“É um enorme retrocesso. O BC pode sair chamuscado disso”, afirmou o ex-ministro da Fazenda. “Essa é uma MP esquisita e surpreendente e o ideal seria recusar integralmente”
O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega afirmou que a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central (BC) é uma “aberração administrativa” sem paralelo no Brasil e no mundo. Ele ressaltou que a atividade do Coaf é “estranha” às funções do BC, que constitui um órgão que “nada tem a ver” com inteligência financeira.
“O fato de regular o sistema não significa que o BC tem atividade semelhante à inteligência financeira, a qual consiste em reunir, processar e analisar informações, base para abertura de processos pelo Ministério Público. O BC não é nada disso. As responsabilidades do BC são cumpridas por meio da política monetária, regulação e fiscalização. Nada a ver com inteligência financeira. Quem falou que o Coaf parece com o BC disse uma bobagem”, apontou.
Maílson participou quarta-feira (25) de audiência pública no Senado sobre a Medida Provisória 893/19, que transforma o Coaf, antes ligado ao Ministério da Economia, na Unidade de Inteligência Financeira (UIF), agora vinculada administrativamente ao BC.
Para o economista, a medida é “um claro e inequívoco desvio de função”. “O Banco Central é um órgão regulador do sistema financeiro, que tem a responsabilidade de assegurar a estabilidade da moeda e do sistema financeiro. O Coaf é conhecido pela qualidade do serviço que presta, tem sua qualidade atestada por instituições que tratam do mesmo assunto nos Estados Unidos”, afirmou.
“O BC pode sair chamuscado disso. As questões políticas envolvendo a coleta de dados pelo Coaf pode repercutir negativamente na gestão e na imagem do BC, o que afeta o seu papel de regulador eficiente”, advertiu.
Ele explicou que o Coaf é resultado do Acordo de Viena, celebrado em 1988 e assinado pelo Brasil, que compõe um sistema de troca de informações e se relaciona com órgãos similares de todo o mundo com o objetivo de aperfeiçoar o combate à lavagem de dinheiro.
Maílson da Nóbrega destacou ainda que vinculação do Coaf ao BC significa uma “redução da importância” do órgão do ponto de vista administrativo. Segundo o ex-ministro, a decisão do governo é uma medida “impensada”, adotada “sem discussão e conveniência”.
“A pressa foi tanta que eles não se deram ao trabalho de verificar que ‘unidade de inteligência financeira’ é denominação genérica desses órgãos, é como mudar o nome de Brahma para cerveja”, disse. Ele recomendou a rejeição da medida: “A melhor atitude dessa comissão é propor a rejeição dessa extemporânea e equivocada MP. Essa é uma MP esquisita e surpreendente. Essa vinculação é um enorme retrocesso”, frisou.
Também convidado para a audiência, o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central, Paulo Lino Gonçalves, endossou as palavras do ex-ministro. “O ideal seria recusar integralmente a MP, inconveniente, mal feita, e que trará problemas nos próximos anos”, avaliou. Ele apontou pontos que considera “preocupantes”, como a escolha dos membros do Conselho Deliberativo do novo Coaf.
“A escolha dos membros do Conselho Deliberativo será feita pelo presidente do BC entre brasileiros com reputação ilibada, sem remuneração. Isso já é uma porta aberta para todo tipo de ingerências. A UIF lida com dados protegidos pelo sigilo da pessoa física e jurídica. Ninguém melhor que servidores públicos de carreiras especializadas para lidar com esses dados. Eles estariam protegidos das pressões em razão de suas prerrogativas, como a estabilidade”, disse.
O presidente da Associação Nacional dos Analistas do Banco Central, Henrique Seganfredo, reforçou a preocupação e disse que a entidade está apreensiva com “a possível vinda de agentes sem a devida experiência e conhecimento, como costuma ser em cargos de livre nomeação”. “Qual será a autonomia técnica dessa UIF sendo dominada por pessoas sem vinculação?”, indagou.
Bolsonaro quer o Coaf no Banco Central por ter ficado incomodado e irritado com o órgão, que detectou movimentações financeiras suspeitas do seu filho Flávio e de Fabrício Queiroz, ex-motorista e assessor deste.
Fabrício Queiroz movimentou R$ 7 milhões entre 2014 e 2017, sem ter renda para isso, quando atuava na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), no gabinete de Flávio Bolsonaro, então deputado estadual. As investigações mostram que se tratava da famosa “rachadinha”, isto é, recolhimento ilegal de valores dos funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro.
O próprio filho de Bolsonaro teve identificadas pelo Coaf movimentações atípicas nas suas contas. O Coaf identificou, pelo menos, 48 depósitos de R$ 2 mil, em curto espaço de tempo. E o próprio pai admitiu depois que Queiroz depositou R$ 1 milhão na conta do filho.
Com informações da Agência Senado
W. F.