Cinco bairros da capital alagoana são afetados pelo afundamento do terreno e mais de 14 mil imóveis já foram desocupados na região desde que o problema começou
A prefeitura de Maceió (AL) decretou situação de emergência por 180 dias por causa do iminente colapso da mina 18 de exploração de sal-gema da Braskem, que pode provocar o afundamento do solo em vários bairros da capital alagoana. Segundo informações da Defesa Civil Municipal, uma das 35 minas está cedendo a uma velocidade de 62 centímetros por dia. O afundamento já chegou a 1,87 metros.
A área foi desocupada e a circulação de embarcações da população está restrita na região da Lagoa Mundaú, no bairro do Mutange, na capital.
Um Gabinete de Crise foi criado emergencialmente pela Prefeitura por causa do caos impetrado pela empresa privada que comanda a mina. Ele comunicou oficialmente os órgãos de controle e de segurança sobre o perigo do desastre, entre eles os comandos da Marinha e do Exército.
Durante anos, as pessoas que vivem na área reivindicaram realocação, mas só foram retiradas da região depois da decisão da Justiça nessa quinta-feira (30).
Moradores do Bom Parto, em Maceió, foram obrigados a sair de casas às pressas e deixar tudo para trás. Uma decisão da Justiça Federal autorizou que o Estado use a força policial caso as pessoas resistam a deixar o local.
Os moradores vêm pedindo a inclusão no Mapa de Risco da Defesa Civil que garante a realocação das famílias e indica a necessidade de desocupação das áreas afetadas. Somente quem foi incluído no mapa tem direito à compensação financeira paga pela Braskem, petroquímica responsável pela mineração que causou o problema, que começou em 2018 com um intenso tremor de terra .
Mais de 14 mil imóveis já foram desocupados na região desde que o problema começou, em 2018. Cinco bairros da capital alagoana são afetados pelo risco de afundamento pela extração de sal-gema pela Braskem: além do Mutange, Bom Parto e Bebedouro, as áreas de Pinheiro e Farol.
A marisqueira Marivânia dos Santos Venâncio afirma que a forma como os moradores estão sendo retirados de suas residências, às pressas e sem nenhum preparo, não é o que eles esperavam.
“Eles falaram que a gente tinha de sair de qualquer jeito. E aí chegaram lá com dois ônibus, situação foi essa que generalizou lá uma confusão porque muitos não aceitaram, porque a gente já vive indignada há muitos anos, muitos meses e anos, e aí eles chegaram do nada, pra retirar todo mundo”, afirmou Marivânia.
Na quarta-feira (29), a Defesa Civil da cidade informou que os últimos tremores se intensificaram e houve um agravamento do quadro na região já desocupada. “Estudos mostram que há risco iminente de colapso em uma das minas monitoradas. Por precaução e cuidado com as pessoas, reforçamos, mais uma vez, a recomendação de que embarcações e a população evitem transitar na região até nova atualização do órgão”, informa a prefeitura.
A Braskem nada fez e então coube a Prefeitura mitigar os danos causados pela petroquímica. Nove escolas foram estruturadas com carros-pipa, colchões, alimentação, equipes de saúde, equipes da Guarda Municipal e de assistência social para receber até 5 mil pessoas vindas das regiões afetadas.
Além disso, 85 pacientes do Hospital Sanatório, que fica localizado em área de risco, foram encaminhados para outras unidades de saúde, entre elas o Hospital Universitário, que também recebeu equipamentos para a hemodiálise de 352 pessoas.
Em nota, a Braskem afirma que monitora a situação da mina e desde a última terça-feira (28) isolou a área de serviço da empresa, onde são executados os trabalhos de preenchimento dos poços. “Os dados atuais de monitoramento demonstram que o movimento do solo permanece concentrado na área dessa mina”, informou.
GOVERNO FEDERAL ENVIA EQUIPE
Os ministros do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, e dos Transportes, Renan Filho, estão em Maceió (AL) com uma equipe de técnicos para monitorar o risco iminente de colapso da Mina. A informação foi divulgada pelo presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin.
Segundo Alckmin, representantes da Defesa Civil Nacional e do Serviço Geológico do Brasil também chegaram ontem à capital alagoana. “Estamos atentos e de prontidão para as ações que forem necessárias e ajudar no que for preciso”, disse o presidente em exercício.
EXPLORAÇÃO DESENFREADA
Por causa da exploração mineral subterrânea realizada no local, diversos bairros tiveram que ser evacuados emergencialmente em 2018. Rachaduras surgiram nos imóveis da região, seguido de um tremor de terra, criando alto risco de afundamento. Mais de 55 mil pessoas tiveram que deixar a região, que hoje está totalmente desocupada.
Recentemente, a Braskem foi condenada pela Justiça a indenizar o estado de Alagoas por danos causados pela exploração de sal-gema, que resultou na retirada da população de cinco bairros de Maceió. O sal-gema é uma matéria-prima usada na indústria para obtenção de produtos como cloro, ácido clorídrico, soda cáustica e bicarbonato de sódio.
A atividade de mineração em Maceió teve início na década de 1970, quando a Salgema Indústrias Químicas S/A começou a extrair sal-gema, um minério utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC. Posteriormente, a empresa foi privatizada passou a se chamar Braskem, e a extração passou a ser feita com autorização do poder público.
Em fevereiro de 2018, as primeiras rachaduras foram observadas no bairro do Pinheiro, com uma delas atingindo 280 metros de extensão. No mês seguinte, um tremor de magnitude 2,5 foi registrado, agravando as rachaduras e provocando danos irreversíveis nos imóveis.
Somente um ano depois, em fevereiro de 2019, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão ligado ao governo federal, confirmou que a mineração era responsável pela instabilidade no solo.
Em junho de 2019, foram emitidas as primeiras ordens de evacuação para os moradores do Pinheiro, Mutange e Bebedouro. À medida que a situação se agravava, a ordem também foi estendida para parte do Bom Parto e do Farol. Desde então, mais de 14 mil imóveis foram desocupados na região, afetando cerca de 55 mil pessoas e transformando áreas antes habitadas em verdadeiros bairros fantasmas.
Após a confirmação de que a mineração era a principal causa da instabilidade do solo, a Braskem diz ter iniciado um intenso trabalho de fechamento e estabilização de 35 minas na região do Mutange e de Bebedouro, com profundidade média de 886 metros. No entanto, em novembro, após cinco tremores de terra, a Defesa Civil de Maceió alertou para o “risco de colapso em uma das minas”, a de número 18, próxima da lagoa Mundaú, o que poderia resultar em uma imensa cratera.
O professor da UFAL, Abel Galindo, avalia que o desabamento da mina 18 poderia afetar duas minas vizinhas, formando uma cratera que seria capaz de acomodar o estádio do Maracanã. Esse evento teria sérias consequências ambientais, incluindo a salinização da água da lagoa e danos à área de mangue na região.
CPI NO SENADO
Por causa da situação, o Senado instaurou, em outubro, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação da empresa Braskem em Maceió. Segundo o requerimento da CPI assinado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) a tragédia em Maceió foi o “maior acidente ambiental urbano já constatado no país”.
Mas, apesar de autorizada, a comissão ainda não iniciou os trabalhos por falta de indicações dos representantes partidários.
Renan justificou que a CPI deve ser criada por conta da Braskem estar “pendente de pagamento de obrigações com as famílias que tiveram suas vidas destruídas”, enquanto “distribuiu” dividendos bilionários aos seus acionistas em 2021.
“Como pode a empresa pagar aos seus diretores e conselheiros mais de R$ 85 milhões por ano quando foram esses mesmos executivos que estimaram erroneamente e para menos a provisão referente ao passivo de Alagoas em aproximadamente R$ 1 bilhão?”, questionou.
O senador também defendeu que há um “interesse público a ser observado” porque a Petrobrás tem acordo de acionista com a Novonor (ex-Odebrecht) para o controle da Braskem. O parlamentar disse que comunicou a existência da CPI ao presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates.
“O que a Braskem proporcionou a Maceió foi o maior acidente ambiental urbano de todos os tempos no mundo”, disse Renan, na época.
Leia mais: