“A pressão máxima exercida pelos Estados Unidos sobre o Irã é a principal causa da crise nuclear iraniana”, afirmou o porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China, Geng Shuang, em declaração em que também lamentou a decisão de Teerã de reduzir paulatinamente seu compromisso com o acordo nuclear, em vigor desde 2015, e do qual o governo Trump se retirou unilateralmente há um ano.
“Os EUA não apenas se retiraram unilateralmente do acordo, mas também criaram mais e mais obstáculos para que o Irã e outros implementassem o acordo, por meio de sanções unilaterais e jurisdição de braços longos”, assinalou Geng.
“Os fatos mostram que o assédio moral unilateral se tornou um tumor cada vez pior”, acrescentou o porta-voz da diplomacia chinesa.
No início da semana, o Irã anunciou que estava elevando de 3,67% para 5% o teor de enriquecimento de urânio, acima do limite estabelecido no acordo – mas muito aquém dos 90% para armas nucleares -, como forma de pressionar para que os signatários europeus (França, Alemanha e Inglaterra) cumpram sua parte do acordo, comprando petróleo iraniano e mantendo o intercâmbio bilateral econômico com o Irã. As grandes empresas europeias simplesmente cancelaram os negócios com o Irã para não caírem na lista negra de Trump.
O espírito do acordo foi exatamente o Irã se submeter a reduções drásticas em seu programa nuclear e à mais rígida fiscalização já vista, em troca do fim das sanções e normalização de relações. O acordo (JCPOA, na sigla em inglês) foi assinado pelas três potências europeias, mais Washington, Moscou e Pequim, e sacramentado por resolução do Conselho de Segurança. Mas nem por isso Trump deixou de rasgá-lo.
Em maio, Trump deu mais uma volta no parafuso do bloqueio ao Irã, decretando que qualquer país que comprar petróleo iraniano sofrerá também sanções, para forçar seu diktat de ‘zero de exportação de petróleo’ até que Teerã se renda ou o povo iraniano morra de fome.
Impôs também impôs sanções aos bancos e petroleiros iranianos e até mesmo contra o principal líder do país, o aiatolá Ali Khamenei. O acordo que violou fora assinado por Barack Obama, depois de três anos de minuciosas conversações.
“GARANTIR A IMPLEMENTAÇÃO EFETIVA DO ACORDO”
“Garantir a implementação plena e efetiva do acordo nuclear não é apenas a exigência da resolução do Conselho de Segurança da ONU, mas também a única maneira realista e efetiva de resolver a questão nuclear iraniana”, disse Geng.
Pequim pediu, ainda, que todas as partes tenham em mente “os interesses gerais e de longo prazo, exercitem a contenção, apoiem o diálogo por meio do mecanismo da comissão conjunta e criem condições para manutenção e implementação contínuas do acordo”.
Em Moscou, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que a situação “é obviamente preocupante”, acrescentando que a Rússia pretende continuar o diálogo e os esforços na frente diplomática. Continuamos apoiadores do acordo nuclear”.
RETALIAÇÕES REVERSÍVEIS
Depois de ter se mantido integralmente apegado ao acordo nuclear de 2015, apesar do bloqueio de Trump ir se agravando ao longo de um ano, a decisão de Teerã é de passar a responder à pressão a cada 60 dias, até que os benefícios econômicos previstos no acordo sejam restaurados pelas demais partes que, formalmente, dizem seguir dentro do acordo.
Em maio, Trump cancelou as isenções que permitiam que os oitos principais compradores de petróleo iraniano continuassem comprando sem sanções, colocando “o zero de petróleo exportado” na ordem do dia, assim como a eclosão de um conflito armado no Golfo, por onde é escoado um quinto do petróleo exportado no mundo.
O anúncio sobre a elevação do teor de enriquecimento de urânio para 5% foi feito na segunda-feira pelo porta-voz da Organização de Energia Atômica do Irã, Behrouz Kamalvandi. Ele advertiu sobre “a opção de 20 por cento e há opções ainda mais altas, mas cada uma em seu lugar”. “Hoje, se as necessidades do nosso país são uma coisa, não buscaremos outra coisa apenas para assustar um pouco mais o outro lado”, acrescentou.
O governo iraniano afirmou que as medidas anunciadas são facilmente reversíveis, desde que os direitos do Irã definidos no acordo sejam respeitados, ou seja, retorne o comércio e a venda de petróleo.
Para comprar tudo que ainda não produz, de maquinário a remédios, incluindo alimentos, o Irã depende fundamentalmente das receitas da exportação de seu petróleo. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) atestou o rigoroso cumprimento, por parte do Irã, de todos os seus compromissos com o acordo nuclear, o que só mudou no momento em que as sanções de Trump assumiram uma dimensão de tentativa de destruição total da economia iraniana e de dobrar o país pela fome e desespero.
GENUFLEXÕES EUROPEIAS
Até aqui, as três potências europeias pouco mais fizeram do que atos simbólicos de cumprimento de sua parte no acordo, como o mecanismo Instex, que supostamente daria suporte às empresas europeias para evitarem o dólar e as sanções extraterritoriais, mas mal saiu do papel, e praticamente limitado a operações humanitárias.
As provocações têm acontecido uma após outra – dos incidentes com petroleiros no Golfo, à ofensiva colocação de Khamenei, maior líder religioso iraniano, numa lista negra de Washington: querem proibi-lo de ir à Disneylândia? De fazer saques no JP Morgan Chase?
A Inglaterra chegou até mesmo a sequestrar um superpetroleiro iraniano atendendo ordem de Washington, diante de Gibraltar, provavelmente o maior ato de pirataria marítima da década.
Mas de Paris, Londres e Berlim seguem as exortações a Teerã para que se atenha estritamente ao acordo – enquanto Trump o viola, e os europeus se submetem. Em busca de manter as portas do diálogo abertas e trabalhar por uma desescalada nas tensões, o presidente francês Emmanuel Macron mandou a Teerã um enviado especial.
A Alemanha instou o governo iraniano a “voltar atrás com todas as atividades inconsistentes com o tratado”, sem explicar porque a aceitação passiva do bloqueio dos EUA ao petróleo iraniano pelos europeus seria “consistente” com o tratado.
CERCO MEDIEVAL
Uma política de “zero de exportação de petróleo” do Irã é a enésima reedição, por governos norte-americanos, de sua tara pelos cercos medievais aos castelos, como comparou um relator da ONU sobre direitos humanos. Ou, pela jurisprudência antinazista de Nuremberg, uma punição coletiva.
O ministro das Relações Exteriores iraniano, Mohammad Javad Zarif, voltou a condenar, pelo Twitter, o bullying norte-americano contra seu país. Ele lembrou como John Bolton (o conselheiro de segurança de Trump, então, embaixador na ONU) e o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu “mataram o acordo de Paris entre o E3 (França, Inglaterra e Alemanha) e o Irã em 2005, insistindo no enriquecimento zero” – que havia sido alcançado em Viena no ano anterior.
Agora, advertiu, convenceram com o mesmo delírio a Donald Trump de que “o assassinato” do acordo nuclear iraniano através do “terrorismo econômico” faria com que receba um acordo melhor do que o assinado pelo antecessor Obama. “Não haverá acordo melhor”, postou Zarif, acrescentando que “o Time B não aprende”. “Mas o mundo, deveria”. Trump, que piscou por último no episódio da derrubada do drone espião sobre o espaço aéreo iraniano, voltou a ameaçar o país islâmico, postando que é melhor que o Irã “seja cuidadoso”.
A.P.