No que o portal Zero Hedge descreveu como “a reversão mais rápida do ‘TACO’ [Trump Always Chicken Out – Trump sempre amarela] até agora”, o presidente dos EUA foi à sua rede Truth Social no domingo (12) dirigir-se ao “altamente respeitado presidente Xi”, menos de 48 horas depois de ameaçar a China com “tarifas de 100%” e coisas piores, acusar Pequim de “postura extremamente hostil” e insinuar que não se reuniria mais com o presidente chinês na cúpula da APEC na Coreia do Sul ainda este mês.
Antes, também no domingo, o Ministério do Comércio da China manifestou-se em um comunicado publicado online: “Não queremos uma guerra tarifária, mas não temos medo de uma.”
“Recorrer frequentemente à ameaça de altas tarifas não é a maneira correta de se dar bem com a China”, disse o órgão em seu post, que foi apresentado como uma série de respostas de um porta-voz a quatro perguntas de meios de comunicação.
“Se o lado dos EUA insistir obstinadamente em sua prática, a China certamente tomará resolutamente as medidas correspondentes para salvaguardar seus direitos e interesses legítimos”.
EXPORTAÇÃO DE TERRAS RARAS SÓ COM LICENÇAS ESSENCIAIS
Na quinta-feira, a China anunciou um conjunto abrangente de controles sobre a exportação de terras raras, grupo de 17 minerais essenciais para a produção de chips, veículos elétricos, equipamentos militares e tecnologia de ponta, assim como das tecnologias associadas.
As novas regras ampliam o escopo de produtos sujeitos a licenças especiais, incluindo compostos refinados de neodímio, disprósio e térbio — elementos usados em motores de precisão, lasers, radares e sistemas de comunicação militar. Empresas estrangeiras que desejem importar esses materiais deverão apresentar documentação detalhada sobre o uso final, destino e parceiros envolvidos.
Essas medidas representam uma versão chinesa da regra de produtos estrangeiros diretos dos EUA, usada por Washington para restringir exportações de semicondutores à China.
A decisão também está alinhada ao plano de transição ecológica e de fortalecimento da manufatura avançada, em que a China busca agregar valor à produção de alta tecnologia dentro de seu próprio território.
93% DOS IMÃS DE TERRAS RARAS
A China responde por quase 70% da mineração mundial de terras raras, 90% do processamento e 93% da fabricação de ímãs de terras raras. O novo regime de licenciamento cobrirá ímãs estrangeiros e semicondutores que contenham ao menos 0,1% de terras raras pesadas de origem chinesa.
As regras entrarão em vigor gradualmente a partir de 1º de dezembro. Exportações para usuários militares serão majoritariamente negadas, enquanto fabricantes de semicondutores terão seus pedidos avaliados caso a caso.
O comunicado registrou que na terça-feira entram em vigor as novas taxas portuárias dos EUA sobre navios chineses. Em resposta, a China irá impor taxas portuárias aos navios norte-americanos.
O post disse ainda que Washington introduziu nas últimas semanas várias novas restrições, incluindo a expansão do número de empresas chinesas sujeitas aos controles de exportação dos EUA. Uma das respostas da China foi abrir uma investigação antimonopolista sobre a Qualcomm.
As exportações de tecnologias e seus transportadores relacionados à mineração, fundição e separação de terras raras, bem como fundição de metais, fabricação de materiais magnéticos e reciclagem e utilização de terras raras de fontes secundárias, não serão permitidas sem aprovação, afirmou o Ministério do Comércio em um comunicado à imprensa.
A pasta também observou que as exportações de tecnologias para montagem, depuração, manutenção, reparo e atualização de linhas de produção para mineração, fundição e separação de terras raras, fundição de metais, fabricação de materiais magnéticos e reciclagem e utilização de terras raras de fontes secundárias não serão permitidas sem aprovação.
A China também exige que organizações e indivíduos do exterior obtenham uma licença de exportação de itens de dupla utilização antes de exportar certos itens relacionados a terras raras para qualquer país ou região fora da China, de acordo com uma declaração separada emitida pelo ministério.
O porta-voz esclareceu que as exportações para fins de assistência humanitária, incluindo atendimento médico de emergência, resposta a emergências de saúde pública e socorro em desastres, estarão isentas da exigência de licenciamento.
VOOS SOBRE A RÚSSIA
Na trocação entre Washington e Pequim na sexta-feira, não faltou sequer a resposta chinesa à exigência, de Trump, de que a China suspendesse seus voos para os EUA via Rússia. Como Washington, sob Biden, proibiu os voos russos nos EUA, o que Trump manteve, e em de forma espelhada Moscou proibiu os voos norte-americanos, a rota via Rússia é muito mais econômica.
“Em vez de punir outros países e passageiros ao redor do mundo, talvez seja hora de os Estados Unidos examinarem com mais atenção sua própria política e o impacto que ela tem sobre as empresas americanas”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exeriores da China, Guo Jiakun.
Observe-se que recentemente, partiu de Washington a descabida exigência, já rechaçada pela China, de que parasse de comprar petróleo russo.
DESASSOSSEGO EM WALL STREET
Enquanto o embate foi recebido com serenidade em Pequim, no outro lado do oceano as coisas não ficaram tão tranqüilas: as bolsas tiveram um preocupante sobressalto na sexta-feira, com o principal índice da alta tecnologia, o Nasdaq, despencando 3,5%, enquanto nas altas rodas nos EUA não se fala noutra coisa senão se a AI virou ou não uma bolha descomunal, prestes a estourar. O índice S&P 500, pontificado pelas Big Techs gigantes, caiu 2,7%, seu pior dia em cerca de seis meses após a ameaça tarifária de Trump de abril.
Segundo as más línguas, a declaração meia trava de Trump em pleno domingo teve como objetivo também evitar que o derretimento na bolsa prosseguisse nesta segunda-feira.
Daí o tom mudado: “Não se preocupe com a China, Vai ficar tudo bem! O altamente respeitado presidente Xi acabou de passar por um momento ruim. Ele não quer a Depressão para seu país, e nem eu. Os EUA querem ajudar a China, não prejudicá-la!!”, se virou Trump.
A “mensagem” anterior de Trump foi considerada por analistas como bem “raivosa”:
“Algumas coisas muito estranhas estão acontecendo na China! Eles estão se tornando muito hostis e enviando cartas a países em todo o mundo, que querem impor controles de exportação em todo e qualquer elemento de produção relacionado a terras raras e praticamente qualquer outra coisa que possam imaginar, mesmo que não seja fabricado na China.
Não há como permitir que a China mantenha o mundo ‘cativo’, mas esse parece ter sido o plano deles há algum tempo, começando com os ‘ímãs’ e outros elementos que eles silenciosamente acumularam em uma posição de monopólio, um movimento bastante sinistro e hostil, para dizer o mínimo.
Mas os EUA também têm posições de monopólio, muito mais fortes e de maior alcance do que as da China. Eu simplesmente não escolhi usá-los, nunca houve uma razão para eu fazê-lo – ATÉ AGORA! A carta que eles enviaram tem muitas páginas e detalha, com grande especificidade, cada elemento que eles querem reter de outras nações. Coisas que eram rotineiras não são mais rotineiras.
Eu deveria me encontrar com o presidente Xi em duas semanas, na APEC, na Coréia do Sul, mas agora parece não haver razão para fazê-lo.
Para cada elemento que eles conseguiram monopolizar, temos dois. Nunca pensei que chegaria a isso, mas talvez, como em todas as coisas, tenha chegado a hora.
Uma das políticas que estamos calculando neste momento é um aumento maciço das tarifas sobre os produtos chineses que entram nos Estados Unidos da América. Existem muitas outras contramedidas que estão, da mesma forma, sob séria consideração. Obrigado por sua atenção a este assunto!”
Em abril, foi a postura firme e serena do governo chinês que acabou forçando o regime Trump a recuar em sua fúria tarifária, que levara a, respectivamente, sobretarifas de 125% e 145%, para mais razoáveis 10% e 30%, acordo que irá expirar em novembro.
Uma entrevista com o vice JD Vance na manhã de domingo, na Fox News, preparara o terreno para a meia-volta, volver, de Trump. Ele pediu a Pequim que “escolha o caminho da razão” no mais recente episódio da guerra tarifária desencadeada por Trump, alegando que este tem mais influência, mas está “disposto a ser um negociador razoável com a China”.
EDITORIAL DO GLOBAL TIMES
Em editorial, o Global Times, jornal chinês em língua inglesa dedicado às questões internacionais, enfatizou que “somente mantendo os compromissos é que os laços econômicos e comerciais China-EUA podem ser estabilizados”.
“Visto de um período de tempo mais longo, são os EUA que têm usado persistentemente tarifas e controles de exportação para interferir e minar a ordem comercial normal entre a China e os EUA, bem como a atmosfera de negociações econômicas e comerciais bilaterais, prejudicando seriamente os interesses da China.”
O GT assinalou que desde as negociações econômicas e comerciais China-EUA em Madri em setembro, os EUA, em apenas 20 dias, introduziram uma série de novas medidas restritivas contra a China.
“As ações unilaterais dos EUA desferiram um duro golpe na confiança do mercado global, levantando preocupações de que as duas maiores economias do mundo possam mais uma vez entrar em uma guerra comercial.”
“Se os EUA alegarem buscar o diálogo e, ao mesmo tempo, intensificarem medidas unilaterais e recorrerem a ‘justificativas fabricadas’ e ‘bullying comercial’, isso apenas aprofundará o déficit de confiança. A China sempre defendeu a resolução de diferenças por meio de consultas iguais, mas nunca aceitará qualquer forma de coerção.”
Antes do anúncio das medidas, a China já havia notificado os países e regiões relevantes por meio de mecanismos bilaterais de diálogo de controle de exportação. Presume-se que os produtos destinados ao uso militar não são elegíveis para licenças, enquanto os bens civis não estão sujeitos a essa restrição, acrescentou a publicação.
“Em contraste, os EUA há muito estenderam demais o conceito de ‘segurança nacional’, usaram indevidamente os controles de exportação, adotaram práticas discriminatórias em relação à China e impuseram medidas de jurisdição de braço longo a uma ampla gama de produtos, incluindo equipamentos e chips semicondutores. No entanto, criticou hipocritamente as medidas regulatórias normais da China – um claro ‘padrão duplo’ dos EUA.”
“A lei de ferro das relações China-EUA é que ambos os países têm a ganhar com a cooperação e a perder com o confronto é a”, sublinhou o GT, acrescentando que “qualquer tentativa de pressionar ou conter o desenvolvimento da China está fadada ao fracasso.”
“Se os EUA continuarem a buscar medidas unilaterais guiadas por uma mentalidade de soma zero, isso apenas interromperá ainda mais as cadeias de suprimentos globais, prejudicando outros sem se beneficiar.”
Com as relações econômicas e comerciais China-EUA “mais uma vez em uma encruzilhada”, a publicação concluiu destacando que uma relação econômica e comercial verdadeiramente saudável e estável deve ser construída “com base no respeito mútuo, na justiça e na reciprocidade, e não no uso imprudente de tarifas que minam as regras estabelecidas.”