O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou o cerco contra povos indígenas que buscam retomar terras saqueadas nos estados de Mato Grosso do Sul (MS) e Paraná.
De acordo com as informações do Cimi, as retomadas e aldeias dos povos Ava Guarani, Guarani Kaiowá e Kaingang sofreram uma sequência de ataques entre o final da última sexta-feira (19), a madrugada e o decorrer deste sábado (20).
“Indígenas foram baleados, outros ficaram por horas desaparecidos e mesmo com a presença de autoridades federais, os criminosos não se intimidaram e deram continuidade a uma ofensiva violenta contra as comunidades iniciada há pelo menos uma semana”, afirma o Cimi.
No tekoha Tata Rendy, dos Ava Guarani, no oeste do Paraná, a tarde deste sábado é de cerco e mais incêndios criminosos, como forma de expulsar os indígenas da retomada. A informação é da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY). Tratam-se de ataques em bloco dentro de contextos similares.
Nos três casos, Ava Guarani, Guarani Kaiowá e Kaingang, houve incêndio criminoso nas áreas ocupadas pelos indígenas.
“Os agressores atearam fogo em malocas e nas matas do entorno. Outro ponto em comum é que nos três casos os ataques ocorreram horas após a saída de representantes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) das áreas e com a presença de agrupamentos da Força Nacional deslocados pelo governo federal às regiões”, diz o Cimi.
De acordo com informações do Cimi, as famílias foram expulsas da retomada durante o ataque. “Apesar das comitivas do MPI e das tentativas de negociação com proprietários rurais e políticos locais para a interrupção das hostilidades, não houve ainda a presença de um aparato mais sólido do Estado em busca de soluções reais – e até mesmo a ida às regiões de autoridades públicas com peso político. A atuação da Força Nacional é criticada”, afirma o Cimi.
Na terça-feira (23), o juiz federal João Paulo Nery dos Passos Martins, da 2ª Vara Federal de Umuarama – o mesmo que, na última sexta-feira (19), autorizou a reintegração de posse de áreas rurais que grupos Avá Guarani ocuparam a fim de cobrar a conclusão do processo demarcatório do território já delimitado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e em disputa na Justiça desde 2018 – tomou novas medidas.
A Justiça Federal no Paraná determinou, ainda, que a Funai se abstenha de entregar lonas, madeiramento, ferramentas e outros materiais que possam ser usados para construção de abrigos/moradias às comunidades indígenas que ocuparam imóveis rurais das cidades de Guaíra e Terra Roxa, no oeste paranaense. De acordo com a Agência Brasil, a Fundação Nacional do Índio deve recorrer da decisão.
Na decisão, o juiz federal afirma: “Em que pese a missão institucional da Funai de prestar assistência às comunidades indígenas e garantir o mínimo existencial, é necessário observar que a fundação, que inclusive integra o polo passivo, e os demais órgãos públicos que atuam no litígio têm o dever de colaborar com a execução das decisões judiciais e, em especial, estimular o cumprimento voluntário como forma de prevenir a desocupação forçada e os possíveis conflitos daí decorrentes”.
A manifestação judicial se deu após a coordenação regional da Funai solicitar o apoio da Polícia Federal (PF) para entregar kits de suprimentos aos Avá Guarani que participam do processo de retomada de seus territórios originários, que visa permitir a expansão de suas aldeias e a preservação das principais características de seu modo de vida tradicional. A Funai pretendia distribuir alimentos, água, itens de higiene, além de sete rolos de 100 metros de lonas.
“Vale destacar que o recente movimento de ocupação instaurado a partir de dezembro de 2023 e retomado com mais intensidade nos últimos dias trata-se essencialmente de ampliação de áreas, pois as comunidades da etnia indígena Avá Guarani já estavam instaladas em outras áreas na região há tempos”, acrescentou o juiz federal.
CONFLITOS NO CEARÁ
No Ceará, homens encapuzados e armados atacaram na madrugada de quinta-feira (18) uma área retomada pelo povo Anacé localizada no município de Caucaia, a cerca de 15 quilômetros da capital Fortaleza. Entre 20 e 30 agressores atiraram contra os indígenas, destruíram os barracos e os pertences das 46 famílias que vivem na área desde 30 de setembro de 2022. Ninguém ficou ferido e a Polícia Militar dirigiu-se ao local.
Os policiais militares tentaram intermediar um acordo, mas os indígenas se negam a sair da retomada e seguem aguardando providências da Fundação Nacional do Índio (Funai) – agentes do órgão estão na área.
“Nós voltamos, mas eles não saíram. Estão nos vigiando, rondando. O problema vai ser à noite. Precisamos de apoio, de proteção. Querem destruir a nossa água, o nosso território. Lutamos contra essa gente que quer destruir e eles chegam encapuzados, aterrorizando o nosso povo. Mas isso não é de agora. As mulheres são as que mais sofrem. Mulheres que foram agredidas, mulheres que foram trancadas dentro de quartos com cobras”, denuncia Áurea Anacé, liderança indígena.
De acordo com informações do Cimi, os Anacé chamam a retomada de Parnamirim, onde projetam uma futura aldeia. As famílias vivem no local da agroecologia, da pesca na Lagoa Parnamirim e de outras atividades correlacionadas. A área faz parte da Terra Indígena reivindicada.
“Começamos a reconstruir os barracos, juntamos o que restou, separamos o que ainda é possível usar, e vamos resistir. Não vamos sair da luta”, diz Elber Anacé. Ele é uma jovem liderança do povo.
Desde 1996, os Anacé estão oficialmente reconhecidos pelo Estado. O território do povo está dividido entre uma área reservada, conforme procedimento previsto pela Constituição Federal, para onde se dirigiu uma parte do povo impactada pelo Complexo Industrial e Portuário do Pecém, cuja porção de terra sofreu degradação considerada como irreversível pelos estudos da Funai – bairros, a instalação de indústrias e poluição severa são algumas das causas da degradação, informa o Cimi.