Diferente do “profissionalismo” de Guedes & Cia, os ladrões de joias pés-de-chinelo, mais próximos ao ‘mito”, deixaram rastros que comprometeram o chefe
A frase do tenente-coronel Mauro Cid para seu outro cúmplice, Fábio Wajngarten, então secretário de Comunicação de Bolsonaro, de que “pior é que está tudo documentado”, mostra bem que os fascistas que se infiltraram no governo pelas mãos de Bolsonaro achavam que podiam roubar à vontade porque ficariam impunes. Isto porque, ficando no poder, eles poderiam encobrir tudo. Não foi à toa que cometeram todo tipo de crimes, ilegalidades e até golpe para que o “chefe” permanecesse no palácio.
Mauro Cid para Fábio Wajngarten: “Pior é que está tudo documentado”
Ao ouvir a mensagem de Cid, Wajngarten percebeu o tamanho da encrenca e questionou: “Documentado como? explique-me por favor”. Cid enviou uma série de mensagens, mas apagou-as e não foi possível saber o que ele disse. No entanto, enviou também um áudio afirmando: “O presidente só ficou sabendo no final do ano, quando o chefe da Receita [Federal] avisou que tinha um bem presenteado para ele que tava ali. Então foi só bem no final do ano que ele ficou sabendo. Não sei dizer a data. Tanto que, em 2022, ninguém tocou nisso aí. Por isso, que entrou para leilão porque ficou mais de um ano”.
Fábio Wajngarten responde a Mauro Cid: “Documentado como? explique-me por favor”
Um outro áudio obtido pelo jornal Estadão revela mais uma conversa comprometedora entre Cid e Wajngarten, desta vez em 13 de março. 10 dias depois da revelação do primeiro estojo de joias, o ex-ajudante de ordens disse ao advogado que nem sabia que ele “estava no circuito”, mas que se não fosse por ele “nessa guerra toda, o negócio estaria muito mais enrolado”.
Em outra conversa entre os dois, em 15 de março, a PF viu possível ligação de Wajngarten com a recompra do Rolex vendido em Miami. Na ocasião, Cid diz que “parece que vão cassar a decisão do Augusto Nardi [sic]”. O ministro Augusto Nardes, do TCU, havia colocado Bolsonaro como fiel depositário das joias durante o decorrer da investigação. Wajngarten responde: “Vão mesmo. Por isso era muito melhor agente [sic] se antecipar”.
A ideia de “antecipar”, para a PF, resultou na operação que levou o advogado de Bolsonaro Frederick Wassef a ir aos Estados Unidos recomprar o Rolex, que foi entregue ao TCU na sequência. Quem vendeu o relógio nos Estados Unidos foi o general Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid.
O caso aconteceu quando veio à público a primeira denúncia do roubo de joias. Mauro enviou a reportagem para o então secretário de Comunicação Fábio Wajngarten ainda no dia da publicação, 3 de março. O texto apontava que joias então estimadas em R$16,5 milhões teriam sido apreendidas no aeroporto de Guarulhos em outubro de 2021, na mochila de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
Assim que Wajngarten recebeu a reportagem, ele respondeu a Mauro Cid: “Eu nunca vi tanta gente ignorante na minha vida”. O diálogo não deixa claro a quem o advogado se refere, mas Cid logo responde: “Difícil mesmo. O pior é que está tudo documentado”. O governo Bolsonaro tentou por oito vezes reaver esses itens, sem sucesso, mas com grande atuação de Cid e uma última tentativa logo antes de o ex-presidente viajar aos Estados Unidos em dezembro de 2022.
É certo que os crimes maiores contra o país estavam sendo cometidos pelo ladrões profissionais que cercavam o capo Paulo Guedes. Ali, grandes negociatas eram feitas com o patrimônio público e bilhões de reais eram embolsados pela quadrilha neoliberal bolsonarista. Não por acaso, Guedes tinha contas no exterior, onde desovava o dinheiro roubado.
A turma mais chegada a Bolsonaro e sua família era aquela acostumada com as rachadinhas e outros tipos de desvios do erário. Afinal, como disse Ciro Gomes, Bolsonaro, além dos funcionários fantasmas, roubava até no vale-gasolina da Câmara dos Deputados. E seus filhos ficaram famosos agindo no mesmo ramo da contravenção. Ou seja, roubar joias recebidas pelo governo para ficar com a grana é um tipo de crime realizado pelo baixo clero, ou como são conhecidos no meio da malandragem como quadrilha “pé-de-chinelo”.
O episódio era só a ponta do iceberg da roubalheira. Eram vários os presentes recebidos pela Presidência em viagens internacionais que foram apropriados indevidamente para revenda e desvio do dinheiro. No início de agosto, a Polícia Federal deflagrou a operação Lucas 12:2 para investigar um grupo de aliados do ex-presidente que teriam vendido joias e outros objetos de valor. Tanto Cid quanto Fábio Wajngarten acabaram envolvidos na investigação. Ambos foram intimados a depor na PF na última quinta, 31, ao mesmo tempo em que Jair Bolsonaro, Michelle e mais quatro pessoas.