A acintosa decisão da Casa Branca de decretar sanções contra o ministro das Relações Exteriores do Irã, o ponderado e respeitado diplomata Mohammad Zavad Zarif, foi repudiada pela China, União Europeia e Rússia.
Essas sanções contra Zarif foram classificadas pelo presidente do Irã, Hassan Rouhani, de “comportamento infantil” e prova de que Washington “perdeu o poder do pensamento racional”.
Além de serem, por si só, uma negação da diplomacia e do direito internacional, no mesmo momento em que os EUA tentam montar uma força naval de intervenção no Golfo Pérsico, à margem da ONU.
Pelo Twitter, o próprio Zarif esclareceu que as sanções não teriam qualquer efeito sobre ele ou sua família, já que “não têm propriedades ou interesses fora do Irã”.
CONDECORAÇÃO
“A razão pela qual os Estados Unidos me incluíram [na lista de sanções] é que eu sou o principal representante do Irã no mundo … Obrigado por me considerar uma ameaça tamanha à sua agenda”, postou Zarif em comunicado. “A verdade realmente dói tanto?”, acrescentou.
Em Bruxelas, porta-voz da Comissão Europeia afirmou que os europeus “continuarão a trabalhar com o senhor Zarif como o diplomata mais sênior do Irã, e tendo em vista a importância de manter os canais diplomáticos”. Carlos Martin Ruiz de Gordejuela acrescentou que a União Europeia “lamentava a decisão” de Washington.
No mesmo sentido, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, também criticou a decisão de Washington, dizendo que Pequim “tomara nota” da declaração dos EUA e da reação de Zarif. “A posição do lado chinês sobre esta questão é muito clara. A China se opõe a ações unilaterais dos EUA … Achamos que isso não facilita a solução do problema”, acrescentou.
Hua enfatizou, ainda, que “a negociação e o diálogo” são as melhores maneiras de solucionar a questão.
“Os EUA afirmaram repetidamente que estão prontos para negociar com o Irã sem precondições. Esperamos que as ações dos Estados Unidos não se desviem de suas declarações”, assinalou.
FEINSTEIN: “SANÇÕES ERRÔNEAS”
Dentro dos EUA, também a veterana senadora democrata Diana Feinstein, principal nome do partido no Comitê de Inteligência do Senado, rechaçou as sanções contra Zarif, medida que chamou de “errônea” e que “agrava mais a já tensa situação”.
Por sua vez o presidente da entidade que congrega os iranianos radicados nos EUA, Jamal Abdi, do Conselho Nacional Iraniano-Americano (NIAC), afirmou em comunicado que “se Trump levasse a sério negociações com o Irã, ele nomearia um enviado confiável e o direcionaria a negociar com diplomatas iranianos” em vez de submetê-los a “sanções ridículas”.
Abdi reiterou que Trump não pode, “simultaneamente”, manter a opção de “negociações confiáveis” – como andou alegando – e de “implementar o caminho para a guerra tramada por John Bolton”.
As medidas de Trump significam que “não haverá negociações sérias com o Irã durante seu mandato”, advertiu o dirigente. “Mais uma vez, sem uma linha clara para diminuir as tensões, a próxima crise que os EUA ou o Irã precipitarem arrisca mais uma vez a guerra”, disse Abdi.
Como assinalou um analista, o jogo de morde e assopra inclui Trump de vez em quando parar de rosnar e tirar uma onda de bonzinho – como quando piscou primeiro há duas semanas -, enquanto o malvado Mike Pompeo, atual secretário de Estado, ex-diretor da CIA e ex-chefe da tropa de choque do Tea Party, profere despautérios como o de que o principal líder religioso e estatal do Irã, aiatolá Ali Khamenei, “enriqueceu às custas do povo iraniano”.
ZAKHAROVA: EUA EM BUSCA DE PRETEXTO
Na semana passada, a porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova, alertou que a impressão que fica é que “Washington está apenas procurando um pretexto para intensificar as tensões e prosseguir com sua retórica agressiva contra o Irã, para uma fase mais ativa do conflito”. Ela denunciou que os eventos na região estão “realmente se movendo para um ponto perigoso e há riscos de um confronto militar em larga escala”.
“Estamos preocupados com o significativo aumento do potencial de conflito na região do Golfo Pérsico. A situação parece estar se aproximando da linha vermelha”, salientou Zakharova.
A Rússia propôs que todos os países do Golfo Pérsico se envolvam em um processo amplo de negociação e estabilização, para deter os riscos de guerra.
FOI TRUMP QUE RASGOU ACORDO
A situação no Golfo Pérsico, que era de estabilização após o histórico acordo com o Irã de 2015, assinado pelo antecessor de Trump, Obama, e mais a França, Alemanha, Inglaterra, União Europeia, Rússia e China, foi insanamente rasgado por Trump.
O acordo, como atestou a agência de energia nuclear da ONU (AIEA), vinha sendo estritamente cumprido por Teerã, apesar de ter o mais rigoroso processo de fiscalização já aplicado a um país e limitações rígidas de seu programa nuclear.
Em troca, o Irã e seu povo se beneficiavam com o fim das sanções então existentes e a normalização das relações e comércio entre as partes. Nenhum dos demais signatários acompanhou Trump na usurpação do acordo endossado pelo Conselho de Segurança.
Em violação à lei internacional, Trump ameaça quem comerciar com o Irã de, igualmente, sofrer pesadas sanções, como se uma lei americana valesse no mundo todo.
A meta dele é o “zero de exportação de petróleo iraniano” – o que, de acordo com a jurisprudência de Nuremberg, caracteriza uma punição ilegal e coletiva, a um povo inteiro, que quer matar de fome ou humilhar até à submissão.
Ao mesmo tempo em que tenta impor exigências que não faziam parte do acordo de 2015, como proibir mísseis iranianos, o regime Trump entope países clientes na região com mísseis de fabricação norte-americana e toneladas e mais toneladas de armamentos no valor de muitos bilhões de dólares.
Em recente manifestação, o presidente iraniano afirmou que “há 14 meses, a maior potência econômica e militar do mundo impõe as mais severas sanções contra o povo iraniano – sanções que poderiam derrubar qualquer outra nação”. Ele saudou o povo “heroico, vigilante e firme” do Irã, que suportou essa pressão que tenta colocar o Irã de joelhos e assaltar seu petróleo. “Seja como for que os americanos prossigam, seja [no plano] social, político ou legal, tudo que fizerem irá fracassar”, completou Rouhani.
Em paralelo à agressão ao Irã e à cumplicidade no genocídio desencadeado por sauditas no vizinho Iêmen, o regime Trump também tenta matar de vez a solução dos “Dois Estados” na Terra Santa, para que prevaleça – por mais algum tempo – o famigerado apartheid de que Netanyahu se tornou o execrado símbolo.
A.P.