Líderes da região de Curuguaty declaram apoio aos candidatos capazes de se somarem à luta dos camponeses paraquaios
LEONARDO WEXELL SEVERO
As candidaturas do ex-chanceler Euclides Acevedo, do Movimento Nova República, e do senador Jorge Querey, da Frente Guasú, à presidência e à vice-presidência do Paraguai nas eleições de abril de 2023 receberam o significativo e simbólico apoio dos principais lutadores de Marina Kue, Curuguaty, por “justiça, terra e liberdade”.
Há mais de dez anos, Martina Paredes e Dario Acosta lideram a Comissão de Familiares de Vítimas de Marina Kue, enfrentando uma verdadeira peregrinação para fazer valer os interesses coletivos e garantir que os dois mil hectares – tomados de assalto pela família do latifundiário Blas Riquelme durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) -, se transformem em fonte de renda e vida da comunidade.
De forma enfática, os batalhadores de Curuguaty destacam a disposição de diálogo e a capacidade de interlocução de Euclides Acevedo, elementos chaves para fazer justiça, virar a página e começar a construir um novo Paraguai. “Já como ministro do Interior, Acevedo foi até lá para se reunir conosco. Ele conhece Marina Kue e seria fantástico que assumisse a presidência do Paraguai para iniciar um processo efetivo de transformações”, declarou Martina Paredes, que teve seus irmãos Luis e Fermín executados na carnificina em junho de 2012.
ACEVEDO TEM TRAJETÓRIA DE DIÁLOGO
“Acevedo se encontrou conosco na capela São Oscar Romero, ouviu nossas preocupações e reivindicações, mas por falta de seriedade das autoridades de plantão, infelizmente, não pôde executá-las. Assim, a propriedade continua sem a documentação necessária”, acrescentou.
Em relação à sustentação de amplos setores do movimento social e popular à candidatura oposicionista, resgatou Martina, é essencial que Acevedo traga consigo o aval de nomes com a credibilidade, a idoneidade e a trajetória de Guillermina Kanonnikoff. “Euclides Acevedo esteve preso com a nossa amiga Guillermina, referência de mulher lutadora incansável, num dos momentos mais duros da ditadura de Stroessner. Só o fato dele contar com o seu apoio já diz muito, pois sempre foi uma combatente solidária, irmanada ao nosso lado”, assinalou.
Na avaliação da líder da Comissão de Familiares de Vítimas de Marina Kue, a primeira medida que o futuro governo precisará tomar em relação à comunidade é “dar prioridade à regularização da terra, pois sem o título de propriedade o Estado não avançará em investimentos que tragam melhorias”. “Faltam estradas e pontes, não há linhas de crédito agrícola e fica tudo pelo meio do caminho. Precisamos da titulação para haver políticas públicas que se traduzam em benefícios para nossas famílias”, enfatizou Martina.
PRIMÁRIAS EM 18 DE DEZEMBRO
Para o dirigente Dario Acosta, que teve o sobrinho Luciano, de 18 anos, assassinado covardemente em Curuguaty, “é fundamental a construção do grande diálogo nacional que começará a ser feito a partir das primárias que os partidos e movimentos realizarão no dia 18 de dezembro, particularmente por indígenas, trabalhadores rurais e urbanos para a eleição de Acevedo”.
Dario denunciou “a lógica do capitalismo selvagem” em que centenas de milhares de famílias vivem na miséria e passam fome entre os 7,4 milhões de paraguaios, enquanto se exporta alimento para 100 milhões de pessoas. Dados da Frente Parlamentar Contra a Fome apontam que a insegurança alimentar é “moderada ou grave” para 25 de cada 100 famílias paraguaias, alcançando 1,9 milhão de pessoas.
Sob o controle de uma casta, 94% das terras férteis do país são voltadas exclusivamente à exportação, de produtos primários e baixo valor agregado, como é o caso da soja em grãos, que ainda contamina o solo com o uso de herbicidas e sementes transgênicas.
“Para nós, a terra é a matéria-prima, é fertilidade, é fonte de vida. A terra é o que impede que todos passemos fome, daí a necessidade da sua justa distribuição para pequenos e médios agricultores, da injeção de recursos para o fortalecimento da agricultura familiar”, apontou o dirigente, condenando a sua trágica concentração nas mãos de uns poucos latifundiários paraguaios e do capital estrangeiro.
TRAMA PARA DESTITUIR LUGO
No dia 15 de junho de 2012, mais de três centenas de policiais cercaram o acampamento dos trabalhadores rurais, onde se encontravam cerca de 60 homens, mulheres, idosos e crianças, para cumprir uma ordem de “averiguação” da propriedade, pertencente ao Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert), e declarada, desde 2004, de interesse social para fins de reforma agrária.
Não havia então qualquer “ordem judicial para abandono”, fake news veiculada pelos monopólios privados de mídia, em sintonia com os latifundiários, para pintar os sem-terra como “invasores de propriedade particular”. Mas era necessário verter sangue e destituir o presidente Fernando Lugo. E assim foi feito.
Com a interferência de franco-atiradores com as digitais dos Estados Unidos, o que era para ser mais um atropelo legal transformou-se num banho de sangue, com o assassinato de 17 pessoas inocentes: 11 camponeses e seis militares, incluindo o comandante da ação, Erven Lovera, irmão do chefe da guarda pessoal de Lugo.
O tiro que o subcomissário Erven recebeu na cabeça veio desde o helicóptero. Nenhuma outra bala poderia ter vindo tão do alto em campo aberto. Nos autos do processo, cuja balística acabou sendo concluída de forma escandalosa por um ginecologista, os disparos fatais no crânio foram completamente desconsiderados.
Nenhum dos trabalhadores rurais portava um único armamento capaz de matar nada além de pequenos animais. Armas que não chegaram sequer a ser disparadas. Apesar disso, numa manipulação grotesca, alguns dos camponeses foram condenados por um tribunal de exceção a penas de até 35 anos de prisão, tendo sido necessária uma ampla campanha nacional e internacional pela sua libertação.
GOLPE JURÍDICO-MIDIÁTICO-PARLAMENTAR
Como recordou Martina Paredes, o sangrento “confronto” serviu tão somente de justificativa para o golpe jurídico-midiático-parlamentar consumado uma semana depois, no dia 22 de junho, afastando o presidente Lugo do poder. Consumada a barbárie, a direita pisou fundo no freio de qualquer avanço na justiça social, barrando qualquer perspectiva de reforma agrária.
Aprender com a história é algo essencial, defendeu Dom Dario, que tem muita esperança no fortalecimento da unidade latino-americana para o desenvolvimento conjunto da região, livre de amarras. “Tivemos a destituição de Lugo por meio da tragédia que ocorreu em Marina Kue e agora vibramos com esta importante conquista do povo brasileiro com a eleição de Lula. São dois momentos distintos. O exemplo de vocês é um desafio para todos os movimentos políticos e organizações sociais do Paraguai superarem divergências. É hora de conquistar a unidade e derrotar o Partido Colorado e suas décadas de opressão. Lutaremos para que isso aconteça”, concluiu.