(HP, 17/06/2009)
É realmente impressionante como não há nada de novo nas mal chamadas ideias reacionárias. Há mais de 100 anos elas se repetem, com pequenos tratamentos cosméticos a cada reedição, numa monotonia tediosa. Aliás, além de se repetirem no conteúdo, elas se repetem em sua apresentação – sempre são apresentadas como o suprassumo da novidade, como a última palavra do moderno – e mais outras besteiras, que também são sempre as mesmas. E são assim apresentadas, justamente para que alguns debilóides, razoavelmente pagos para escrever ou falar na mídia, acusem as ideias que são realmente de vanguarda, de serem velhas.
Um psicanalista diria que se trata de uma projeção, e estaria com a razão. Porém, antes de ser um mecanismo psicológico, é forçoso constatar que na atual época da História – a época dos monopólios imperialistas, da contestação e da revolta contra eles – a mentira passou a ser o único recurso da reação. A rigor, não existem mais pensadores reacionários, pois a reação perdeu a capacidade de pensar. A direita – isto é, os apologistas atuais do imperialismo – não têm um David Hume, que, no século XVIII, durante 30 anos, exigiu o esforço das melhores e mais progressistas mentes do tempo, para ser refutado.
Hoje – e isso é assim há décadas – existem apenas as repetições, que serão intermináveis até que o povo termine com elas, de fórmulas que são as mesmas, sempre as mesmas. Talvez a única coisa que nelas varie seja a boçalidade – as “novas” versões sempre são mais boçais que as antigas. Para chegar a essa conclusão, basta comparar a vulgaridade estúpida dos economistas “neoclássicos” (Marshall, Walras, Jevons) com a estupidez vulgar dos seus repetidores neoliberais (Friedman, Hayek, para não falar da pseudo-romancista e pseudo-filósofa Ayn Rand, que algum maluco há pouco traduziu e publicou no Brasil – com o fracasso que seria de esperar).
O texto de Cláudio Campos que hoje reproduzimos, publicado na Hora do Povo de 19 de fevereiro de 2002, é sobre um desses fenômenos reiterativos. Na época, embora já em defensiva, havia muitos que repetiam palavras do tipo “globalização” como se elas fossem algo mais do que o dito por Galbraith: “algo que nós, americanos, inventamos para roubar os outros países”. E, realmente, foi em nome da “globalização” que se desmontaram Estados nacionais, que se privatizaram estatais, que se assaltaram os cofres dos Erários de todo o mundo, que se escalpelaram povos inteiros.
No entanto, depois disso tudo, só restaram frangalhos, que tentam agora ligar-se uns aos outros, usando como cola-tudo o dinheiro público dos países centrais.
O leitor terá, aqui, mais uma vez, o prazer enriquecedor de tomar contato com a clareza, o estilo e a verve de Cláudio, ao abordar estas questões. Escrevendo alguns anos antes da presente crise, ele não perde jamais o norte. Portanto, mais não é necessário dizer – e já falamos demais – pois o seu texto fala por si mesmo.
C.L.
CLÁUDIO CAMPOS
O escritor italiano Toni Negri apresenta-se como “filósofo”, homem “de esquerda” e “progressista”. E é pretensamente nessa condição que ele sustenta, em entrevista à imprensa, que defender a soberania nacional é querer “retornar ao passado”, que o “Estado nacional está superado”, que “é impossível controlar o fluxo de capitais nos marcos do Estado nacional”.
Não é de estranhar, portanto, que o “New York Times” tenha saudado altissonante a obra de um tal “homem de esquerda” como a “primeira grande síntese teórica do novo milênio”. É de “homens de esquerda” como esse que a direita gosta e precisa.
A “tese” de que o imperialismo “supera” o Estado nacional não tem absolutamente nada de nova. Ela é tão velha e carcomida quanto o próprio imperialismo, e nasceu junto com ele. Já no início do século Lenin desancava essa mesmíssima tese em P. Kievsky (Piatakov) como “completo esmagamento diante da opressão imperialista”. Já Hitler, naturalmente, alardeava que o imperialismo alemão era a feliz “superação” dos Estados nacionais que subjugava.
O imperialismo não “supera” Estado nacional nenhum, até porque, exatamente ao contrário, ele é a exacerbação do nacionalismo das nações opressoras, a hipertrofia do Estado nacional das grandes potências capitalistas, que submetem aos seus interesses os demais Estados e os pretensos organismos “internacionais”. O FMI não enquadra e não subordina os Estados Unidos; pelo contrário, ele é um instrumento do Estado americano para submeter aos seus interesses os demais Estados.
Ao contrário de “superar” o Estado nacional, o imperialismo, além de hipertrofiar o Estado nacional das nações opressoras, esmaga o Estado e os interesses das nações oprimidas. Aí está o exemplo dos países do Leste europeu, cujos estados foram “superados” pelo imperialismo e conduzidos a uma situação de miséria; aí está o caso eloquente da Argentina, e de quase toda a América Latina, que se submeteu à “globalização” imperialista e foi levada à falência; é o caso do Brasil, em que o entreguismo derrubou a produção, o emprego, as exportações e degradou os serviços públicos e as condições de vida da população (ainda que a imprensa servil se empenhe em demonstrar o contrário).
É uma idílica visão do passado sustentar que lutar pela independência e soberania é querer voltar a ele. A independência nunca foi o que preponderou na pré-história em que vivemos.
O homem está organizado em famílias e nações. Ele não existe hoje, a não ser como fantasia de ente errante, fora de sua moldura familiar e nacional. Não lutar pela soberania nacional significa aceitar que as nações sejam oprimidas, submetidas. Conceber um mundo livre formado por povos submissos é tão absurdo quanto pretender uma comunidade saudável composta de indivíduos dependentes, despersonalizados, sem identidade própria.
É um antigo sonho do ser humano que a Humanidade seja uma só, com uma só e integrada cultura e economia, que os homens sejam solidários em todo o mundo, sem estreitezas e egoísmos nacionais. Mas é evidente que isso só pode ser fruto da ação e da decisão de homens livres, conscientes, organizados em nações livres e independentes. O sufocamento, esmagamento e submissão de algumas nações por outras não pode conduzir à “globalização”, integração alguma, mas apenas à desintegração, à escravização da grande maioria. Triste “globalização” essa, em que a propriedade se concentra nas mãos de meia dúzia de miliardários dos países centrais, enquanto toda a periferia é reduzida à condição de párias assalariados ou desempregados!
O imperialismo, a sujeição política e econômica de algumas nações a outras, é hoje exatamente o principal obstáculo a essa integração. Quem quiser de fato alcançá-la precisa se bater energicamente pela independência e soberania dos povos, porque ela é a única coisa que pode servir de base a uma integração verdadeira. Parafraseando Lenin, “não há outro caminho, qualquer outro caminho é uma ilusão e uma fantasia, que conduzirá inevitavelmente a conclusões absurdas e reacionárias”. Como as de Negri, não por acaso tão entusiasticamente saudado pelo N. Y. Times.