Ao colegiado investigativo do Senado, o presidente da Anvisa disse que rejeitou a ideia do uso da cloroquina e que não sabe de quem partiu a proposta. Ele disse ainda que o tratamento precoce não deveria ser esse medicamento inapropriado.
Quarto a prestar esclarecimentos à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia no Senado, nesta terça-feira (11), o presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, compareceu à comissão para falar sobre questões relacionadas às vacinas contra a Covid-19 e também sobre o chamado “tratamento precoce”, com uso de cloroquina.
Ele é contra-almirante da Marinha e médico. Seu mandato na agência começou em novembro de 2020 e vai até dezembro de 2024.
Confrontado sobre uso da cloroquina como “tratamento precoce”, Barra Torres disse que “até o momento, as informações vão contra a possibilidade do uso na Covid-19”. “Minha posição sobre tratamento precoce da doença não contempla essa medicação”, afirmou.
O presidente da Anvisa afirmou, no depoimento dele, que a cloroquina é ineficaz e que o único tratamento precoce é a testagem em massa.
SAÍDA RETÓRICA
Ele reconheceu no depoimento que o Brasil passa por problemas de abastecimento de insumos de vacina vindos da China, mas disse desconhecer a relação entre esses problemas e declarações do presidente Jair Bolsonaro contra o país asiático. “Não tenho informação sobre nexo causal”, disse Torres em depoimento à CPI da Covid.
Por óbvio, essa saída, aparentemente técnica, foi um tangenciamento sobre o assunto, pois o país acompanha e percebe o quanto o governo e seus principais agentes, tendo Bolsonaro com artífice, dificultaram a compra dos imunizantes com a antecedência necessária.
PRODUÇÃO DE INSUMOS PARA VACINAS
Barra Torres reconheceu que o Brasil enfrenta dificuldade para adquirir insumo farmacêutico ativo IFA (ingrediente farmacêutico ativo, usado na produção de vacinas) da China e da Índia. “Esses países influenciam em mais de 50% a produção mundial de medicamentos”.
O principal assunto abordado com ele foi o processo de liberação de vacinas contra a Covid-19. Barra Torres foi questionado sobre quais os motivos de a não liberação para a importação da Sputnik V, vacina russa contra o novo coronavírus, e o que tem sido feito pela agência reguladora para agilizar a aquisição de outros imunizantes para o país.
Mais objetivo, Barra Torres explicou os motivos da não aprovação da Covaxin, da empresa indiana Bharat Biotech, e negou ter havido precipitação do Ministério da Saúde ao contratar 20 milhões de doses, já que poderá vir a ser liberada futuramente.
USO DA CLOROQUINA
Direto e objetivo, Barra torres não vacilou em afirmar que foi contrário à proposta de mudanças na bula da Cloroquina. Disse ter alertado, em reunião no Palácio do Planalto, que a bula só pode ser alterada pela Anvisa por solicitação do detentor do medicamento.
A cloroquina, de acordo com estudos científicos, não tem eficácia para tratar a Covid. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro defende reiteradamente o uso da droga como método precoce de combate ao vírus da Covid-19.
Questionado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) sobre os protocolos de uso da hidroxicloroquina no combate à Covid, o presidente informou que o que “houve de aprovação de protocolo foi de pesquisa, de estudo aqui no Brasil; não de uso” por parte da Anvisa.
Assim, explicitamente, Barra Torres não corrobora com as orientações ineptas do presidente da República em relação ao uso de medicamento sem comprovação científica eficaz para conter a expansão da virose.
APARIÇÃO AO LADO DE BOLSONARO EM MANIFESTAÇÃO
No depoimento à CPI, o presidente da Anvisa disse ter se arrependido de ter aparecido ao lado do presidente Jair Bolsonaro em manifestação no início da pandemia, em março de 2020.
“É óbvio que em termos da imagem que isso passa, hoje tenho plena ciência de que se pensasse mais 5 minutos não teria feito”, afirmou.
Ele disse que foi ao Palácio Planalto para conversar em particular com Bolsonaro. “Eu estive no Palácio do Planalto em conversa particular com o presidente naquele dia, havia sim uma manifestação na área em frente ao Palácio do Planalto e quando eu cheguei o presidente deslocou-se para a proximidade dos seus apoiadores o que é comum”, afirmou.
AGENDA DA SEMANA
Na quarta-feira (12), a CPI vai ouvir o ex-secretário de Comunicação Social da Presidência da República Fabio Wajngarten. Na quinta-feira (13), vai ser a vez de a comissão ouvir o depoimento do representante da Pfizer, Carlos Murillo.
O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), anunciou agenda da próxima semana de maio: “[dia] 18, Ernesto Araújo [ex-chanceler]; 19, o ex-ministro [Eduardo] Pazuello; dia 20, Mayra Pinheiro; dia 25, Butantan; [dia] 26, Fiocruz; e [dia] 27, União Química”.
Mayra Pinheiro é chamada ironicamente de “capitã cloroquina”, porque estivera em Manaus, na crise do abastecimento de oxigênio, para entre outros compromissos fazer recomendações do uso de cloroquina e hidroxicloroquina em “doses seguras”.
O depoimento da representante da Pfizer pode surpreender, isto é, ele pode não oferecer “munição explícita contra o governo”, já que a farmacêutica ainda quer o contrato para fornecimento de imunizantes ao Brasil.
QUEBRA DE SIGILO
Senadores da oposição planejam pedir a quebra do sigilo telefônico e telemático de Barra Torres.
A intenção é verificar se ele sofreu pressão do presidente Jair Bolsonaro ou de outro integrante do governo para atrasar a análise do registro de vacinas.
MARCOS VERLAINE (colaborador)