CARLOS LOPES
(HP 19/09/2003)
Entre os documentos da CIA que foram desclassificados – deixaram de ser secretos por via de lei – há um que resume o papel da operação encoberta “PBSucess” (ver nossa edição do último dia 12) na Guatemala, em 1954: “o aparente triunfo na Guatemala, a despeito de uma grande série de fracassos tanto no planejamento quanto na execução, fez da PBSucess um perfeito modelo para outras operações” (“Operation PBSUCCESS: The United States and Guatemala, 1952- 1954”, pref., pág. IV).
SABOTAGEM A ÁRBENZ
Esse documento é posterior ao terrorismo, atentados, assassinatos e sabotagem ao governo democrático do presidente Árbenz para instalar no lugar um fantoche criminoso. Nele, é claro que a “perfeição” do “modelo”, isto é, a sua base, é o assassinato, a execução de crimes sórdidos, depois perpetrados, de acordo com o seu “modelo”, pelos terroristas ianques no mundo todo – nos 54 golpes de Estado que a CIA tramou, a que se referem os documentos publicados até agora, em que a primeira providência (ou, sempre, uma das primeiras), foi elaborar uma lista de gente a ser executada antes e depois do golpe. Na Guatemala, a primeira lista tinha 58 nomes – depois, foram empanzinadas por nome atrás de nome, e não se sabe o número pessoas, e nem de listas, muitas ainda não desclassificadas. O certo é que milhares foram trucidados no país.
No arquivo referente ao treinamento para a “operação” da Guatemala, há um manual, a “Teoria e prática do assassinato”, tradução o mais exata possível de seu conteúdo e de sua forma. O título em inglês é “A study of assassination”.
“VANTAGENS POSITIVAS”
Trata-se de um asqueroso, vomitivo e mórbido papel, onde um psicopata, um imbecil metido a besta, um idiota, um animal, um porco, discorre sobre a “necessidade” de assassinar pessoas “cuja morte fornece vantagens positivas” (pág. 1). É, ao que tudo indica, o original dos vários manuais de assassinato da CIA, alguns (por exemplo, o feito para a Nicarágua) já desclassificados da categoria de “secreto”.
Depois de fazer uma alucinada apologia do assassinato, a CIA entra em detalhes minuciosos – e repulsivos – sobre como “empregar essa técnica” (pág. 1). Mas “deve ser assumido [publicamente] que ela nunca será ordenada ou autorizada por algum dos quartéis-generais dos EUA [isto é, por uma das suas agências de terrorismo] embora eles tenham concordado com sua execução por membros de um serviço estrangeiro associado. Nenhuma das instruções de assassinato deve, jamais, ser escrita ou registrada. Nenhum relatório deve ser feito, mas, usualmente, que o ato seja adequadamente encoberto pelos serviços regulares de notícias, cuja produção de informações está disponível para tudo o que diz respeito a isso”.
Ou seja, o que já saiu dos arquivos da CIA, escandaloso e criminoso, é apenas uma parte ínfima do que foi perpetrado. Muito mais foi cometido sem ter sido “escrito ou registrado”.
O cinismo de “assumir” que o assassinato “nunca será ordenado ou autorizado pelos quartéis-generais dos EUA”, e de atribuí-los a “um serviço estrangeiro associado”, é só uma amostra do que vem depois: “O assassinato não é moralmente justificável”, diz a CIA. Disso se conclui, logo em seguida, segundo a CIA, que não se pode passar sem assassinar, ou seja, que o assassinato é uma necessidade: “O assassinato de um líder político cuja florescente carreira é um claro e presente perigo para a causa da liberdade pode ser considerado necessário. Mas o assassinato raramente pode ser aplicado com uma consciência limpa. Pessoas que são moralmente melindrosas não devem tentar empreendê-lo”. Em suma, sem moral, sem melindres (ou seja, escrúpulos), e sem caráter, é assim que eles assassinam pela “causa da liberdade”, aquela cujos campeões são os Somozas, Papa Docs, Trujillos, Batistas, Suhartos, Pinochets, Pahlevs e outros bandidos sanguinários que a CIA – tendo como mandantes Bush, que até diretor dela foi, Nixon, Kissinger, Rockefeller, Dulles e outras aberrações – botou no poder contra o povo, e massacrando milhares, aliás, milhões (somente no golpe na Indonésia morreram um milhão).
“As técnicas aplicadas variarão de acordo com: se a vítima não tem consciência do perigo que corre, se ela tem essa consciência mas está sem proteção, ou se está protegida. Elas também serão afetadas se, ou não, o assassino é para ser morto em seguida à vítima”. Mais adiante são apresentados os exemplos dessa variedade de “técnicas”. Por exemplo, quanto às drogas, ou seja, o envenenamento: “Se o assassino é treinado como um médico ou enfermeira, e o alvo está sob cuidados médicos, esse é um fácil e precioso método. Uma overdose de morfina administrada como um sedativo causará morte sem inquietação e é difícil de detectar”. (grifo nosso)
Mas, antes disso, vem uma detalhada classificação dos assassinatos, uma sanguinolenta e psicopática taxionomia do assassinato: “Os assassinatos nos quais a vítima não tem consciência [do perigo que corre] serão denominados ‘simples’; aqueles onde a vítima está consciente, mas sem proteção, serão denominados ‘caçada’; aqueles onde a vítima está protegida, serão denominados ‘protegidos’. Se é para que o assassino morra com a vítima, o ato será chamado ‘perdido’. Se é para que o assassino escape, o adjetivo será ‘seguro’. Deve ser observado que nenhum compromisso deve existir aqui. O assassino não deve cair vivo nas mãos do inimigo. Um adicional tipo de divisão é causado pela necessidade de esconder o fato de que o alvo foi vítima de um assassinato. De forma que, se o encobrimento é desejável, a operação será chamada ‘secreta’; se o encobrimento é secundário, o ato será chamado ‘aberto’; enquanto que, se o assassinato requer publicidade para ser efetivo, ele será denominado ‘terrorístico’ “.
O próximo capítulo desse esgoto fétido é sobre os vários tipos de assassinos necessários à liberdade da canalha ianque. Por exemplo: “Nos assassinatos perdidos, o assassino deve ser um fanático de algum tipo. Uma vez que um fanático é instável psicologicamente, ele deve ser manipulado com extremo cuidado. Não deve saber as identidades dos outros, pois apesar da intenção de que ele morra durante o ato, algo pode sair errado”.
Os bandos de marginais e traidores que a CIA contrata devem ameaçar de assassinato as “altas autoridades” do país que sabotam e “uma vez que uma ameaça não tem nenhum valor a menos que possa ser levada a cabo, então é necessário planejar o assassinato de várias autoridades responsáveis”.
Existem várias “técnicas”, mas “o ponto essencial do assassinato é a morte do alvo. Um ser humano pode ser morto de muitas maneiras mas a certeza [de que morra] é frequentemente negligenciada por aqueles que são emocionalmente insensíveis para a seriedade desse ato que tentam perpetrar. A técnica específica empregada dependerá de um amplo número de variáveis, mas deve ser constante em um ponto: a morte deve ser absolutamente certa. O atentado a Hitler falhou porque a conspiração não deu a esta matéria a atenção que lhe é devida”.
O manual enumera, por fim, e longamente, as variadas “técnicas” de assassinar, sintetizando a proficiência da CIA na “matéria”:
“1. Manual. É possível matar um homem com as mãos nuas, mas muito poucos são hábeis o bastante para fazê-lo bem. Apesar disso, a mais simples ferramenta é frequentemente o mais eficiente meio de assassinato. Um martelo, eixo, chave-inglesa, chave de fenda, atiçador de fogo, faca de cozinha, bocal de lâmpada, ou qualquer coisa dura, pesada e manejável será suficiente. Uma corda comprida, ou fio, ou cinto, também, se o assassino é forte e ágil. Todas as armas improvisadas de tal maneira têm a importante vantagem da disponibilidade e aparência inocente”.
“2. Acidentes. Para o assassinato secreto, seja simples ou caçada, o acidente forjado é a mais efetiva técnica. Quando executado com sucesso ele causa pequena excitação, e apenas casualmente ele é investigado. O mais eficiente acidente, no assassinato simples, é a queda de 75 pés [22,86 m], ou mais, numa superfície dura. Poços de elevador, corrimãos de escada, janelas sem grade e pontes servirão. Quedas de pontes para dentro d’água não são confiáveis. Em casos simples, um encontro privado com o alvo deve ser arranjado, numa locação com cobertura adequada. O ato deve ser executado de súbito, com vigor [trecho cortado] dos tornozelos, tombando o alvo por cima do parapeito. Se o assassino imediatamente soltar um grito, encenando o papel da “horrorizada testemunha”, nenhum álibi ou retirada sub-reptícia é necessário. Nos casos de caçada, usualmente será necessário atordoar ou drogar o alvo antes de abatê-lo. É requerido cuidado para garantir que nenhum ferimento ou condição não atribuível à queda é discernível depois da morte. Quedas no mar ou em rios caudalosos podem ser suficientes, se o alvo não pode nadar. Será mais confiável se o assassino puder arranjar uma tentativa de resgate, de tal forma que ele possa, então, estar seguro da morte do alvo e, ao mesmo tempo, estabelecer um utilizável álibi. Acidentes de automóvel são um meio menos satisfatório de assassinato”, etc., etc., etc., etc.