ONU adverte governo do Equador que extradição do fundador do WikiLeaks “violaria a lei internacional, em especial, quando o Estado de destino [EUA] pratica a pena de morte” e mantém o processo clandestino
O Relator Especial da ONU sobre Tortura, Nils Melzer, exortou o governo Moreno “a não extraditar” o fundador do WikiLeaks Julian Assange, que está asilado na embaixada equatoriana em Londres há sete anos, após o mais famoso portal de denúncias do mundo alertar na sexta-feira (5) que, conforme alta fonte de Quito, a expulsão do editor era questão de “horas a dias”. Personalidades, como o escritor e cineasta John Pilger, fizeram postagens de repúdio: “encham as ruas fora da embaixada e protejam Assange, mostrem solidariedade a esse homem corajoso, cuja luta deve tocar a todos nós”, conclamou.
Alerta que levou ativistas a acorrerem às imediações da embaixada para vigília em defesa de Assange, com a montagem de barracas e uma frase em luz de led: “não à expulsão”.
A declaração do WikiLeaks afirmava, ainda, que o pretexto da expulsão seria um escândalo de corrupção envolvendo o atual presidente equatoriano – os “INA Papers” – e que já haveria um acordo com a Grã Bretanha para sua captura.
O que, com a prisão de Chelsea Manning completando 30 dias – dos quais, 28 dias em solitária da qual saiu na quinta-feira(4) – por se recusar a mentir a um júri secreto para incriminar Assange, e a explicitação em novembro passado nos EUA da existência de conspiração oficial contra o editor, implica em ameaça iminente de entrega do jornalista nas mãos do Pentágono e da CIA, cujos crimes o editor revelou ao publicar os arquivos da guerra no Iraque e Afeganistão.
“Se Assange fosse expulso da Embaixada do Equador, ele provavelmente seria preso pelas autoridades britânicas e extraditado para os Estados Unidos”, afirmou o Relator Especial Melzer.
O que, considerou, poderia expô-lo a “um risco real de graves violações” de seus direitos humanos, incluindo sua “liberdade de expressão, seu direito a um julgamento justo e a proibição de tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante”.
“Portanto, peço ao Governo do Equador que se abstenha de expulsar Assange da sua embaixada em Londres ou que, de outra forma, deixe de suspender seu asilo político até que a proteção integral de seus direitos humanos possa ser garantida”, exigiu Melzer.
O Relator Especial da ONU acrescentou que está preparando “pedido formal aos Governos do Equador e do Reino Unido” para “uma visita in loco” ao Sr. Assange e para reunião “com as autoridades competentes de ambos os Estados”, a fim de avaliar a situação e os riscos enfrentados pelo jornalista “à luz da proibição universal e absoluta de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”.
Melzer reiterou que “a extradição sem as devidas salvaguardas viola a lei internacional, particularmente se o Estado de destino pratica a pena de morte e não divulgou as acusações criminais contra a pessoa.”
PROIBIÇÃO LEGAL ABSOLUTA
“Nestas circunstâncias, a proibição legal internacional de ‘refoulement’ [retorno forçado de asilado] é absoluta”, independentemente de considerações de segurança nacional, conveniência política ou quaisquer outras considerações similares, advertiu o especialista da ONU. ‘Refoulement’ é a proibição, pela lei internacional e da União Europeia, do retorno forçado de refugiados e asilados a um país onde estariam sujeitos à perseguição.
Melzer também advertiu Londres, caso por algum motivo Assange seja submetido à jurisdição britânica, quanto a “expulsar, devolver ou extraditar o Sr. Assange para os Estados Unidos ou qualquer outra jurisdição”, até que seu direito de asilo seja determinado “em um processo transparente e imparcial”, com todas as garantias, inclusive direito de apelação.
CONSTITUIÇÃO PROÍBE
Como mostrou o ex-presidente Rafael Correa, cujo governo teve a atitude altiva de conceder asilo ao jornalista em 2012 apesar da contrariedade de Washington, Assange “tem a nacionalidade equatoriana” – que lhe foi concedida legalmente – e portanto não se trata de que [Moreno] possa decidir, o Estado equatoriano “tem a obrigação de proteger Assange”.
“A embaixada equatoriana em Londres é território equatoriano e nossa constituição proíbe extraditar qualquer cidadão equatoriano”, reiterou o ex-presidente. Assange recebeu a cidadania equatoriana em dezembro de 2017.
CARCERAGEM
Também o Relator Especial da ONU sobre Privacidade, Joe Cnnataci, em Genebra, anunciou que irá visitar Assange no dia 25, em consequência das denúncias sobre os constrangimentos a ele infligidos na Embaixada, em que o novo embaixador funciona como carcereiro.
Sobre isso, há dois relatos impressionantes. Um, de Pilger, registra que “as câmeras estão por toda parte no quarto 101. Para evitá-las, Julian nos manobra num canto, lado a lado, encostado na parede. É assim que nos atualizamos: sussurramos e escrevemos um para o outro em um caderno, que ele protege das câmeras. Às vezes nós rimos”.
A jornalista Cassandra Fairbanks, que mal pôde abraçar Assange no saguão, onde ficou por oito minutos, relatou como o editor se recusou a uma revista de corpo inteiro e denunciou estar sendo “amordaçado”. Ela comparou a situação, ouvida de uma sala em que foi trancada à chave, “estranhamente semelhante” a visitas que já fizera a presídios federais norte-americanos.
Mesma conclusão do Conselho Jurídico da Human Rights Watch, que descreveu a situação de Assange como “cada vez mais como confinamento em solitária”.
PROPINA OFFSHORE
O escândalo #INAPapers está em apuração na Assembleia Nacional equatoriana, por iniciativa da oposição, após vir a público que o irmão do presidente Moreno tinha uma conta offshore no Panamá (conta 100-4-1071378 do Balboa Bank), da “Ina Investment”, usada para receber propinas de empreiteiras chinesas, propiciando à famiglia Moreno a compra de presentes caros, mobília e até mesmo um apartamento de luxo na Espanha. A primeira denúncia apareceu no site La Fuente, em fevereiro. Na quarta-feira, a Assembleia Nacional aprovou resolução que exige análise dos fatos. Dois dias antes, o próprio Moreno e mais de uma centena de acusados teve de comparecer a audiência no J udiciário sobre tentativa de abafa no parlamento. No sábado, o procurador-geral iniciou investigação preliminar sobre o caso.
Para o ex-cônsul equatoriano em Londres, Fidel Narvaez, Moreno está simplesmente buscando “um falso pretexto” para acabar com o asilo do jornalista e “ceder à pressão dos EUA”.
Na realidade, não há qualquer resistência de Moreno quanto à “ceder à pressão” de Washington. Já abriu de novo a base aérea de Manta aos norte-americanos; virou entusiasta neoliberal; surrupiou o prédio da Unasul para outra “finalidade”; e não cansa de fazer genuflexões diante do vice de Trump, Mike Pence, em especial sobre Assange.
O New York Times asseverou que Moreno “tentou vender Assange aos EUA” em troca do “alívio da dívida” equatoriana. Mas esse tipo de gente gosta mesmo é de outro tipo de alívio, o que é depositado no offshore.
Como salientou a defesa de Assange, a principal razão para a concessão do asilo político do Equador a ele foi a recusa dos governos sueco e britânico em dar a garantia de que não o extraditariam para os EUA por causa das publicações do WikiLeaks.
Garantia que não davam por causa da cumplicidade com o júri secreto montado no governo Obama e continuado por Trump. Este, com seus neocons furiosos pelo WikiLeaks ter vazados arquivos da CIA mostrando a guerra cibernética da Agência e como fabrica falsas pegadas digitais para incriminar os outros.
PROVOCAÇÃO CAPENGA
Jamais foram contestadas como mentiras as denúncias do WikiLeaks sobre os crimes de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão, que inclusive foram reproduzidas nos principais jornais do mundo – entre eles, o “Assassinato Colateral”, vídeo que mostra um helicóptero Apache matando a rajadas nove civis iraquianos desarmados.
O processo-provocação (“assédio”) já foi encerrado pela justiça sueca em 2013 e tudo que Londres tem é uma reles violação da fiança, por Assange ter ido pedir asilo ao Equador. E-mails obtidos sob a lei de Liberdade de Informação mostram que a Suécia queria desistir da falseta em 2013, mas adiou por pressão de Londres e Washington.
O Grupo da ONU sobre Detenção Arbitrária considerou a permanência compulsória de sete anos de Assange dentro da embaixada equivalente a “detenção arbitrária e ilegal” e exigiu que Londres pare de persegui-lo.
LEI INTERNACIONAL
A lei internacional está do lado de Assange: o princípio central da Convenção de Proteção aos Refugiados de 1951 é a “não repulsão”, que determina que um refugiado ou asilado “não deve ser devolvido a um país onde ele enfrenta graves ameaças à sua vida ou liberdade”.
O asilo foi concedido pelo Equador a Assange exatamente pela ameaça de parte dos EUA à sua vida, segurança e liberdade pessoal, inclusive de tortura.
Também a lei norte-americana é afetada. A extradição por publicar denúncias implica na flagrante violação da 1ª Emenda da constituição norte-americana. O que Assange fez agora, foi exatamente o que Daniel Ellsberg fez nos anos 1960 com os Papéis do Pentágono. Até mesmos os editores dos grandes jornais estariam ameaçados, aberto o precedente.
Mais: como adverte a defesa de Assange, se os EUA tiverem o direito de processar um jornalista no Reino Unido, operando a partir do Reino Unido e do resto da Europa, sobre reclamações sob as leis dos EUA, “abrem-se as comportas para um precedente extremamente perigoso”. Além disso, se o governo dos EUA puder processar um jornalista não-americano por revelar informações que Washington diz serem secretas, por que outros países não poderiam fazer o mesmo?
“CONJECTURAS”
O Ministério das Relações Exteriores do Equador recusou-se a negar à CNN as alegações do WikiLeaks. “Não respondemos a boatos, hipóteses ou conjecturas que não tenham suporte documental. Se houver informação oficial, nós a compartilharemos em um momento oportuno”. Como o WikiLeaks assinalou à Associated Press no início da semana, se o presidente Moreno “quiser terminar ilegalmente o asilo de um editor … a história não lhe será gentil”.
ANTONIO PIMENTA