A bandeira do 13 de Maio – sua história, seu significado e seu legado – está firmemente erguida pelo Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB), fundado pelo reverenciado professor Eduardo de Oliveira (6 de agosto de 1926 – 12 de julho de 2012), poeta e autor do Hino à Negritude.
Este ano a pioneira entidade comemorou os 130 anos da Abolição, com shows de samba e capoeira, na Alameda Rio Claro, travessa da Avenida Paulista, na altura do Trianon-Masp, no sábado (12), véspera do Dia das Mães. O evento, por sinal, as homenageou, todas elas, especialmente as mães negras brasileiras. Este é o terceiro ano que o CNAB comemora a data vitoriosa dos negros. “É muito importante. É uma data significativa para nós negros, nela estão envolvidos exemplos de luta e entrega de nossos antepassados para que a abolição acontecesse”, disse, empolgado, o presidente do CNAB, Alfredo Oliveira. “A abolição não foi uma caridade da monarquia, como dizem alguns equivocadamente, foi uma longa e dura luta para nós”, enfatiza Alfredo. “Este 13 de Maio ocorre em um ano de situação grave para o país. São mais de 13 milhões de desempregados, resultado da política de ‘ajuste fiscal’ que foi implantada no governo anterior e o atual continuou, com ‘ajustes’, ‘reformas’ e privatizações. Essa política já era, o Brasil não comporta isso, essa camisa de força não cabe num país enorme como o Brasil, temos que mudar já. Nosso país tem que crescer e os negros terem condições melhores de vida”, afirmou.
Até onde temos informação, o CNAB – dirigido por Alfredo, Ubiraci Dantas (vice-presidente), Cleide Almeida (Finanças), Solange Sales (secretária-geral) – é a única entidade negra que comemora a data.
O evento começou com o grupo Sambaqui tocando músicas do saudoso compositor Luiz Carlos da Vila, como o Sonho não acabou (uma homenagem a Candeia) e A luz do vencedor (“Quem não lutar, pra conquistar o que sonhou…”). Depois foi o samba da Mangueira no carnaval de 1988, centenário da Abolição, o “Cem anos de liberdade, realidade e ilusão”, de Hélio Turco, Jurandir da Mangueira e Alvinho. Para Rubens Olegário, o Rubão, vocal e pandeirista do grupo, a música “é um hino”. Não faltou “Sorriso Negro”, eternizada na voz da belíssima Dona Ivone Lara, música de Adilson Barbado, Jair Carvalho, Jorge Portela e Mario Lago. E ainda teve uma “canjazinha” de Elton Meirelles, guitarrista, violonista e compositor do grupo Sensação. O som do Sambaqui corria solto e no meio da apresentação do grupo uma informal roda de capoeira se abriu no meio da plateia. Lá estavam membros do grupo de capoeira liderado por Fabiano Pavio, professor-instrutor da Capoeira da UMES (União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo).
Após o Sambaqui foi a vez do Democráticos de Guadalupe, Rio de Janeiro, que sempre diz presente! à comemoração do 13 de Maio. Helio de Guadalupe ou Helinho do Cavaco, líder do grupo, disse que não mede esforços para estar presente no evento do CNAB. E descreveu a sua exaustiva maratona para estar ali: na sexta-feira (11) se apresentou no bar Ó do Borogodó, ao lado de Railidia Carvalho, sábado foi cumprir suas obrigações na escola em que é funcionário no litoral paulista para as comemorações do Dia das Mães. “Tô praticamente virado”, disse. “Mas felizes”, emendou Marlene Mendes, sua esposa e vocal do grupo. “É importante estar aqui, porque precisamos resgatar esses temas, coisas como a luta pela liberdade. É importante fazer esse show para resgatar essa luta”, disse.
Um dos momentos mais emocionantes do ato foi, sem dúvida, o canto do arrebatador Hino à Negritude, composto pelo professor Eduardo de Oliveira quando ele tinha 16 anos, com a diretoria do CNAB perfilada no palco.
“Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez”
(Mino à Negritude – Prof. Eduardo de Oliveira)
Nos pronunciamentos, Irapuan Ramos, presidente do CNAB do Rio de Janeiro, saudou o professor Eduardo de Oliveira como o maior líder negro que já existiu no país. E disse que os 130 anos da Abolição é muito pouco para comemorar diante da participação do negro em toda a história do Brasil. “Nós construímos este país. Somos negros, temos muito orgulho disto. Somos a cara deste Brasil”. “Não estamos aqui para pedir nada, não estamos reclamando de nada”. “Nós é que fizemos esta Pátria”, reafirmou. Ele lembrou que a marca do negro está em tudo no Brasil, na cultura, nas artes, na ciência, na engenharia. “Nós não ficamos reclamando de nada, se o Brasil é o Brasil é porque nós, os negros, estamos nele. Esse 13 de Maio é para comemorar a nossa presença nele”. Irapuan chamou a atenção para o grande momento em que o país está vivendo e que esse ano vislumbra grandes mudanças, lembrando das próximas eleições, após as atrocidades que o atual governo praticou contra o povo, como “a falsa reforma trabalhista” e a proposta da “falsa reforma da Previdência”. “Não à qualquer retirada dos direitos do povo. Nós temos que mudar isso”, concluiu. O ativista e jornalista do Alô Comunidade e membro da Juventude do PSB, Felipe Marconato, enveredou pelo mesmo caminho, apontando os prédios da Paulista: “em cada coisa aqui tem o trabalho do negro”. Para ele, o ato promovido pelo CNAB tem que se espraiar pela periferia de São Paulo.
O presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Ubiraci Dantas, Bira, também compartilhou a ideia de Irapuan: “Os negros edificaram este país. Conseguimos construir uma grande nação”. Bira condenou a corrupção e o assalto à Petrobrás praticado pelo Cartel do Bilhão das empreiteiras encabeçado, pela Odebrecht, com a ajuda de corruptos ex-diretores da estatal e de partidos políticos, como o PT e PMDB. “Os caras roubaram o país. Nós não temos medo de mostrar quem roubou o nosso povo, não temos corruptos de estimação. Esse roubo foi praticado contra as crianças pobres, tem crianças morrendo por causa disso”, frisou Bira, que durante seu pronunciamento pediu ao público uma salva de palmas para o eterno presidente do CNAB, o professor Eduardo de Oliveira.
Para Lucas Chen, recém-eleito presidente da UMES-SP, a luta contra a discriminação racial e pela igualdade é uma luta “de todos no Brasil”. Chen declarou que sua entidade assumiu o compromisso de brigar para que seja implementada a lei 10.639/03, alterada pela lei
11.645/08, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. “A lei já existe, mas não foi colocada em prática”, denunciou.
Mauro Bianco, da direção nacional do Partido Pátria Livre (PPL), observou que o professor Eduardo de Oliveira, um dos fundadores e dirigente nacional do PPL, “deixou lições imensas para todos nós”. “Vamos assistir à libertação do Brasil do capital estrangeiro. Vamos enterrar o racismo, como queria o professor Eduardo”, destacou. Mauro observou que entre as lições deixadas por Eduardo de Oliveira estão seu caráter, honestidade e compromisso com o povo e ressaltou que ele ficaria muito indignado porque hoje os membros de partidos que se diziam comprometidos com os trabalhadores estão investigados e presos pela Lava Jato, porque traíram o povo brasileiro, esqueceram seus compromissos e se afundaram na corrupção.
“Tamos juntos no mesmo caminho”, discursou Fernando Schramm, do movimento pela Acessibilidade. Lia Lopes, da Secretaria de Formação das Mulheres Negras da Negritude Socialista Brasileira de São Paulo, agradeceu ao CNAB pelo evento. “É uma entidade que fortaleceu a luta pela igualdade”. “A luta contra a opressão é uma luta de todos”, sintetizou.
Mariara Cruz, da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB), parabenizou o CNAB pelo ato de comemoração dos 130 anos da Abolição e disse que é necessário a implementação de políticas públicas governamentais para desenvolver a população negra e emancipar as mulheres.
Estiveram presentes no ato Eliane Souza, presidente da Federação das Mulheres Paulistas (FMP), Gabriel Alves, coordenador nacional da Juventude Pátria Livre (JPL), Débora Paula, do Instituto do Negro Padre Batista, Bruno Pimentel, do Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial de Osasco (SP), entre outros.
O 13 DE MAIO
A abolição da escravatura aconteceu no dia 13 de maio de 1888. Nesse dia e posteriores houve muita comemoração e não foi por menos. Foi uma revolução no país. Uma luta renhida ao longo de séculos foi desenvolvida para culminar na abolição, com muito sangue e suor dos negros. Mas a luta foi tão intensa que envolveu não só os negros. Vários setores da sociedade brasileira da época entraram com garra nela.
“O 13 de maio foi a vitória da luta da qual Zumbi dos Palmares – assim como Tiradentes em relação à Independência – foi o protomártir. Nenhuma parte, nenhum setor da sociedade ficou fora dela – a cultura brasileira teve em Castro Alves o seu expoente máximo; os militares afirmaram a consciência nacional ao recusar-se a perseguir os escravos, declarando: “não somos capitães do mato”; a Abolição superou todas as divisões partidárias e, até mesmo, étnicas, de Luiz Gama e José do Patrocínio, negros e republicanos, a André Rebouças, negro e monarquista, Silva Jardim, branco e republicano, até Joaquim Nabuco, branco, monarquista e filho de um senhor de engenho.
Em suma, a revolução abolicionista-republicana foi o movimento que constituiu, definitivamente, o povo brasileiro. Nenhum outro foi tão importante para definir a fisionomia da nacionalidade. Neste sentido, a Revolução de 30 é um desenvolvimento de 1888 e 1889, de certa forma a retomada da revolução abolicionista após a derrubada da república oligárquica, aspecto presente até mesmo na formação de seu líder, Getúlio, filho direto do abolicionismo republicano” (cf. Carlos Lopes, Hora do Povo, 13/05/2000).
“É verdade que os vencedores do 13 de maio foram marginalizados durante a República Velha – mas exatamente porque a oligarquia, com seu servilismo aos banqueiros e especuladores ingleses, bloqueou o desenvolvimento e a industrialização do país, continuação natural da Abolição. Foi necessária a Revolução de 30 para que os negros e todo o povo brasileiro conquistassem outra vez o lugar que lhes cabe. Quando Getúlio decretou, entre outras inúmeras medidas, a lei estipulando que pelo menos dois terços dos trabalhadores das empresas teriam que ser brasileiros, começou a ser quebrada essa marginalização. Durante o período de Getúlio, o 13 de maio tornou-se festa nacional; o samba tornou-se a mais universal expressão cultural brasileira; as escolas de samba e seus enredos nacionais tornaram-se o ponto culminante do carnaval; e foram proscritas uma série de perseguições e discriminações contra os negros – entre elas, a que proibia a capoeira: a licença que Getúlio assinou para que o famoso mestre Bimba abrisse a primeira academia de capoeira do país é um símbolo imperecível dos ideais e da luta que o 13 de maio representa na consciência nacional” (idem).
Sem dúvida, um dos maiores abolicionistas foi Luiz Gama, poeta, escritor e advogado. O poeta nasceu em 21 de junho de 1830, na Bahia. Libertou mais de 500 escravos, embora há estimativas de que tenham sido cerca de 1.000.
Em 1840, Luiz Gama, com apenas 10 anos, foi vendido como escravo pelo seu próprio pai, um fidalgo português falido, para pagar uma dívida de jogo. Em 1840 chegou em Santos, São Paulo, vindo do Rio de Janeiro, vendido para o alferes Antônio Pereira Cardoso num lote de mais de cem escravos. De Santos foi até à cidade de Campinas a pé. O herói não viu a abolição, faleceu em 24 de agosto de 1882. Foi sepultado no Cemitério da Consolação em São Paulo, com a presença de 3 mil pessoas numa cidade que tinha 40 mil habitantes na época. São Paulo nunca tinha visto homenagem igual.
Sobre ele, escreveu o poeta Raul Pompeia (1863-1895):
(…) não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como quem pede esmola; outros mostrando as mãos inflamadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor; outros… inúmeros. E Luís Gama os recebia a todos com a sua aspereza afável e atraente; e a todos satisfazia, praticando as mas angélicas ações, por entre uma saraivada de grossas pilhérias de velho sargento. Toda essa clientela miserável saía satisfeita, levando este uma consolação, aquele uma promessa, outro a liberdade, alguns um conselho fortificante. E Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia iluminando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro…E, por essa filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bom…Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que lhe vinha das mãos de algum cliente mais abastado.”
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