
Capo de um país que impôs o neoliberalismo e a globalização goela abaixo dos povos, e que chegou a anunciar o ‘fim da história’, agora diz que é a “vítima” de todos aqueles que saqueou impunemente. China denuncia Trump por tentar a “intimidação unilateral”
Diante da ameaça do governo Trump de aumentar em mais 50% a sobretaxa que anunciou contra as exportações chinesas [de 34%] caso Pequim não recuasse da sobretaxa espelhada, com prazo até a meia noite desta terça-feira (8), a China anunciou que não se submete à chantagem e que está preparada para lutar “até o fim” pelos seus direitos e por uma ordem comercial internacional que respeite as leis internacioais.
O Ministério do Comércio chinês salientou que a imposição pelos EUA das assim chamadas “tarifas recíprocas” sobre a China é “completamente infundada e uma típica prática de intimidação unilateral”.
“As contramedidas que a China tomou são voltadas para salvaguardar sua soberania, segurança e desenvolvimento, e manter a ordem normal de comércio internacional. São inteiramente legítimas”.
“A ameaça dos EUA de escalar as tarifas sobre a China é um erro sobre erro e expõe novamente a natureza chantagista dos EUA. A China nunca aceitará isso. Se os EUA insistir nesse caminho, a China lutará até o fim”.
Declaração análoga partiu do porta-voz da diplomacia chinesa, Lin Jian, que acrescentou que o unilateralismo e a intimidação econômica têm sido “amplamente rejeitados pela comunidade internacional”.
“A China tomará medidas necessárias para salvaguardar resolutamente seus direitos e interesses legítimos. Se os Estados Unidos ignorarem os interesses dos dois países e da comunidade internacional e insistirem em travar guerras tarifárias e comerciais, a China certamente lutará até o fim”, acrescentou.
“Priorizar o ‘Estados Unidos primeiro’ [o lema político de Trump], em detrimento das normas internacionais, prejudica a estabilidade da produção e da cadeia de suprimentos global, afetando seriamente a recuperação econômica mundial”, concluiu o porta-voz.
WALL STREET ENGASGA
Enquanto isso, em Wall Street, depois de uma breve recuperação nesta manhã, a bolsa voltou a engasgar. Segundo um levantamento da Bloomberg, em valor de mercado, o desmanche das bolsas do mundo inteiro, desde que Trump chantageou o planeta inteiro com seu tarifaço, já chega a metade do PIB da União Europeia, ⋲ 9,2 trilhões – isso em menos de uma semana. Só da Tesla, US$ 400 bilhões evaporaram.
Dentro dos EUA, crescem os questionamentos sobre essa política de chantagem tarifária. Segundo o Wall Street Journal, o bilionário gestor de fundos de hedge, Bill Ackman, pediu uma pausa de 90 dias nas tarifas e alertou que a alternativa seria “um inverno nuclear econômico auto-induzido”.
O bilionário Stanley Druckenmiller também se manifestou publicamente contra tarifas superiores a 10%. No X, o magnata Daniel Loeb elogiou uma análise do American Enterprise Institute que disse que a fórmula tarifária de Trump “não faz sentido econômico”. O próprio Elon Musk chamou o guru das tarifas de Trump, Peter Navarro, de “idiota”.
Por sua vez o JPMorgan subiu a chance de recessão de 40% para 60% e de alta da inflação de 2,8% para 4,4%. O Fed de Atlanta, que monitora a economia em tempo real, previu que no primeiro trimestre de 2025 o PIB dos EUA encolherá 0,8% (anualizado), depois de alta de 2,4% no último trimestre no ano passado.
O The New York Times, que estampou que “Wall Street explode de raiva com a ‘estupidez’ tarifária”, disse na terça-feira que “autoridades de Trump tentam acalmar mercados apontando para negociações sobre tarifas”.
DESASTROSO DE MAR-A-LAGO
Uma matéria de opinião do NYT sugeriu uma semelhança entre a falida ex-primeira-ministra britânica Liz Truss, que quase quebrou o Banco da Inglaterra, com Trump e seu tarifaço. Já o Washington Post registrava que “os americanos estão estocando vinhos europeus conforme as tarifas tomam efeito”.
Também o reputado economista Jeffrey Sachs contestou a arenga de Trump de que o mundo “está roubando os EUA”. “ O déficit comercial americano é o resultado de déficits orçamentários cronicamente grandes resultantes de cortes de impostos para os ricos, combinados com trilhões de dólares desperdiçados em guerras inúteis”, destacou.
O déficit comercial de um país (ou mais precisamente, seu déficit em conta corrente) significa que o país deficitário está gastando mais do que está produzindo. Equivalentemente, está economizando menos do que está investindo.” Ou, ainda, “uma medida do desperdício da classe dominante corporativa dos Estados Unidos”.
Em 2024, os EUA exportaram US$ 4,8 trilhões em bens e serviços e importaram US$ 5,9 trilhões em bens e serviços, levando a um déficit em conta corrente de US$ 1,1 trilhão. “Esse déficit de US$ 1,1 trilhão é a diferença entre os gastos totais dos Estados Unidos em 2024 (US$ 30,1 trilhões) e a renda nacional dos Estados Unidos (US$ 29,0 trilhões). Os Estados Unidos gastam mais do que ganham e tomam emprestado do resto do mundo a diferença.
O déficit orçamentário está atualmente em torno de US $ 2 trilhões de dólares, ou cerca de 6% da renda nacional dos EUA. Com um déficit orçamentário continuamente alto, a balança comercial dos EUA permanecerá em desequilíbrio crônico.
Mas, observa Sachs, o déficit orçamentário não se deve aos salários dos funcionários públicos, que estão sendo demitidos arbitrariamente, ou aos gastos do governo com P&D, dos quais depende a prosperidade futura, mas “sim à combinação de cortes de impostos para os ricos e gastos imprudentes nas guerras perpétuas dos Estados Unidos. Financiamento dos EUA para as guerras ininterruptas de Israel, as 750 bases militares americanas no exterior, a inchada CIA e outras agências de inteligência e pagamentos de juros sobre a crescente dívida federal”.
DIPLOMACIA
Na terça-feira, o premiê chinês Li Qiang falou ao telefone com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, dizendo que a China e a Europa devem impulsionar as comunicações, expandir a abertura de mercados entre si e defender conjuntamente o comércio e o investimento livres e abertos.
Li defendeu as medidas retaliatórias da China às tarifas de Trump não apenas como salvaguarda dos interesses da China, mas também como uma luta pelas regras de comércio global. Ele disse que a China e a UE podem ajudar a fornecer “mais estabilidade e previsibilidade” uma para a outra e para o mundo, de acordo com a agência de notícias Xinhua.
Na ligação, von der Leyen “ressaltou a importância vital da estabilidade e previsibilidade para a economia global”, de acordo com a leitura oficial da ligação telefônica. Ela também enfatizou a responsabilidade da Europa e da China, como dois dos maiores mercados do mundo, de apoiar um forte sistema de comércio reformado, que deve ser “livre, justo e fundado em igualdade de condições”.
Em paralelo, a Comissão Europeia ofereceu aos Estados Unidos um acordo para zerar tarifas sobre todos os bens industriais como parte das negociações suscitadas pelo tarifaço, com von der Leyen asseverando a disposição de retaliar caso as negociações fracassem. Nesta quarta-feira, entra em vigor a sobretaxa geral de 20% sobre as importações da União Europeia. Aço, alumínio e carros estão sujeitos a uma taxa separada de 25%. No total, mais de € 380 bilhões em produtos feitos na UE serão afetados.
O primeiro-ministro da Nova Zelândia, Christopher Luxon, criticou as tarifas dos EUA, denunciando um “afastamento das regras acordadas” de comércio e alertando sobre o risco de “retroceder em uma guerra comercial global”. Alguns países, como a Tailândia e a Índia, manifestaram a disposição de chegar a algum acordo com Washington. A Asean (Associação dos Países do Sudeste Asiático) enviará uma delegação para análise.
CONSUMO INTERNO DA CHINA PARA COMPENSAR RISCOS TARIFÁRIOS
O jornal China Daily assinalou, citando economistas, que o forte potencial de consumo interno da China e as estratégias de investimento concentradas nas pessoas estão bem posicionadas para combater os riscos apresentados pelos aumentos de tarifas.
“Embora a economia da China enfrente desafios, o céu não está caindo”, disse Chen Wenling, ex-economista-chefe do Centro de Intercâmbio Econômico Internacional da China, que afirmou que a economia “permanece robusta e capaz de enfrentar tempestades”.
“A economia da China tem mantido uma trajetória de crescimento estável nas últimas décadas, e sua enorme escala econômica tem servido como um poderoso amortecedor contra pressões externas”, disse Chen.
Este ano, o país asiático está redobrando os esforços para impulsionar a demanda interna, tanto nos gastos do consumidor quanto no investimento real, para sustentar seu crescimento. Os formuladores de políticas estabeleceram a relação entre déficit e PIB no nível mais alto já registrado.
Ao colocar a demanda interna em primeiro lugar, a China pode criar um modelo de crescimento econômico mais estável e autossustentável que seja menos vulnerável aos fluxos comerciais globais voláteis, disse Chen.
Li Daokui, diretor do Centro Acadêmico de Pensamento e Prática da Economia Chinesa da Universidade Tsinghua, previu que a taxa de crescimento econômico anual da China em 2025 “certamente será mais rápida do que no ano passado”.
“Várias vezes, vimos que todos os esforços das nações ocidentais para erguer barreiras comerciais, impor bloqueios tecnológicos ou empregar outros meios de pressão contra a China falharam consistentemente em atingir os objetivos desejados”, lembrou Li, que citou o sistema operacional da Huawei, o HarmonyOS, e a startup de inteligência artificial DeepSeek, como exemplos. Longe de impedir o progresso chinês, as pressões externas catalisaram um aumento na autossuficiência e na inovação interna.