“Estamos já na fase final de estudos para desenvolvimentos de vacina para a dengue, para a zika, por exemplo. Isso tudo está comprometido”, disse Mario Neto Borges, presidente do CNPq
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) emitiu um alerta para o risco do corte das bolsas de estudos para 2019. A carta aberta à sociedade denuncia o corte de cerca de 33% ou R$ 400 milhões do orçamento do CNPq, o que limitará o lançamento de editais e contratações de novos projetos.
O alerta foi realizado após a própria Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), condenar o arrocho orçamentário para a área de Ciência e Tecnologia realizado por Temer. “Cada real que se destina à pesquisa científica e cada minuto que se permite à inteligência e criatividade brasileiras exercitarem a busca por soluções, nos mais diferentes campos, vão sempre render frutos e benefícios para o país”, lembra ele no documento, intitulado “A ciência brasileira está em risco”.
“A história comprova isso: nações que se desenvolveram efetivamente, que deram salto em busca de se tornarem mais prósperas e justas, valeram-se intensamente dos benefícios proporcionados pela pesquisa científica”, afirma o professor Mario Neto Borges, presidente do CNPq.
O órgão paga atualmente cerca de 80 mil bolsistas, em sua maioria jovens pesquisadores que formam a base da pirâmide de ciência e tecnologia no Brasil. Com os cortes, avanços nas pesquisas, desenvolvimento tecnológico e social serão amplamente prejudicados.
“Se isso acontecer, vamos ter que cortar pesquisa integralmente e mesmo assim faltarão recursos para o pagamento das bolsas”, afirmou Mário Neto Borges, em entrevista ao Jornal da Ciência, da SBPC.
PROJETOS
Segundo Borges, não será possível realizar o pagamento dos 5 mil projetos aprovados no Edital Universal 2018 (cerca de R$ 150 milhões previstos para o ano que vem) e o pagamento da parcela de 2019 dos 102 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), que reúnem hoje mais de 3 mil pesquisadores. “Se esse corte se concretizar, ele derrubará todos esses projetos no ano que vem”, afirmou.
Com isso, pesquisas importantes na área de saúde, na área de alimentos, em áreas cruciais para a população, serão paralisadas. “Estamos já na fase final de estudos para desenvolvimentos de vacina para a dengue, para a zika, por exemplo. Isso tudo está comprometido”, disse.
Outras ações que serão impactadas incluem projetos de pesquisa em educação, ciências sociais aplicadas, popularização da Ciência, o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD), o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), Programa de Capacitação em Taxonomia (PROTAX) e o Programa Arquipélago e Ilhas Oceânicas.
“Isso compromete a ciência brasileira e, por consequência, o desenvolvimento do País. Cortes em ciência não param o País, eles fazem pior, nos fazem andar para trás. A comunidade tem que nos ajudar a reverter isso”, ressaltou.
FINEP
A Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), que administra as verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), também adverte para a crise eminente. De acordo com o orçamento proposto por Temer, o FNDCT sofrerá um congelamento de 63% de seus recursos.
O FNDCT apoia a compra de equipamentos, prédios, infraestruturas para todos os institutos de ciência e tecnologia do país (ICTs) – centros de pesquisa e universidades públicas e privadas, federais e estaduais, e projetos de pesquisa. Tudo isso será seriamente afetado pelo corte previsto na proposta orçamentária do governo.
O orçamento previsto pelo governo para a Finep é que de uma arrecadação prevista para o FNDCT de R$ 5,6 bilhões, apenas R$ 746 milhões serão destinados para atividades não-reembolsáveis. Para empréstimos destinados a atividades reembolsáveis – créditos a empresas -, a previsão é de R$ 1,4 bilhões. “Isso significa dizer que ficarão retidos o equivalente a R$ 3,5 bilhões da arrecadação do FNDCT”, alerta o presidente da Financiadora, Marcos Cintra.
De acordo com Cintra, apenas para cumprir os compromissos já assumidos para atividades não reembolsáveis, que incluem manutenção, compra de equipamentos, financiamento de projetos de CT&I, apoio às universidades e a todos os institutos de pesquisa, para o próximo ano é R$ 1,6 bilhões.
Mas o orçamento de 2019 proposto pelo governo para a Finep prevê menos da metade disso. “Com isso, a previsão da Finep é, em 2019, fazer apenas um desembolso dos compromissos já assumidos (tradicionalmente a Finep faz 2 desembolsos para projetos aprovados). Isso significa que atenderemos menos da metade do necessário, e o espaço para novas atividades será zero”, afirma Cintra.
“Não teremos condições de lançar novos editais. Esse ano, por exemplo, tivemos editais de compra de equipamentos para laboratórios multiusuários, financiamento a projetos de pesquisa dos ICTs, para o projeto Sirius do CNPEM, o reator Multipropósito, laboratórios para as universidades. Foi lançada também nesse ano a chamada SOS Equipamentos, para a manutenção de aparelhos, projetos de biotérios. Tudo isso é feito com recursos não reembolsáveis, mediante chamadas públicas. Essas chamadas estão 100% inviabilizadas em 2019”. O resultado é o sucateamento de laboratórios.
Além das novas chamadas, Cintra reitera que a Financiadora não terá condições de pagar todos os projetos que já foram aprovados – centenas de projetos em andamento. “Vamos ter que selecionar o que vamos pagar e o que não vamos poder pagar. Metade dos compromissos já assumidos para 2019 não poderão ser pagos. Isso é uma absoluta falta de discernimento do que é estratégico para o País”, desabafou.
TERRA ARRASADA
Na semana passada, a Capes publicou nota alertando sobre a realidade de paralisação nas atividades e pedindo ao governo federal que impeça a redução nas verbas. O corte na verba das bolsas é consequência da proposta orçamentária do governo de Michel Temer para o ano que vem.
Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) já havia demonstrado preocupação com a situação do CNPq e da Capes. “São agências de fomento fundamentais. Essas entidades são fundamentais na infraestrutura em universidades, apoio às empresas tecnológicas e a laboratórios. Não adianta ter bolsa se o laboratório está parado”, afirmou Moreira.
“Os programas de importância estratégica para ciência do país, já prejudicados fortemente pelos cortes orçamentários dos últimos anos, seriam ainda mais afetados pela falta de recursos. Confesso que estou perplexo, é a política de terra atrasada, o orçamento desse ano já é terrível, e agora pode ficar ainda pior”, afirmou o físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
“É um absurdo que as três agências fundamentais de financiamento à ciência e tecnologia no País tenham passado, nos últimos dois anos, por cortes drásticos de recursos. E a previsão para o ano que vem é pior ainda. Esse orçamento proposto será votado no Congresso Nacional. Por isso precisamos fazer uma pressão muito grande para evitar o colapso desse sistema estratégico para o desenvolvimento do Brasil”, declarou o presidente da SBPC.
“A SBPC convoca toda a comunidade científica brasileira para, mais uma vez, e com mais força, se manifestar junto ao Congresso e ao governo nesse momento de definição do orçamento, na tentativa de diminuir o desmonte que se desenha. Não podemos nos render. Se não houver uma mobilização massiva agora, poderá ser tarde demais”, alertou Moreira.
Leia aqui a carta do presidente do CNPq