Acordo duramente conquistado abre trégua na guerra comercial iniciada e escalada por Trump
O presidente norte-americano, Donald Trump, e o vice-primeiro-ministro da China, Liu He, assinaram na quarta-feira (15), na Casa Branca em Washington o chamado acordo Fase 1, cuja essência é o aumento na compra de produtos norte-americanos pela China no total de US$ 200 bilhões adicionais ao longo de dois anos (em relação ao patamar de 2017) – o que inclui US$ 50 bilhões em produtos agrícolas -, em troca da suspensão do aumento programado de tarifas dos EUA sobre importações chineses e redução pela metade, para 7,5%, de uma das sobretaxas já em vigor.
O acordo congela a guerra comercial que já durava 22 meses, com Trump se comprometendo publicamente com que todas as tarifas “serão removidas assim que terminarmos a fase 2”. Em carta que foi lida na cerimônia, o presidente chinês Xi Jinping saudou o acordo de 86 páginas, que considerou “bom para a China, bom para os EUA e bom para o mundo” e que demonstra que os dois países podem superar suas diferenças “através do diálogo”.
Na segunda-feira, de Pequim partira a confirmação de que as duas partes haviam concordado com o texto do acordo “baseado nos princípios da igualdade e do respeito mútuo”. No ano passado, a tentativa de Washington de vetar o desenvolvimento da China na alta tecnologia e de impor ditames que teriam inclusive que virar leis na China haviam levado as conversações ao colapso.
O principal negociador comercial chinês, Liu He, comemorou que o acordo “está em conformidade com as regras da Organização Mundial do Comércio” – que o regime Trump acaba de imobilizar ao sustar a indicação dos juízes das pendências comerciais -, “não está direcionado contra qualquer terceiro país” e gerará “crescimento econômico e paz mundial”.
O jornal chinês de língua inglesa Global Times, que funciona como uma espécie de megafone do governo de Pequim para as declarações mais polêmicas, havia há mais de um mês considerado o acordo que vinha sendo tentado como uma “trégua” na guerra comercial EUA-China, mas agora considera que é preciso “valorizar” o acerto alcançado.
Jornais como o New York Times e o Financial Times se referiram ao acordo como uma “pausa” na guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo (que, aliás, Trump dizia “ser fácil” de ganhar).
Washington aceitou retirar a pífia acusação de que a China era “manipuladora da moeda” para obter vantagem no comércio, imposta em agosto passado. Recuo que foi considerado uma “boa notícia” pelo ex-vice-secretário assistente do Tesouro, Mark Sobel. Ele disse à agência de notícias Xinhua que essa designação era flagrantemente “política” e “errática”. Ele observou que o superávit em conta corrente da China é pequeno como parcela do PIB e que há “pouca intervenção”.
A China antecipou algumas medidas da sua política de “reforma e abertura”, deixando de lado para alguns setores a norma de joint venture de multinacional com empresa chinesa para produzir para o mercado chinês e, ainda, no setor financeiro, amplamente dominado pelos gigantescos bancos estatais chineses.
Sob a guerra comercial desencadeada pelo presidente bilionário, as exportações norte-americanas para a China caíram 11% no ano passado (uma perda de US$ 100 bilhões) e, para algumas commodities agrícolas, como a soja, praticamente foram zeradas, após o colapso das negociações.
As sobretaxas de Trump também causaram dano e acarretaram desaceleração da economia mundial. As tarifas impostas por Trump custaram às empresas americanas US $ 46 bilhões desde fevereiro de 2018, de acordo com análises dos dados oficiais dos EUA.
Pelo Fase 1, os EUA cancelaram as novas tarifas sobre US$ 156 bilhões em produtos chineses que iriam entrar em vigor em dezembro e reduziram de 15% para 7,5% a sobretaxa sobre US$ 120 bilhões em produtos chineses. Até que se concretize o acordo Fase 2, permanece a tarifa adicional de 25% sobre US$ 125 bilhões em importações chinesas.
Para Trump, o acordo Fase 1, ou “pausa”, ou “trégua”, chega em boa hora, já que é ano eleitoral e sua base entre os produtores agrícolas já estava entrando em desespero. E, claro, ele irá se gabar de sua excelência na arte de negociar.
Em outras áreas, o confronto continua abertamente. Washington mantém pressão cerrada contra a Huawei, que lidera mundialmente a tecnologia 5G, inclusive mantendo sob pedido de extradição a diretora e filha do fundador, Meng Wanzhou, além de proibir o fornecimento de componentes como chips e software. Na semana passada, ameaçou com sanções a China se continuar comprando petróleo iraniano.
Para a CNN, a guerra comercial não irá parar: “os dois lados estão mantendo tarifas substanciais. Cerca de dois terços de todas as importações americanas da China – ainda estarão cobertas pelas tarifas após a assinatura do acordo, segundo análise de dezembro do Peterson Institute for International Economics. Mais da metade das exportações dos EUA para a China também estaria sujeita a tarifas retaliatórias, disse o Instituto.” Uma consultoria estimou em 19% a tarifa média, contra 3% antes do conflito econômico.
De acordo com o Global Times, citando “analistas chineses”, “espera-se que a assinatura do acordo comercial da primeira fase ofereça certa segurança e alívio para as empresas de ambos os países e ao redor do mundo, mas resta saber se as duas maiores potências econômicas conseguirão aproveitar o momento para abordam suas diferenças consideráveis em uma ampla gama de questões de maneira construtiva”.
“O acordo da primeira fase significa que a China e os EUA entraram em um novo ciclo relativamente previsível”, disse ao jornal Li Yong, vice-presidente do comitê de especialistas da Associação Chinesa de Comércio Internacional. “Será capaz de ajudar a revitalizar a cadeia de valor global interrompida pela guerra comercial e remediar pelo menos parte das perdas”.
Para o ex-vice-ministro do Comércio, Wei Jianguo, “a sinalização geral do acordo da fase 1 é muito maior do que o conteúdo do acordo em si”. “É um benefício para o mundo que as maiores e segundas maiores economias do mundo tenham atingido a chave de pausa na guerra comercial.” Na opinião de Wei, a China foi capaz de montar uma “defesa robusta”, tendo como centro a soberania e direito ao desenvolvimento, e insistiu nas consultas aos EUA. Acabou prevalecendo a compreensão mútua de que a guerra comercial “não era do interesse de ninguém” e como resultado os EUA “diminuíram sua posição dura e a sinceridade e a resiliência da China prevaleceram diante do bullying e das táticas de pressão máxima”.
ANTONIO PIMENTA