Por se recusar a incriminar o WikiLeaks e seu editor Julian Assange ao júri secreto nos EUA que busca extraditá-lo, a ex-soldado Chelsea (Brady) Manning foi presa por alegado “desacato” ao tribunal nessa sexta-feira (8) e mandada para o presídio federal de Alexandria, na Virgínia.
Decisão que a torna refém: Manning permanecerá no cárcere até que mude de ideia e “testemunhe”, ou até “o fim da vida do grande júri”, decidiu o juiz Claude Hilton, do Tribunal Distrital Federal no Distrito Leste da Virgínia, estado que, por enorme coincidência, também é sede da CIA.
Dois dias antes, Manning declarara ao mesmo júri secreto que todas as questões substantivas que lhe estavam sendo perguntadas “referem-se às minhas divulgações de informações ao público em 2010 – respostas que forneci em extensos testemunhos durante minha corte marcial em 2013”, justificando seu silêncio e recusa em se dobrar à chantagem, disfarçada de oferta de “imunidade”.
“Respondi a cada pergunta [do júri secreto] com a seguinte declaração: ‘Eu me oponho à pergunta e recuso responder com base em que a questão viola minha Primeira, Quarta e Sexta Emenda [da Constituição dos EUA], e outros direitos estatutários’”, anunciou.
Foi Manning a fonte, por decisão própria, como assumiu diante de corte marcial, dos arquivos e vídeos do Pentágono que o WikiLeaks divulgou em 2010 que mostraram crimes de guerra no Iraque, inclusive assassinato de jornalistas da Reuters e civis desarmados, e também no Afeganistão.
Analista de Inteligência em uma base no Oriente Médio, o então soldado Brady, agora Chelsea, se deparou com essas provas dos crimes cometidos pelas tropas invasoras dos EUA e decidiu que não podia se calar e que tinha que levá-las a conhecimento dos povos do mundo.
Chegou a ser condenada a 35 anos de cárcere, sentença que acabou comutada no final do governo Obama, depois de seis anos de prisão, sendo quase um ano de confinamento em solitária e outras torturas.
Sabedora de que a aguardava a volta ao cárcere, Manning anunciou na quarta-feira, com enorme integridade e coragem, que “manteria seus princípios” em solidariedade a “muitos ativistas que enfrentam as adversidades”. Acrescentou que iria “esgotar todos os recursos legais disponíveis” e disse que sua equipe jurídica continuaria contestando nos tribunais “o caráter sigiloso” do processo.
A prisão de Manning é emblemática da escalada da operação do governo Trump para extraditar Assange e silenciar o WikiLeaks, que se tornou pública com vazamento, por erro de digitação, da existência de um grande júri secreto com essa finalidade, já em funcionamento há anos.
Para Assange, já está devidamente encomendado prisão perpétua ou corredor da morte, sob a fraudulenta acusação de “espionagem”, quando se sabe que Manning assumiu a responsabilidade de divulgação unicamente dele, e que os principais jornais do mundo co-reproduziram, com o WikiLeaks, os arquivos vazados e o vídeo do “Assassinato Colateral”.
Em paralelo, o regime Trump tem contado com a subserviência do atual presidente do Equador, Moreno, que transformou o asilo político concedido por Rafael Caldera em prisão política.
Com Assange confinado em um quarto 24 horas por dia na embaixada em Londres, sob vigilância de câmeras e guardas, contato cotidiano com o exterior praticamente cortado, visitas tendo os celulares e anotações apreendidos, na tentativa de forçá-lo a sair, como denunciou o cineasta John Pilger.
Segundo o ex-diretor da CIA e atual secretário de Estado Mike Pompeo, o WikiLeaks – de que Trump dizia gostar quando expôs os podres de campanha de Hillary – não passa de uma ‘agência de espionagem não-estatal’. Hillary, cujos crimes de guerra também já haviam sido revelados pelo WikiLeaks, quando ocupava o cargo chegou a sugerir usar um drone para eliminar Assange.
O que esses criminosos de guerra tentam arrancar de Manning é qualquer coisa que sirva no tribunal de fancaria montado por Washington de pretexto para alegarem que foi Assange quem o induziu a vazar os arquivos e vídeos do Pentágono.
Com os principais jornais do mundo tendo simultaneamente co-reproduzido esses documentos, como o New York Times, a acusação de espionagem intentada fica ainda mais frágil, dados os precedentes dos Pentagon Papers e do Watergate.
Sobre Manning, sua advogada Moira Meltzer-Cohen não economizou palavras: “as ações de Chelsea falam por si. Ela é uma pessoa de tremenda honra e coragem, e essa luta é apenas a mais recente em uma longa série em decorrência dos princípios que ela assumiu. “A procuradora Tracy McCormick asseverou que poderia “facilmente” liberar Manning se ela “testemunhasse”. Meltzer-Cohen chamou todos a ficarem “atentos” para que as “garantias” às necessidades de saúde dela enquanto transexual sejam atendidas no cárcere, como o Departamento de Justiça diz que serão.
A.P.