Após o escândalo do flagra do encontro da conselheira política do consulado norte-americano em Hong Kong, Julie Eadeh, com o assim chamado ‘líder dos protestos’, Joshua Wong, tornou-se público que ela também estivera no mesmo dia com dois conhecidos apologistas do separatismo, Anson Chan Fang e Lee Chu-ming. Inaceitável interferência nos assuntos internos da China que Pequim vem exigindo que Washington pare imediatamente.
A propósito, os chamados “protestos” foram antecedidos pela ida do chefe oposicionista pró-EUA, Martin Lee, a Washington, em maio, onde se reuniu com o secretário de Estado Mike Pompeo e com a presidente da Câmara de deputados, Nancy Pelosi.
Como um internauta postou nas redes, qual seria a reação de Washington se um diplomata chinês se reunisse com os líderes do Occupy Wall Street, ou os do Black Lives Matter, ou com manifestantes do Never Trump?
Aliás, foi isso que ocorreu no golpe na Praça Maidan, na Ucrânia, em 2014, quando abertamente a subsecretária de Estado Victoria Nuland e o senador John McCain foram distribuir rosquinhas para os fascistas ali amontoados – além, dizem as más línguas, notas de cem dólares.
JULIE POLIVALENTE
“Eu abri meu celular e tirei algumas fotos sem prestar muita atenção às pessoas próximas a mim”, afirmou o internauta que forneceu a um jornal local a prova da interferência norte-americana. Poucos dias depois, quando ele olhou para as fotos em seu telefone, percebeu que Julie Eadeh estava entre Anson e Lee. O encontro foi antes da reunião dela com Wong.
Diante das fotos, Wong, secretário-geral do partido Demosisto, asseverou ao Hong Kong Standard que não havia nada de sinistro em sua reunião com a conselheira do consulado, Julie Eadeh. “Eu até fui a Washington várias vezes, então o que há de tão especial em conhecer um cônsul dos EUA?”
Segundo ele, o assunto tratado foi o projeto de lei, apresentado no Congresso dos EUA, que prevê sanções contra a China sob o pretexto de ‘defender a democracia’ no porto chinês.
Já o Departamento de Estado alegou que seus diplomatas se reúnem “regularmente com uma ampla seção de pessoas em Hong Kong e Macau”.
“TRABALHO DOS EUA”
No final de julho, a porta-voz da chancelaria chinesa, Hua Chunying, já havia chamado a violência e caos na Região Administrativa Especial de Hong Kong de “trabalho” dos EUA. A declaração foi para rebater palpite do secretário de Estado Pompeo, sobre a China “fazer a coisa certa” diante dos “protestos pacíficos”,
“Eu não sei se ele [Pompeo] quer mover para os EUA os protestos em Hong Kong, onde ativistas radicalmente violentos atacaram a polícia com barras de aço e armas mortais. Os EUA então poderão mostrar sua ‘democracia’para o mundo”.
“Receio que ele [Pompeo] ainda se considere o chefe da CIA. Ele pode acreditar que a recente violência em Hong Kong é razoável, porque, como todos vocês sabem, é, afinal de contas, um ‘trabalho’ da CIA e dos EUA”, disse ela.
Hua listou uma série de exemplos mostrando a interferência dos EUA nos assuntos internos da China em Hong Kong, incluindo a chamada “Lei de Democracia e Direitos Humanos de Hong Kong”.
O caráter de provocação da ação dos chamados manifestantes, trajados de preto, fica evidente quando delegacias de polícia são cercadas, é invadido o parlamento local, a representação na cidade do governo central e até uma bandeira da China é arrancada do mastro. Em 2014, chegaram a expor uma faixa com o nome insultuoso com que os invasores fascistas japoneses tratavam a China.
Convenientemente, os protestos coincidem com a guerra comercial e tecnológica do governo Trump contra a China, e com as comemorações dos 70 anos da vitória da revolução, no próximo dia 1º de outubro, e tiveram como pretexto a ampliação da lei de extradição que já existe para incluir os demais países – atualmente só abrange 20 – inclusive a China continental e Taiwan. Ampliação cujo estopim foi o assassinato de uma mulher de Hong Kong pelo namorado durante visita a Taiwan, que causou grande comoção e que ficaria impune se a lei não fosse alterada.
Os pró-anglo-americanos passaram a dizer que o objetivo da lei era facilitar a extradição para o continente dos corruptos e dissidentes, o que ameaçaria o futuro do porto como centro financeiro. Em 2014, uma mudança de currículos servira de pretexto para a “revolução dos guarda-chuvas”, que acabou definhando após semanas de confrontos.
“QUEM COZINHOU A SOPA EM HONG KONG?”
Posteriormente, a BBC revelaria que o “protesto espontâneo” de 2014 havia sido preparado com dois anos de antecedência por agentes dos EUA, que haviam treinado cerca de 1000 operativos, a exemplo da notória operação que depôs Milosevic na Iugoslávia.
O que mereceria, de um conhecido blogueiro indiano sobre a cena internacional e ex-embaixador, M K Bhadrakumar, o irônico título: “quem cozinhou a sopa em Hong Kong”.
A matéria, assinada por Laura Kuenssberg, e publicada em 21 de outubro de 2014, sob o título “Protestos de Hong Kong: ativistas compartilham segredos no Fórum da Liberdade de Oslo”, assinalava, indiscretamente, que “longe de serem manifestações improvisadas, é um segredo aberto neste encontro na Noruega que os planos para as manifestações foram incubados quase dois anos antes (janeiro de 2013)” e que a ideia era usar ação não-violenta como ‘arma de destruição em massa’ para desafiar o governo chinês”. O total de agentes treinados – ali chamados de “manifestantes treinados” – chegou a 1000.
BOTIM DA GUERRA DO ÓPIO
Há problemas reais em Hong Kong, mas não os que os teleguiados apontam, mesmo que acabem servindo de escoadouro de descontentamento. Hong Kong foi o horrendo botim da Guerra do Ópio, no século XIX, arrancado da China durante a brutal investida para forçar o país a se sujeitar ao tráfico de ópio dos ingleses. Ópio que constituiu uma chaga, que só a revolução conseguiu debelar, muitas décadas depois.
E são esses senhores que têm o desplante de falar sobre “democracia em Hong Kong”, que jamais existiu sob ocupação inglesa. Vez por outra, a China tem de relembrar a Londres que Hong Kong não é mais sua colônia, e que a China não está mais sob a secular humilhação que viveu.
Como respondeu a porta-voz Hua após telefonema do novo Ministro das Relações Exteriores britânico: “Gostaria de salientar que Hong Kong hoje é uma região administrativa especial da República Popular da China. Já se passaram os dias em que estava sob o domínio colonial britânico”.
DESIGUALDADE GRITANTE
Fruto da ocupação colonial, Hong Kong é uma das cidades mais desiguais do planeta, o que piora a cada ano. Enquanto a imensa maioria da população mal consegue manter um teto sobre a cabeça, Hong Kong é a terceira cidade do mundo em número de bilionários, um resquício da sua condição de braço asiático da City londrina.
Ao analisar a ação de Pequim para superar a crise em 2014, o ex-embaixador indiano assinalou a mudança do peso de Hong Kong para o crescimento da China, com Xangai e outras regiões no leste a ultrapassando “em dinamismo e prosperidade”, tendência que, apontou, “só pode se acentuar ao longo do tempo”.
Bhadrakumar acrescentou ainda que a opinião pública do continente encarou aquela onda em Hong Kong como coisa de “crianças mimadas”, ao invés de “arautos da democratização”, como esperavam os mentores. A “revolução dos guardas-chuvas” fracassada foi em agosto; a da praça Maidan, na Ucrânia, em fevereiro daquele ano.
Os protestos, que já duram nove semanas, seguem exigindo a renúncia da executiva-chefe de Hong Kong, Carrie Lam Cheng, apesar de o projeto de extradição haver sido retirado. E, de, antes disso, ter sido esclarecido que só se aplicaria, caso por caso, a crimes com pena superior a sete anos e com controle pelo parlamento local.
O governo chinês tem advertido os aprendizes de feiticeiro que não permitirá que o princípio de “um país, dois sistemas” seja rompido ou distorcido e que “quem brinca com fogo, pode acabar se queimando”.
No mais, é como comentou um internauta, e a RT reproduziu: “Olha lá! Esses manifestantes em Hong Kong são legais mesmo. Estão jogando ovos na Estação de Polícia. Uau, isso é totalmente revolucionário, certo? E aquela bandeira dos EUA é tão bela, o modo como flutua na brisa. Protestos orgânicos são meus favoritos”.
ANTONIO PIMENTA