O secretário-executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTIC), Júlio Francisco Semeghini, admitiu que o remanejamento de R$ 82 milhões do ministério para o financiamento de pesquisas não garante o pagamento de bolsas até o final do ano.
A medida, anunciada na terça-feira (3) pelo ministro Marcos Pontes, é suficiente apenas para pagar o valor das bolsas de pesquisas previsto para setembro, a ser feito em 5 de outubro.
A situação até o fim do ano, porém, ainda não está resolvida, reconheceu Semeghini, que na última quinta-feira (5) representou o ministro em audiência pública no Senado sobre a crise por que passa o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O debate foi promovido em conjunto pelas comissões de Educação (CE), de Ciência e Tecnologia (CCT) e de Fiscalização e Controle (CTFC).
Segundo o representante do governo, o déficit para honrar o pagamento das bolsas de setembro a dezembro era de cerca de R$ 330 milhões. O valor diminuiu graças ao remanejamento de recursos pelo ministério no CNPq, que transferiu os R$ 82 milhões da área de fomento em pesquisas para a área de bolsas.
No entanto, apesar de impedir momentaneamente uma tragédia maior, esse remanejamento recebeu críticas de outros convidados à audiência pública. Para o presidente da Associação dos Servidores do CNPq, Roberto Muniz Barretto de Carvalho, não adianta pagar as bolsas e retirar dinheiro destinado a financiar pesquisas, insumos e laboratórios.
Ele observou que, nos últimos anos, houve uma “drástica” redução de recursos e afirmou que o valor destinado às atividades de fomento à pesquisa no orçamento do CNPq para 2020 é insuficiente para manter as atividades do órgão no patamar atual.
“Essa política não é cega porque eu acho que tem intenção. Essa reestruturação busca desmontar um projeto de país autônomo e soberano, quebrar um sistema que favorece a inclusão social. Quem está hoje no poder não tem essa visão, infelizmente, e enquanto perdurar essa reorientação do sistema nós vamos perder autonomia, nós vamos perder soberania, nossa população vai ficar desassistida”, denunciou Barretto.
De acordo com Manoel da Silva, diretor de Gestão e Tecnologia da Informação e presidente substituto do CNPq, a quantidade de bolsas também não acompanha o crescimento da comunidade científica.
“A comunidade científica está crescendo. O número de bolsas do CNPq continua num patamar de 80 mil bolsas, ao passo que na última mensuração da Plataforma Carlos Chagas [que reúne dados sobre bolsas de pesquisa], já estávamos com 200 mil pesquisadores. Isso quer dizer que há uma demanda reprimida muito grande”, alertou.
A falta de recursos fez o conselho suspender, no final de julho, a segunda fase de um processo de seleção de bolsistas no Brasil e no exterior.
O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, apontou que o orçamento dos principais fundos de apoio à pesquisa científica e tecnológica vem caindo desde 2015. Ele avalia que a situação da ciência é grave e uma das principais razões é o desvio de finalidade de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, recolhidos das empresas para apoiar a pesquisa, que são sequestrados para a dívida pública.
“Esses recursos foram obtidos por meio de impostos de empresas que trabalham nas áreas de recursos hídricos, eletricidade, petróleo e gás. E essas empresas têm o imposto recolhido destinado a apoiar pesquisas que interessam a esses setores e, no entanto, esses recursos têm sido contingenciados, ou seja, desviados da sua finalidade original, para quitar a dívida pública. É uma questão séria. Eu me pergunto até sobre a legalidade disso”, argumentou Davidovich.
O CNPq é a principal agência de fomento à ciência do governo federal, ligada ao MCTIC. Além de financiar projetos de pesquisa, o conselho apoia bolsistas em universidades e institutos de pesquisa. A instituição, que completou 68 anos no dia 15 de janeiro, vem sofrendo um processo de sucateamento que a coloca sob ameaça de paralisação das suas atividades.
Além dos constrangimentos orçamentários, o CNPq vem tendo suas competências e estrutura pouco a pouco reduzidas. Com o contínuo movimento de aposentadorias, até o fim de 2019 o CNPq terá cerca de 300 servidores na ativa, o que equivale a 15% do seu contingente dos anos 90, quando a demanda por suas ações era muito menor.
W. F.