Os deputados federais Lídice da Mata (PSB) e Orlando Silva (PCdoB), o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT), e a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede) debateram, na quinta-feira (20), a ameaça à democracia através das fake news e como combater essa prática.
O evento foi organizado pelo movimento Janelas pela Democracia, que reúne os partidos Rede, PV, PSB, PDT, Cidadania23 e PCdoB. O debate foi intermediado pelo presidente do PV, José Luiz Penna.
CIRO GOMES
O ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, começou sua fala celebrando a prisão de Bannon. “Foi quem trouxe, em escala industrial, essa tecnologia de manipular a internet, sem nenhum tipo de responsabilidade ou escrúpulo, para deformar a vontade natural das pessoas”.
Para Ciro, “a informação tem que ser protegida para que ela chegue de forma igual para todo mundo e ninguém seja manipulado, por espírito religioso, moral, jurídico ou estética, de maneira que a pessoa seja livre para tomar conhecimento de tudo que o debate puder lhe apresentar e livremente caminhar para as urnas e escolher, do jeito que achar melhor, aquele ou aquela que representar a sua prioridade”.
Ao mesmo tempo, deve “garantir a liberdade para que não haja censura ou qualquer tipo de cerceamento”.
O pedetista defendeu que o PL de combate às fake news deve dispor de ferramentas para “procurar a autoria” dos ataques virtuais. “Quem quiser mentir que assuma a responsabilidade pela mentira que está fazendo”.
Para ele, “não é só a questão da calúnia e da mentira, é dinheiro sujo. Se a gente não tiver como achar os caminhos do dinheiro e segui-los e vigiá-los, amanhã o narcotráfico vai fazer uma bancada de deputados, senadores, um governador e daqui há pouco elege um presidente da República”.
Para Ciro Gomes, deve haver um “ponto de equilíbrio entre liberdade franca e ampla para os produtores de internet, mas a responsabilidade, principalmente pela identificação do dinheiro e da autoria”. “Responsabilização pelo fim do anonimato e influência do dinheiro sujo e da produção de mentiras que deformam a opinião pública e, portanto, deforma a democracia”.
MARINA SILVA
Marina Silva, que foi ministra do Meio Ambiente, disse que o debate é importante porque “lida com a verdade. Em cima da mentira você não consegue construir absolutamente nada”.
A produção de fake news “ataca as biografias, dissemina campanha de ódio às instituições públicas, à ciência de todos os ângulos que a gente possa imaginar”.
“A gente não pode confundir liberdade de expressão com disseminação do ódio, da mentira. A liberdade de expressão não é para a exponencialização do ódio, da mentira e de ataques pessoais a quem quer que seja”.
“As fake news devem ser combatidas com marcos regulatórios, ouvindo pessoas como Felipe Neto, como Ronaldo Lemos. São jovens brilhantes que podem nos ajudar a caminhar sem o cerceamento da liberdade de expressão”, afirmou.
“Por outro lado, os grandes provedores. Eles também estão tentando criar mecanismos para tentar nos proteger das fake news”.
“Essa é a forma de tentar combater pelo lado de fora, com leis, com ferramentas, com mecanismos e sistemas, que é como o Estado funciona. Mas temos que olhar como se combate as fake news de dentro para fora”.
Marina destacou que “existem pessoas de todos os campos políticos que fazem o uso [de fake news]. Nós devemos combater no mérito, como estamos fazendo agora”.
“Nós temos que fazer uma aliança estratégica com todos aqueles que estão comprometidos em não permitir que a democracia seja fraudada pela corrupção, pela mentira e pelo ódio que muitas vezes é a base do abuso do poder econômico”.
ORLANDO SILVA
O deputado federal Orlando Silva, que está coordenando o grupo de discussão informal instalado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avaliou que a produção de fake news se tornou um método de fazer política.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, “transformou a acusação de produção de fake news em um mecanismo de defesa dele. Logo após eleito presidente da República dos Estados Unidos, acusava a imprensa sistematicamente de produzir fake news. É o mesmo método que no Brasil é utilizado pelo presidente da República [Jair Bolsonaro]”.
“Se um fato é registrado e desagrada o presidente, ele prontamente acusa de fake news. É uma forma de desqualificar o interlocutor”. Para eles “a narrativa importa mais do que o fato. Não importa a verdade. É sobre esse debate que nós estamos refletindo”.
Orlando concorda com Marina de que no debate de fake news “não tem privilégio da direita e nem da esquerda. Infelizmente fake news é uma ferramenta utilizada por muita gente, à direita e à esquerda. Fake news, desinformação e discurso de ódio, devo dizer para vocês”.
“No campo da saúde pública a notícia falsa mata. Temos que enfrentar esse câncer e essa ameaça à democracia. Fake news pode ser caracterizada como risco à democracia, porque distorce a formação da opinião pública”.
“O jornalismo profissional, que eu acredito que seja o antídoto contra a notícia falsa, também precisa refletir sobre a sua conduta”, salientou o deputado.
Para ele, deve-se prestar atenção com alguns aspectos do Projeto de Lei 2.630/20. Orlando alertou para o perigo de “produzir um sistema de censura privado, onde as plataformas terão mais poder ainda para remover conteúdos. Isso é muito sério”.
“Quem disse que as plataformas têm que ter todo esse poder para arbitrar, sem critérios objetivos, o que deve ou não ser retirado do ar?”.
“Tão importante quanto a liberdade de expressão é a privacidade. São dois conceitos constitucionais. Essa ideia de identificação das contas deve ir mais devagar, porque o que parece óbvio não é tão óbvio assim”.
“Saber o caminho das mensagens, que é o que está no texto, pode ser uma coisa boa? Pode. Mas também pode ser uma coisa ruim. Quando a mensagem é compartilhada com mais de mil pessoas, ela deve ser guardada. Todo ano vazam milhões de informações das plataformas. Quem garante que essas informações sob guarda das plataformas também não serão vazadas?”.
“O anonimato pode ser uma forma de se proteger quando se é minoria. Hoje no Brasil um trabalhador que é de uma fábrica e faz movimento de luta, a demissão é o caminho dele”, exemplificou,
Porém, “a liberdade de expressão não pode ser um escudo para o discurso de ódio. Aí você estará ferindo aspectos outros relativos à dignidade da pessoa humana, aspectos da democracia”.
LIDICE DA MATA
A deputada Lídice da Mata, que é relatora da CPMI das Fake News, contou que as investigações feitas pelo Congresso Nacional trouxeram a percepção de que havia um ambiente, nas redes sociais, “de cometimento de infrações e de ilegalidades” que vinham desde as eleições de 2018.
“Logo de início, nós fomos parar num dos IPs do gabinete Eduardo Bolsonaro, filho do presidente. A partir daí, também investigamos empresas que durante a campanha eleitoral de 2018 haviam feito disseminação de mensagens, não necessariamente fake news”, disse.
Durante a pandemia do coronavírus, quando as atividades da CPMI foram suspensas, “os governos que debatiam a pandemia começaram a sofrer intensamente uma chuva de fake news, de segmentos negacionistas, que negavam a existência da doença, a gravidade da doença, que diziam que aqueles caixões estavam vazios. Essas fake news começaram a assustar a população”.
“Foi depois da pandemia [começar] que a sociedade brasileira tomou um choque de ver tantas notícias falsas contra os governos estaduais, contra as políticas designadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS)”.
A deputada também destacou o papel do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF), que investigou os ataques às instituições democráticas.
“Hoje esse debate se torna indispensável, justamente porque está comprovado que ele é uma ameaça à democracia como também uma ameaça à saúde pública e à vida das pessoas”.
Lidice citou a prisão do ex-marqueteiro de Donald Trump, Steve Bannon, que coordenou a rede de fake news de sua campanha à Presidência dos EUA em 2016. “Tinha contato com a campanha de Bolsonaro, com os filhos de Bolsonaro. Tudo isso vai se entrecruzando nesse momento”.
Lidice acredita que o Projeto de Lei de Combate às Fake News (PL 2630/20), que já foi aprovado no Senado e agora está na Câmara, “caminha para ser mais voltado para a transparência nas redes sociais, o que já é um avanço enorme”.
“É preciso que haja relatórios trimestrais colocando o que acontece na rede, feito pelas plataformas”.
“As plataformas não devem ser absolutas no controle das redes, mas elas devem ter algum nível de responsabilidade. Não podemos deixar que elas possam tudo”.