva Hamilton Mourão, defendiam outros nomes para o cargo. O embaixador aposentado José Alfredo Graça Lima era o preferido de Heleno, enquanto Mourão apontou publicamente o secretário-geral do Itamaraty, Marcos Galvão, como uma alternativa.
Diplomatas apontam as manifestações do futuro chanceler como um dos principais problemas no comando da instituição, para além do fato de que, recém-promovido, sem nunca ter chefiado uma embaixada no exterior ou ter tido um cargo de relevância na estrutura diplomática, Araújo não teria a necessária experiência para o cargo. “Aos olhos do mundo, a política externa brasileira passará a ser comandada por um discípulo do trumpismo”, diz uma fonte do Itamaraty. O futuro chanceler serviu em Washington com o ex-chanceler Mauro Vieira, e voltou ao Brasil no início do segundo mandato de Dilma Rousseff, quando Vieira foi chamado para assumir o Itamaraty. Trabalhou no gabinete como auxiliar até a saída de Vieira.
O que fez Bolsonaro indicar Ernesto Araújo foi sua participação na campanha. Seu corpo teórico, se é que se pode chamar esses textos de teoria, realmente faz lembrar uma mistura das ideias de Olavo de Carvalho – que foi quem o indicou para o governo – com as pregações do pastor Silas Malafaia, outro cabo eleitoral de Bolsonaro. Olavo, que trocou o Brasil pelos Estados Unidos e usa a internet para difundir sua obscura pregação direitista, recomendou certa feita, em suas redes sociais, o artigo “Trump e o Ocidente”, que Araújo escreveu para a revista de Política Externa do Itamaraty no segundo semestre de 2017. Os filhos de Bolsonaro leram e decidiram adotá-lo.
Araújo faz uma longa defesa de Trump. Para ele, o presidente dos EUA salva a civilização ocidental do “islamismo radical” e do “marxismo cultural globalista” e pode salvar o futuro do Ocidente. Para se ter uma ideia do que o sujeito entende por marxismo, ele inclui neste campo dos “vermelhos” até mesmo o reacionaríssimo “Fim da História”, de Francis Fukuyama, livro que foi destroçado intelectualmente por Cláudio Campos, fundador do HP.
O leitor poderá conferir do que estamos falando ao ler esse pequeno trecho dos escritos de Araújo.
“Os EUA iam entrando no barco da decadência ocidental, entregando-se ao niilismo, pela desidentificação de si mesmos, pela desaculturação, pela substituição da história viva pelos valores abstratos, absolutos, inquestionáveis. Iam entrando, até Trump”, diz o embaixador, em seu blog. E prossegue. “(…) Deus mesmo não deixa de ser um símbolo, o super-símbolo – ao mesmo tempo em que é real e super-real. Evidentemente, esse Deus por quem os ocidentais anseiam ou deveriam ansiar, o Deus de Trump, não é o Deus consciência cósmica, ainda vagamente admitido em alguns rincões da cultura dominante”, acrescenta o intelectual bolsonarista.
A base de sua defesa de alinhamento automático a Trump está na tese de que o Brasil deve alinhar-se com o que seja a sua essência. Como, na cabeça do escolhido de Bolsonaro, essa essência é “ser ocidental”, devemos, segundo o novo chanceler, “nos alinhar com o ocidente”, liderado por Trump.
Apesar de só ter sido promovido a embaixador em junho deste ano, para Bolsonaro, Ernesto Araújo, é um “brilhante intelectual”. Sua indicação é vista como mais um sinal de submissão do governo aos EUA. As primeiras manifestações de Bolsonaro sobre política externa foram nesta direção e provocaram uma crise após outra.
Fernando Henrique Cardoso chegou a comentar que o novo governo estava querendo agir como os EUA, sem ser os EUA. Ou seja, entrar nas brigas de Trump, sem ter o poder de Trump. Só vamos ficar com os prejuízos, alertou o ex-presidente.
O alinhamento automático e burro a Trump que se desenhou nos primeiros dias de transição já havia provocado três trapalhadas diplomáticas. A mudança da embaixada do Brasil em Israel, que trouxe a ameaça de perda de mercado no mundo Árabe, o aceno a Taiwan, que desagradou o nosso maior parceiro comercial, a China, e o ataque ao Mercosul, nosso segundo parceiro comercial. Até o agronegócio teve que dar uma meia trava no governo. Não por acaso, Ernesto Araújo, o adorador de Trump, é diretor do Departamento dos EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos.
A comentarista da TV Globo, jornalista Mirian Leitão, foi na mesma direção da análise de FHC e sentenciou. “O embaixador Ernesto Araújo como ministro das Relações Exteriores, por tudo o que disse até agora em seu blog de ativista, indica que o governo escolheu um alinhamento entusiástico a Donald Trump e isso tem um custo econômico”, diz ela.
“Na vida real, os Estados Unidos estão num dos piores momentos de sua política externa, com conflitos com vários aliados e em muitas frentes, uma diplomacia de ofensas e brigas. Os EUA com o tamanho que têm podem errar. Um país como o Brasil não poderia. O risco é o de comprar as brigas americanas, sem o poder de barganha que eles têm, perder mercados e se isolar”, afirma Miriam. “Não é natural também que, num local tão disciplinado como o Itamaraty, um diplomata tenha um blog de militância político partidária.”
“O caminho que ele tentará influenciar o governo, se presume dos textos, é o de ser caudatário dos Estados Unidos. Isso aconteceu algumas vezes no Brasil, como no período de Eurico Gaspar Dutra”, pontua ainda a jornalista, numa referência a um dos piores governos da história do Brasil, que queimou as reservas acumuladas pelo País durante a Segunda Guerra, comprando quinquilharias norte-americanas.
Até onde a falta de noção do ridículo pode chegar?
O mais alto cargo da chancelaria brasileira ocupado por alguém que lê, acredita, defende e divulga pseudociência de áreas distintas daquelas que entende e, pior, daquelas que deveria entender.
Um diplomata que não sabe o que é ser um diplomata. Um diplomata, por excelência, é quem dialoga com todos os países, independentemente de ideologias ou interesses, respeitando sem ser capacho de nenhum. E justamente, está sendo capacho de Trump, aquele que mas agride a verdade, o bom senso e a ciência.
bom comentário!
Fukuyama deu uma entrevista recentemente, e parece que percebeu que a História continua.
Francis Fukuyama interview: “Socialism ought to come back”