
Luciano Hang e Meyer Nigri queriam relatório “mais duro” para desacreditar eleição e “virar o jogo”. Pazuello teria sugerido ruptura com interpretação falsa do artigo 142 da Constituição Federal
Como parte do acordo de colaboraçao premiada homologada na PF (Polícia Federal), o ex-ajudante de ordens do inelegível Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, apontou a participação de empresários e do deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) em plano golpista para evitar a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Conforme Paulo Cappelli no portal Metrópole, o tenente-coronel relatou à PF, que em novembro de 2022, os bolsonaristas Luciano Hang, dono da Havan, e Meyer Nigri, fundador da Tecnisa, pressionaram Bolsonaro a pedir que o Ministério da Defesa produzisse relatório “mais duro”, a fim de apontar irregularidades no processo eleitoral, com o objetivo de “virar o jogo”.
Segundo a revista Veja, Cid afirmou também que Pazuello integrou grupo de golpistas que defendeu golpe de Estado.
Em mensagens encontradas no celular do ex-ajudante de ordens, ele relata ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, que Bolsonaro desistira de “qualquer ação mais contundente”, mas que teria mudado de ideia após conversas com bolsonaristas.
“TOCAR O ARTIGO 142”
Segundo o ex-ajudante de ordens, Pazuello conversou com o ex-presidente para “dar sugestões e ideias de como ele poderia, de alguma forma, tocar o artigo 142”.
“O diálogo já demonstra uma atuação do deputado federal Eduardo Pazuello no sentido de propor uma ruptura constitucional, com fundamento em uma interpretação anômala do artigo 142 da Constituição”, acrescentou a PF.
“Nesse sentido, o colaborador Mauro Cid afirmou, em acordo de colaboração, que o general Pazuello integraria o grupo de radicais que queriam reverter o resultado das eleições”, revela a PF.
FETICHE GOLPISTA
O artigo 142 da Constituição diz textualmente: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
A extrema-direita, sob a liderança do ex-presidente inelegível se apropriou, de modo canhestro, de interpretação que as Forças Armadas seriam espécie de “poder moderador”, que em momento de crise aguda “teria o dever” de intervir no comando do Estado para a superação dessa crise, por incompetência do chamado poder civil.
Não se trata apenas de interpretação equivocada sobre o artigo 142. Se trata de visão deturpada da democracia e do Estado de Direito.
Reparem que não há, em nenhum trecho do artigo constitucional, dispositivo pelo qual as Forças Armadas são “poder” e muito menos “moderador”.
PODER IMPERIAL
O chamado Poder Moderador, que não era democrático, ao contrário, foi instituído no Brasil Império, pela Constituição brasileira de 1824. Esse poder, não fora inicialmente contemplado pelo projeto de Constituição elaborado pela Assembleia Constituinte, em 1823, sendo adicionado à Carta definitiva posteriormente.
Segundo o arquivo nacional, do governo federal, na Memória da Administração Pública Brasileira, no exercício do Poder Moderador, “o imperador tinha a prerrogativa de nomear os senadores, convocar extraordinariamente a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, sancionar decretos e resoluções da Assembleia Geral, aprovar e suspender interinamente as resoluções dos conselhos provinciais, prorrogar ou adiar a Assembleia Geral, dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir livremente os ministros de Estado, suspender os magistrados nos casos previstos, perdoar e moderar as penas impostas e os réus condenados por sentença e conceder anistia. (BRASIL. Constituição (1824), art. 101).”
Imaginem, se é isto que dita o artigo 142 da Constituição? Ainda mais sob a liderança de figura como a do ex-presidente Jair Bolsonaro, um “filhote” ou “viúva da ditadura”.
M.V.