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Recorrendo ao seu costumeiro cinismo, Trump chama de “recíproco” o tarifaço, além de restrições na guerra comercial que a China repudia
Em reação ao anúncio, pelo governo Trump, da imposição das assim chamadas “tarifas recíprocas” aos principais parceiros de comércio internacional, a China convocou os EUA a parar de usar as tarifas como ferramenta coercitiva e a respeitar as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Conforme a mídia, Trump emitiu um memorando orientando seu governo a determinar “o equivalente a uma tarifa recíproca em relação a cada parceiro comercial estrangeiro”, como se a guerra comercial não partisse, exatamente, desde a Casa Branca.
A conclamação foi feita pelo porta-voz do Ministério do Comércio chinês, He Yadong, nesta quinta-feira (20). Denunciando o “unilateralismo” norte-americano, o porta-voz reiterou que a abordagem dos EUA não apenas viola as regras da OMC, mas também ignora o equilíbrio de interesses alcançado por meio de negociações dentro do sistema multilateral de comércio nos últimos 80 anos. Bem como o fato de que os EUA há muito se beneficiam significativamente do comércio internacional, acrescentou, em uma coletiva de imprensa.
He afirmou ainda que, se o sistema de “tarifa recíproca” proposto pelos EUA for implementado, prejudicará gravemente o comércio multilateral baseado em regras interromperá a cadeia de suprimentos global e criará enormes incertezas para as atividades econômicas e comerciais internacionais normais, o que já levou muitos países a expressarem sua oposição.
“A guerra tarifária não leva a lugar nenhum e não deixa vencedores”, concluiu. Foi contra a China que Trump desencadeou tarifas adicionais de 10% sobre todos os produtos chineses logo após sua volta à Casa Branca, o que foi prontamente contrarrestado por Pequim com 10% de tarifas sobre petróleo e outros produtos norte-americanos.
Contra o México e o Canadá está provisoriamente em suspensa a alta de 25%, o que virtualmente implode o Tratado de Livre Comércio México-EUA-Canadá. As tarifas sobre aço e alumínio foram aumentadas de 10% para 25%, com o Brasil entre os alvos.
Na última terça-feira, Trump anunciou a intenção de impor tarifas de 25% sobre os setores automotivo, farmacêutico e de semicondutores, sob alegação de proteção a essas indústrias estratégicas e redução do déficit comercial, o que atinge particularmente os europeus e os parceiros asiáticos. Tudo isso em 30 dias de mandato.
“As tarifas chocantes” desencadeadas pelos EUA podem desestabilizar o comércio global e aumentar o risco de uma recessão mundial, advertiu na última terça-feira (18) na OMC o embaixador chinês Li Chenggang. No principal órgão internacional de comércio, a China abriu uma disputa formal contra Washington, buscando resolver por meio dos mecanismos multilaterais o conflito das tarifas adicionais.
SALVAGUARDAR DIREITOS
“A China continuará a fazer o que for necessário para salvaguardar firmemente nossos direitos e interesses legítimos”, disse também na quinta-feira o porta-voz da chancelaria chinesa, Guo Jiakun, que enfatizou que Pequim “se opõe determinadamente aos aumentos unilaterais de tarifas dos EUA”, ao ser questionado sobre os comentários de Trump de que os EUA poderiam chegar a um novo acordo de comércio e tarifas com a China.
“Os dois lados precisam abordar as preocupações um do outro por meio do diálogo e da consulta com base na igualdade e no respeito mútuo”, destacou.
Na quarta-feira (19), o ministro do Comércio da China, Wang Wentao, em uma carta ao recém-nomeado secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, afirmou que as tarifas unilaterais prejudicam a cooperação econômica e comercial normal e chamou os dois lados a promoverem um ambiente de negócios justo e previsível para apoiar o engajamento econômico sustentável.
Para o jornal Global Times, as “tarifas recíprocas” de Trump constituem, de fato, intimidação e coerção comercial, pois usam as tarifas como meio e moeda de troca para transações, forçando a outra parte a aceitar suas condições comerciais, citando Li Yong, pesquisador sênior da Associação Chinesa de Comércio Internacional.
“E tal tática prejudica outros, bem como os próprios EUA”, disse Li, acrescentando que, quando os EUA impõem tarifas, muitas dessas tarifas serão arcadas por empresas e consumidores americanos.
“Oito anos atrás, o governo dos EUA tentou usar a arma tarifária para tornar EUA ‘grande novamente’, mas o resultado foi o aumento dos preços no mercado interno, o bloqueio do investimento em manufatura e a interrupção das cadeias de suprimentos globais”, disse Li Zhi, da Universidade de Tsinghua. “A guerra comercial lançada por Washington provou ser de pouca utilidade para ajudá-lo a reduzir o déficit. Precisamos aprender a competir e cooperar com mais elegância.”
Muitas das principais economias, incluindo a UE, criticaram as chamadas tarifas recíprocas dos EUA. A Comissão Europeia disse em um comunicado na semana passada que vê a política comercial “recíproca” proposta por Trump como um passo na direção errada. “A UE continua comprometida com um sistema de comércio global aberto e previsível que beneficie todos os parceiros.”
ATOLEIRO
Mesmo nos EUA, a alta abusiva de tarifas, implementada por Trump, é alvo de contestações. O professor de economia da Brown University, Sebnem Kalemli-Ozcan, lembrou que no seu primeiro mandato Trump impôs uma tarifa de 50% sobre as importações de máquinas de lavar em 2018.
Como resultado direto, o preço das máquinas de lavar aumentou cerca de 12%, e os consumidores dos EUA pagaram cerca de US$ 1,5 bilhão a mais por ano no total por esses produtos, segundo pesquisadores da Universidade de Chicago.
A fabricante de computadores Acer disse que o preço de seus laptops aumentará 10% no próximo mês devido às tarifas dos EUA. “As tarifas também podem levar à valorização do dólar, o que significa que será difícil para os exportadores dos EUA venderem seus produtos para outros países, mesmo na ausência de qualquer retaliação de qualquer país ao qual imponha tarifas”, acrescentou Kalemli-Ozcan.
Jeffrey Sachs, diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia, disse que existe uma lógica multifacetada por trás da agressiva política comercial dos EUA, citando razões como a tentativa de enfraquecer a China, pressionando pelo cumprimento das demandas da política externa dos EUA e por aumentar as exportações dos EUA.
“Mas a estratégia de Trump está fadada ao fracasso”, disse Sachs. “A China diversificará seu comércio para o resto do mundo, enquanto os EUA perderão cada vez mais a competitividade de suas próprias exportações em terceiros mercados.”