O líder indígena Vitorino Sanches, de 60 anos, morto por pistoleiros em Amambai (MS), foi executado com cinco tiros nas costas. Ele chegou a ser levado para um hospital, mas não resistiu aos ferimentos. O atentado aconteceu nesta terça-feira (13) e foi o segundo que o indígena da tribo Guarani-Kaiowá sofreu em um pouco mais de um mês.
Segundo testemunhas, os suspeitos são, novamente, dois homens em um moto, mesmo cenário apontado em outras duas ocasiões em que foi alvo de emboscadas.
Morador da Reserva de Amambai, Vitorino já havia sobrevivido a uma emboscada semelhante. Outra liderança Kaiowá, Marcio Moreira já havia sido assassinado de forma similar, em outra emboscada. Márcio era liderança do tekoha Guapy que no dia 24 de junho, sofreu uma violenta e ilegal ação de despejo praticada pela Polícia Militar (PM) do estado de Mato Grosso do Sul, que resultou no assassinato de Vitor Fernandes e deixou dezenas de feridos.
Em 2 de agosto, Vitorino Sanches, de 60 anos, prestou depoimento após ser vítima de um atentado em Amambai (MS). O carro do comerciante foi atingido por pelo menos 15 disparos de arma de fogo, tendo dois deles atingido a vítima. Ele foi baleado no braço e na perna e encaminhado para o Hospital Regional da cidade.
O indígena era uma liderança na cidade. Em 2012, disputou o cargo de capitão na comunidade indígena. Ele também já foi candidato a vereador pela cidade, em 2016.
“Ninguém falou nada para mim, ninguém me ameaçou. Como eu não falhei com ninguém, não briguei com ninguém, não tive discussão com ninguém, eu estava tranquilo. Não sei por que fizeram isso comigo”, disse a vítima em depoimento na delegacia da cidade.
A região de Amambai vive clima de tensão desde junho, quando outro indígena foi morto a tiros por policiais que atuam na região a serviço de fazendeiros em um processo de retomada de terra.
Na época do primeiro atentado, a Polícia Civil investigava se o ataque tinha relação com outras duas mortes de indígenas registradas nos últimos meses na região ou então com as eleições indígenas realizadas na região.
GUAPOY
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no dia 24 de junho, sem nenhuma ordem judicial para despejo, a polícia militar protagonizou uma ação violenta contra famílias indígenas da retomada Guapoy, o tekoha Guapoy como os indígenas chamam. Estas famílias, a despeito do que argumentaram os polícias e a Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), já ocupavam há um mês as imediações da fazenda que há décadas é reivindicada como parte integrante do território indígena da Reserva de Amambai.
A ação violenta e desproporcional deixou dezenas de indígenas feridos, sobretudo mulheres, crianças e anciões, resultando no assassinato do indígena Vitor Fernandes, de 42 anos, que desarmado e sem apresentar resistência, morreu em decorrência de três disparos de arma de fogo. Neste mesmo ataque, que os indígenas passaram a chamar de “Massacre de Guapoy”, sete indígenas foram levados para o hospital, mas devido ao processo de criminalização que estavam sendo submetidos assim que tiveram alta médica foram presos. Dezenas de outros feridos permaneceram no território e precisaram de atendimento na aldeia, por meio de ações solidárias de grupos de médicos populares e organizações de saúde.
“O Massacre de Gapoy foi uma ação violenta e desproporcional deixou dezenas de indígenas feridos, sobretudo mulheres, crianças e anciões, resultando no assassinato Vitor Fernandes”.
No entendimento da Aty Guasu – a Grande Assembleia do povo Guarani e Kaiowá – as emboscadas podem ter relação estreita com o Massacre de Guapoy. As vítimas da emboscada e demais pessoas que vivenciaram o ocorrido, relatam que ameaças tanto em Guapoy quanto na Reserva de Amambai são frequentes.
A luta dos Kaiowá pela recuperação de seu território tradicional tem sido marcada por violações, como relata a liderança da Aty Guasu, que por razões de segurança prefere ser identificada como Ava Tuja, “de concreto temos essas emboscadas, que iniciam não antes, mas depois do Massacre. Todas se dão depois da nossa retomada e depois do ataque policial. As pessoas mortas, perseguidas e que estão sendo ameaçadas no território são todas pessoas ligadas à retomada. Alguns são líderes direitos outros apoiadores, como é o caso do Vitorino”.
Ate Guasu, a Grande Assembleia do Povo Guarani e Kaiowá divulgou uma nota oficial de revolta pelos assassinatos e emboscadas contra seu povo, leia abaixo:
“NOTA DE REVOLTA E PESAR PELOS ASSASSINATOS E EMBOSCADAS CONTRA OS GUARANI E KAIOWA DA RETOMADA DE GUAPOY E DA RESERVA DE AMAMBAI APÒS O MASSACRE. EXIGIMOS INVESTIGAÇÃO SÉRIA E SEGURACA PARA AS FAMILIAS JÁ
Amambai, MS, 14 de setembro de 2022
É com dor e preocupação que recebemos ontem a notícia do assassinato de Vitorino Sanchez em pleno centro da cidade de Amambai, a luz do dia, na vista de todos. Vitorino é o segundo assassinado em três emboscadas ocorridas em Amambai após o Massacre de Guapoy – ação ilegal e violenta da Policia Militar contra a retomada Guarani e Kaiowa. No massacre o indígena Vitor Fernandes foi assassinado e dezenas de pessoas, sobretudo crianças e idosos ficaram feridas.
Após o Massacre as emboscadas começaram a acontecer. Primeiro Marcio Moreira foi convidado a prestar serviço, abordado por pessoas em motocicleta e executado com arma de fogo e arma branca. Depois Vitorino Sanchez sofreu atentado dentro da Reserva de Amambai, onde teve seu carro alvejado por pelo menos 15 disparos vindos novamente de dois sujeitos de motocicleta. Vitorino foi acertado por dois disparos, foi hospitalizado mas sobreviveu.
Agora, em nova emboscada, novamente contra Vitorino, o que demonstra que os agressores não desistiriam enquanto não o executassem, ele foi assassinado com vários disparos, testemunhas falaram novamente em duas pessoas em uma moto.
Esta situação de terror nos faz temer pela vida das famílias que estão na Retomada ou na Reserva. Não sabemos exatamente o que está acontecendo, quem são os mandantes e os mandados, o que exatamente tem ligação, mas sabemos que as duas vítimas têm em comum estarem ligados à nossa retomada.
Marcio era liderança importante de Guapoy, Vitorino um apoiador do movimento de recuperação de nossa Terra, ano aderindo ao boicote sugerido a nossa retomada e fornecendo alimento as famílias. É difícil saber se as forças de segurança também não estão envolvidas uma vez que foram os protagonistas do Massacre que sofremos e que acabaram expostos pelas denúncias deste terrível episódio. Também precisamos saber se os fazendeiros da região estão envolvidos e até mesmo aproveitando de questões internas, como as eleições da aldeia, para atacar nossas famílias.
O fato é que os Kaiowá têm morrido, emboscados, massacrados, perseguidos enquanto os agressores seguem impunes. Até agora nada foi feito com o Estado e com os policias que nos atacaram de forma ilegal e cheia de violência. Até agora, o assassinato de Márcio ficou como sempre sem explicação. Os ataques contra Marcio e Vitorino foram iguais, elaborados da mesma forma e isso exige uma investigação. Parte das policias locais tem se esforçado nos inquéritos e investigações para criminalizar as vítimas, nos indígenas, ao invés de encontrar nossos violadores.
Queremos ajuda das autoridades. Que o MPF, DPU, DPE, possam nos ajudar a garantir os processos de investigação e buscar apoio para proteger nossa comunidade. Que a CNDH, CDDH, CNJ, 6cc, parlamentares e demais órgãos possam vir a nosso estado cobrar que as investigações sejam feitas como se deve e assim evitar que novas vidas sejam tiradas, porque temos muitas razoes para acreditar que ainda matarão muita gente.
Precisamos também garantir a segurança das pessoas da Reserva e em especial das famílias que estão na retomada. O acesso a eles é fácil e eles não tem nenhuma proteção. Muitas estradas vicinais dão acesso ao território que inclusive fica muito próximo de outras fazendas. Tememos pela vida e integridade de todos, homens, mulheres, idosos e crianças.
Exigindo justiça e investigação em relação a estes crimes, a Aty Guasu pede ajuda das autoridades para que não haja mais parentes nossos mortos nos próximos dias. Aqui no Estado do MS, como demonstrado durante o Massacre são todos contra os Kaiowá. A polícia ataca, o Estado permite, o público e o privado funcionam em uma única direção. Ampliar a monocultura sobre os cemitérios que um dia foram nossas terras. Assim eles pensam, mas não permitiremos nem deixaremos de lutar. Que Nhanderu nos proteja e que os senhores autoridades possam nos ajudar.