
Resposta chinesa de 84% sobre os produtos americanos faz Casa Branca escalar guerra comercial para 125% contra Pequim e reduzir sobretaxa de 75 países a 10% por 90 dias
Concretizando seu compromisso de não ceder à chantagem tarifária e à intimidação unilateral do governo Trump, a China anunciou uma taxação adicional de 84% sobre os produtos importados dos EUA nesta quarta-feira (9), dia marcado para a entrada em vigor do tarifaço de 104% (20% + 34% +50) decretado na semana passada pela Casa Branca.
Na véspera, Pequim havia reiterado que “iria até o fim” na guerra comercial desencadeada por Trump. “Os EUA continuam impondo tarifas e exercendo pressão máxima sobre a China, que se opõe firmemente e jamais aceitará tal intimidação”, afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Lian Jin.
Na iminência de uma quarta-feira negra, Trump recuou abruptamente, dando uma pausa de 90 dias para a implementação de seu tarifaço, limitado a 10% nesse período, exceto em relação à China, que não se submeteu à chantagem tarifária.
Tentando emparedar a China, Trump decretou que a sobretaxa contra produtos chineses irá para 125%. Em suma, tenta manobrar para o que é a guerra comercial que ele próprio deflagrou contra o mundo inteiro seja visto como confrontação com a China unicamente.
Desde sexta-feira, um dia terrível em Wall Street, magnatas vinham pressionando Trump por uma pausa no tarifaço, como Bill Wickman, um dos chefões dos fundos de hegde, que advertira sobre “um inverno nuclear econômico autoinfligido” global.
A China classificou as medidas de Trump como ”um erro em cima de outro erro”, reiterando que o tarifaço ”infringe seriamente os direitos e interesses legítimos da China” e viola as normas do comércio internacional.
“Se os EUA realmente buscam resolver a questão por meio do diálogo e da negociação, devem demonstrar uma atitude de igualdade, respeito e reciprocidade. Se os Estados Unidos estão determinados a travar uma guerra tarifária ou comercial, a China está pronta para lutar até o fim”, afirmou o porta-voz do governo Jinping.
DESASTRE ANUNCIADO
Sob o tarifaço, o maior em um século, bolsas no mundo inteiro foram ao chão, torrando o equivalente à metade do PIB da União Europeia, 9,2 trilhões de euros. O maior banco dos EUA, o JP Morgan elevou para 60% a chance de recessão, acompanhada por alta da inflação de 2,8% para 4,4%.
Estimativas conservadoras apresentaram as perdas anuais por família norte-americana em US$ 2100. Tentando escapar da inflação ou do desabastecimento, norte-americanos começaram a estocar itens básicos. A Apple transportou de emergência cinco aviões cargueiros com Iphones, para fugir da sobretaxa.
Em paralelo, Canadá e União Europeia anunciaram a decretação de sobretaxas às exportações dos EUA. O Canadá promulgou uma taxa de 25% sobre as importações de automóveis dos EUA que não cumpram o Acordo EUA-México Canadá de 2020. Os estados membros da União Europeia votaram para aprovar tarifas retaliatórias sobre US $ 23 bilhões em mercadorias em resposta às tarifas de 25% de Trump sobre aço e alumínio importados. As tarifas entrarão em vigor em etapas, algumas em 15 de abril e outras em 15 de maio e 1º de dezembro.
84% A PARTIR DE QUINTA-FEIRA
A taxação adicional de 84% sobre os produtos importados dos EUA a partir de quinta-feira é uma resposta a Trump, que elevou em mais 50%, a partir desta quarta, os impostos sobre produtos chineses, que acumulam taxas de 104% para serem distribuídos nos EUA.
O anúncio foi feito pelo Ministério das Finanças da China um dia após o governo Xi Jinping afirmar que o país irá até o fim na guerra comercial instalada por Trump.
O porta-voz Lian Jin reiterou o direito legítimo do povo chinês ao desenvolvimento e que a soberania, a segurança e os interesses de desenvolvimento da China são invioláveis. A China, ele acrescentou, continuará a tomar medidas resolutas e enérgicas para salvaguardar seus direitos e interesses legítimos.
“Se os EUA realmente buscam resolver a questão por meio do diálogo e da negociação, devem demonstrar uma atitude de igualdade, respeito e reciprocidade. Se os Estados Unidos estão determinados a travar uma guerra tarifária ou comercial, a China está pronta para lutar até o fim”, afirmou.
Enquanto a China se posiciona desta maneira, Trump, de forma alucinada, assevera que “durante décadas, nosso país foi saqueado, nossos empregos e nossas fábricas foram roubados. Hoje, estamos retornando ao sonho americano”, ele afirmou no dia em que anunciou o tarifaço.
DESINDUSTRIALIZAÇÃO DOS EUA FOI AUTOINFLIGIDA
Como se a desindustrialização dos EUA não houvesse sido autoinfligida, no afã de melhor estender sua pilhagem ao planeta inteiro, logo após o colapso da União Soviética, com suas fábricas transportadas para o ultramar em busca de salários de fome e lucros exorbitantes, no auge do Consenso de Washington, do neoliberalismo e da privataria.
Como dizia John K. Galbraith, “globalização […] não é um conceito sério. Nós, os americanos, o inventamos para dissimular a nossa política de entrada econômica nos outros países”. Ou, segundo outro economista norte-americano, Fredric Jameson, “globalização é o novo nome do imperialismo”.
Foi uma escolha de Washington, não de ninguém mais, assim como as guerras sem fim no Iraque, Afeganistão, Líbia e Somália, levadas a cabo passando por cima da Carta da ONU.
A China arrombou a “globalização unilateral” dos monopólios de bancos norte-americanos, apoiou-se nos planos qüinqüenais, tornou-se a fábrica do mundo e o maior parceiro comercial da grande maioria dos países, galgou a escada da inovação e alta tecnologia, e agora convoca a humanidade para se tornar uma “comunidade de futuro compartilhado”.
Foi um presidente norte-americano, Jimmy Carter, aliás, quem assinou a restauração das relações diplomáticas com Pequim, endossando o princípio de ‘Uma Só China’, que em telefonema a Trump durante o primeiro mandato explicitou a diferença de trajetórias dos EUA e da China. Enquanto os EUA faziam guerra por toda a parte, dilapidando trilhões de dólares, a China não fez guerra a ninguém por três décadas, investiu em portos, siderúrgicas, trens de alta velocidade, fábricas e universidades, ao mesmo tempo que tirava milhões da pobreza.
E note-se que, sob o privilégio exorbitante – nas palavras de De Gaulle – do dólar como moeda de reserva mundial, os EUA trocavam dólares pintados e, depois, clicados em uma tela, por bens produzidos no mundo inteiro, vivendo acima das suas possibilidade, inchando Wall Street e os monopólios, estufando com 750 bases e 11 frotas mundo afora, até a festa acabar em 2008, e não haver mais como ocultar o declínio, de que a própria ascensão de Trump é um sintoma.
LIVRO BRANCO
A resposta chinesa ao tarifaço de Trump coincide com a divulgação do “livro branco sobre as relações econômicas e comerciais entre China e EUA”, de 51 páginas, o que ocorre, como registrou a agência de notícias Xinhua, no momento em que o crescente unilateralismo dos EUA “tem impedido significativamente a cooperação econômica e comercial normal entre os dois países”.
Para o livro branco, as relações econômicas e comerciais EUA-China podem ser “ganha-ganha”.
“Como dois grandes países em diferentes estágios de desenvolvimento, com sistemas econômicos distintos, é natural que a China e os Estados Unidos tenham diferenças e atritos em sua cooperação econômica e comercial. É crucial respeitar os interesses e as principais preocupações de cada um e encontrar soluções adequadas para resolver as questões por meio do diálogo e da consulta”.
Partiu de Washington a hostilização das relações econômicas EUA-China. “Desde o início do atrito comercial em 2018, os EUA impuseram tarifas sobre exportações chinesas no valor de mais de 500 bilhões de dólares americanos e têm implementado continuamente políticas destinadas a conter e reprimir a China. Recentemente, os Estados Unidos impuseram tarifas adicionais abrangentes sobre produtos chineses, incluindo tarifas que citam a questão do fentanil como pretexto, ‘tarifas recíprocas’ e um adicional de 50% sobre as tarifas existentes”, diz o livro branco.
Medidas que são “contrárias aos princípios da economia de mercado e do multilateralismo e terão sérias repercussões nas relações econômicas e comerciais entre a China e os EUA”, adverte.