A entrevista de Ciro Gomes, que inaugurou a série com candidatos a presidente da República no Jornal Nacional, da TV Globo, teve vários aspectos interessantes – inclusive o fato de que os entrevistadores não conseguiram provocar alguma explosão de temperamento do candidato.
Notadamente, a restrição que Ciro fez à Operação Lava Jato, apesar de improcedente, passou batida. Disse Ciro:
“… a Lava Jato só prestará bom serviço ao Brasil se ela for vista pela maioria ou pelo conjunto da sociedade como uma coisa equilibrada. E o lado do PSDB não tem nem um na cadeia. Claro que ela é muito importante, tá gente do PMDB, tá gente do PT na cadeia, mas não há um único quadro, apesar de mil demonstrações de corrupção do PSDB, nenhum deles foi preso, por exemplo.”
Provavelmente devido ao barulho feito pelos lulistas, Ciro não observou que essa não é uma restrição à Lava Jato, mas ao Congresso. Foi o Senado que impediu o afastamento de Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, flagrado quando pedia propina (R$ 2 milhões!) a Joesley Batista, da JBS.
Não foi a Justiça, nem os procuradores, nem a Polícia Federal que protegeram Aécio, que, inclusive, recebeu a propina e depositou-a na conta de uma empresa de Gustavo Perrella, filho do senador Zezé Perrella e proprietário do famoso helicóptero apreendido com 450 kg de cocaína.
Com a recusa do Senado em afastar Aécio, o foro privilegiado fez o resto. Mesmo caso, aliás, de Serra, Alckmin e outros tucanos que já apareceram nas investigações.
Além disso, as investigações que – depois, em 2014 – deram origem ao que se chama hoje de “Operação Lava Jato” (na verdade, um conjunto de 52 operações, até agora), começaram em 2009. São, sobretudo, investigações sobre o período em que o PT, PMDB, PP, etc. estiveram no governo, mas não o PSDB.
A propósito, o PT, quando Lula tomou posse, em 2003, poderia ter desencadeado uma devassa sobre a época em que os tucanos estiveram no poder. No entanto, não o fez.
Por quê?
Porque o seu plano de governo – o verdadeiro, o principal – era fazer a mesma coisa que os tucanos, em escala até maior: roubar, roubar e roubar.
Que Ciro – assim como nós – não tenha percebido tal coisa, não é um demérito. É apenas uma circunstância da luta política.
Sobre o resto da entrevista, ainda nesse campo, nos pareceu importante a reafirmação, por Ciro, de que avisou a Lula sobre a corrupção e não foi atendido:
ENTREVISTADORA: … o senhor disse recentemente que alertou o então presidente Lula sobre corrupção na Petrobrás. Isso, antes da Lava Jato começar. Sobre o presidente da Transpetro, Sérgio Machado, o senhor disse que sabia quem ele era. Sabia que ele estava roubando, e que disse isso ao ex-presidente Lula, ao então presidente Lula, que mesmo assim o manteve no cargo. (…) Lula terminou o segundo mandato em 2010, Sérgio Machado ainda continuou no governo por mais quatro anos. Por que o senhor não fez uma denúncia tão grave como esta ao Ministério Público?
CIRO: Porque quem faz denúncia ao Ministério Público assume o ônus da prova. E eu, evidentemente, não tenho o ônus da prova, porque não tenho acesso aos instrumentos de investigação.
ENTREVISTADORA: Mas, em outras palavras, o senhor disse então que o ex-presidente Lula não fez nada mesmo alertado pelo senhor.
CIRO: Neste e em muitos outros momentos.
O candidato do PDT disse desconhecer que o presidente de seu partido, Carlos Lupi, é réu em uma ação por improbidade administrativa. Sobre o que não temos razões para duvidar.
Quanto ao programa econômico, Ciro parece ser defensor de um aumento do consumo meramente pelo crédito, sem aumentar o poder aquisitivo real da população. Disse ele:
“… aqueles que quiserem podem contar, eu vou ajudar a tirar o nome do SPC de todo mundo. Sabe por quê? Não é porque eu sou bonzinho, não, é porque eu tenho um projeto nacional de desenvolvimento que propõe respostas práticas de como reativar a economia e gerar emprego. O primeiro grande motor na tradição brasileira, e não é o melhor, mas o primeiro grande motor de ativação da economia é o consumo das famílias. (…) Se você tem 63 milhões de pessoas humilhadas, com o nome sujo no SPC, como é que eu vou ativar o motor principal da atividade econômica…”
Certamente, sem que haja expansão do mercado interno, aumento do consumo ou da capacidade de consumir, é inútil pensar em crescimento – inclusive em aumento do investimento pelas empresas, pois nenhum empresário investe com a certeza de que sua produção se tornará uma montanha de mercadorias encalhadas.
Mas, fazer isso através, basicamente, do crédito, é apenas criar novas dívidas para antigos endividados (e novos inadimplentes). Sair do SPC para voltar ao SPC não parece uma perspectiva animadora.
Sem um aumento real nos salários (ou seja, no poder aquisitivo real), o crédito torna-se, rapidamente, uma ficção. Ou, para ser mais exato, torna-se uma escravatura ao setor financeiro.
No governo Lula, inventou-se até uma formalização dessa escravatura: o chamado “consignado”, no qual a vítima (isto é, os que trabalham ou estão aposentados) é saqueada diretamente na fonte (ou seja, na aposentadoria ou no salário), sem nenhum risco para o banco – e, mesmo assim, a juros extorsivos.
Portanto, o problema da proposta de Ciro não está em que seja impossível renegociar as dívidas da população – e, daí, tirá-las do SPC.
O problema é que se trata de algo muito insuficiente para as nossas necessidades, na medida em que não toca – ou evita tocar – no aumento do salário real, sobretudo no aumento real do salário mínimo.
Pelo menos é o que nós conseguimos ver na proposta tal como Ciro a apresentou. Há, inclusive, outro indício de que é isso o que seu programa propõe.
Esse indício está na frase: “O primeiro grande motor na tradição brasileira, e não é o melhor, o primeiro grande motor de ativação da economia é o consumo das famílias”.
Certamente, Ciro considera que o consumo das famílias não é o melhor motor de ativação da economia porque este “melhor” deveria ser o investimento.
Além do que já dissemos sobre a relação entre a capacidade de (ou propensão a) consumir e o investimento, cumpre destacar que o detonador do investimento não é o investimento privado, mas o investimento público.
Na economia capitalista dos tempos atuais – e, especialmente, em uma economia como a do Brasil – o investimento público é que puxa o investimento privado.
Esperar que o investimento privado aumente por obra unicamente do aumento do crédito ao consumidor, é quase a mesma coisa que estabelecer desonerações para monopólios – sobretudo os externos – na esperança de que, com o aumento da sua margem de lucro, eles fossem investir. Sabemos no brejo em que foi parar essa genialidade da mulher honesta do PT.
Com certeza, para que haja aumento do investimento público – e, por consequência, aumento do investimento produtivo privado – é necessário que as taxas de juros, dentro do país, sejam racionais (ou, pelo menos, no mesmo patamar de quase todos os países).
Entretanto, por que fizemos essas considerações?
Porque não existe programa nacional de desenvolvimento sem aumento do salário real e do investimento público. O crédito, por si só, é incapaz de deslanchar um processo nacional-desenvolvimentista. Se fosse assim, o esticamento do crédito no início do Plano Real teria dado em coisa diferente da devastação que veio em seguida.
Existem mais algumas coisas sobre a entrevista de Ciro. Mas ficamos por aqui, apenas com uma observação final.
Nos parece imprecisa a comparação da vice de Ciro, Kátia Abreu, com o vice de Lula, José Alencar.
Na chapa de Lula, o elemento mais à esquerda era Alencar.
CARLOS LOPES
Ótimas observações! Parabéns!
Obrigado, leitor.
Viva Getúlio! Viva Brizola! Viva Jango!
Viva o Nacional Desenvolvimentismo!
Fora os parasitas do rentismo!
Ciro presidente!