
Sob um discurso de combate ao crime e moralização, bolsonarista está facilitando a legalização e entrega do jogo a figuras ligadas ao crime organizado
Enquanto finge combater o crime, o governador bolsonarista Cláudio Castro (PL) escancarou as portas do Estado para o jogo, entregando máquinas de apostas a uma empresa ligada a parentes de bicheiros históricos do Rio de Janeiro – tudo com o apoio da Loterj, autarquia estadual mobilizada para atender a interesses escusos.
Castro autorizou a instalação de máquinas caça-níqueis, agora chamadas de VLTs (Video Lottery Terminals), em bares e estabelecimentos comerciais. Uma das empresas já beneficiadas pela medida é a To All Games, criada há poucos meses, e que tem como sócios ninguém menos que Fernando Souto, sobrinho de Castor de Andrade, e Ailton Guimarães Jorge Junior, filho do “Capitão Guimarães”, bicheiro e ex-militar.
Ambos são figuras conhecidas da velha guarda do jogo do bicho no Rio e já foram citados em investigações do Ministério Público e da Polícia Federal por envolvimento com jogos ilegais. Mesmo assim, a empresa deles foi credenciada pela Loterj para operar os VLTs por todo o Estado.
Cláudio Castro, como de costume, lavou as mãos. Disse que o processo passa por “análise jurídica” e “compliance”. Mas não explicou como uma empresa com sócios ligados a contraventores conseguiu autorização tão rápida. A To All Games foi criada em julho e, em apenas dois meses, já estava credenciada.
De acordo com ele, a ideia do decreto que autoriza a medida, é formalizar e “moralizar” os jogos que já são explorados pelo crime e acabar com “toda essa questão de contravenção”.
Agora, sob o guarda-chuva do bolsonarismo, a empresa quer instalar 9 mil máquinas e abrir 91 salas de jogos em 28 municípios do Estado. O investimento anunciado é de R$ 108 milhões, com expectativa de lucro de mais de R$ 700 milhões em cinco anos. Um dos primeiros pedidos foi para montar 105 máquinas de apostas no Jockey Club da Gávea, na zona sul do Rio.
Questionado sobre o risco de legalizar o caminho para o crime explorar os jogos, Cláudio Castro se limitou a dizer que o decreto ajudaria a “identificar quem estiver lucrando demais” com a atividade, como se isso bastasse para barrar a farra dos infratores. E ao afirmar que “não estou muito preocupado com quem é o empreendedor”, o governador mostra não vê problema em mobilizar a estrutura do Estado para garantir o lucro a quem quer que seja.
Para entrar no esquema, a empresa precisa pagar R$ 5 milhões de outorga ao governo estadual, com uma licença que vale por cinco anos. Além disso, 5% do que for arrecadado nas apostas vai para os cofres púbicos. A expectativa é que esse novo e questionável sistema comece a funcionar ainda em 2025.
O prefeito Eduardo Paes (PSD) se posicionou contra a liberação das máquinas. Disse que vai suspender os alvarás de quem tentar instalar esses equipamentos na cidade. Inclusive, um alvará concedido para a To All Games atuar no Hipódromo da Gávea já foi anulado pela Secretaria de Ordem Pública.
Os VLTs são praticamente idênticos às velhas máquinas caça-níqueis: telas chamativas, temas infantis e promessas de prêmios fáceis. Tudo isso com um “pagamento facilitado por Pix” e funcionamento integrado a um sistema “controlado” pela Loterj. A promessa é de fiscalização e repasse de recursos a projetos sociais. No entanto, ao lavar as mãos para o fator idoneidade, permitindo que qualquer indivíduo atue no setor, a “fiscalização rigorosa” já pode nascer cega – ainda mais em governos com esse tipo de ligação política.
A jogada do governador é mais uma daquelas em que o discurso moralista esconde acordos obscuros. Enquanto se diz defensor da “família”, da “moral” e dos “bons costumes” – supostos pilares que sustentam a hipocrisia bolsonarista – Cláudio Castro entrega a exploração do jogo justamente a quem sempre dominou o submundo da contravenção no Rio.