“E isso vai ser dramático para o Brasil”, alerta o especialista Paulo Roberto Feldmann, ex-presidente da Eletropaulo e professor da USP, para quem “culpar São Pedro pela crise é uma injustiça”
Falta de investimentos e de planejamento são as verdadeiras causas da iminente crise energética no país, avalia o professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente da Eletropaulo, Paulo Roberto Feldmann.
“A maior injustiça que existe nessa crise de agora é querer colocar a culpa em São Pedro. Porque só se fala que o problema é a falta de chuva”, opinou o especialista em entrevista para o UOL News, enfatizando que a crise energética atual é semelhante à situação que culminou no apagão em 2001. Para ele, em 20 anos teria sido possível fazer os investimentos necessários para que o Brasil não tivesse que parar de novo.
“Tudo isso é uma coisa até deprimente, porque na verdade o Brasil passou exatamente por isso em 2001, há 20 anos atrás. Foi exatamente a mesma crise, passaram-se 20 anos e nós continuamos do mesmo jeito. Faltam linhas de transmissão, continuamos dependentes das termelétricas, não estimulamos outras formas de energia”.
O ex-presidente da Eletropaulo complementa dizendo que a escassez de chuvas em 2021 já era prevista há pelo menos dois anos e “nada foi feito pelo atual governo”.
“O governo teve todas as condições de começar esse trabalho há dois anos atrás. Há dois anos já se sabia que teríamos uma seca muito violenta pela frente. Há um ano, a seca já estava lá e foi responsável por nossos reservatórios terem diminuído de uma forma tão rápida. Então o problema já estava muito grave há um ano, nada foi feito”, completou.
Ele cita, como medidas “emergenciais” que poderiam ter sido tomadas pelo governo Bolsonaro, a aceleração da construção de linhas de transmissão no país: “porque a gente tem reservatório com água em algumas regiões do país, o que não tem é linha de transmissão para trazer a energia gerada naquela região para cá, o sudeste principalmente”.
Aumento da conta de luz e racionamento
“Esse aumento nas contas de energia elétrica que estamos sofrendo hoje é decorrente do acionamento das termelétricas, que foram ligadas. O pior: elas terão de ser ligadas com maior intensidade. Outras termelétricas vão ter que entrar no sistema nas próximas semanas. Tudo isso vai encarecer muito a nossa conta de luz e tudo isso poderia ter sido evitado”, completa Feldmann.
Jair Bolsonaro foi à público na última semana apelando para que as famílias “tomem banho frio” e “deixem de usar o elevador” para contribuir com a redução do consumo de energia no país, como se a população fosse responsável por sua política de desmonte do setor elétrico.
Perguntado sobre a declaração de Bolsonaro, Paulo Feldmann diz: “É capaz que a gente acabe chegando a esse ponto por uma razão simples: não porque o presidente está falando pra fazer isso, mas por necessidade. O chuveiro elétrico consome muita energia e como a energia vai pesar muito na conta das pessoas daqui pra frente, as pessoas vão começar a se preocupar com o que podem cortar pra pagar menos”.
A adoção de taxas extras na conta de luz para compensar o encarecimento da geração de energia elétrica tem contribuído para a crise inflacionária do país e antecipado um “racionamento forçado”. Após novo reajuste a partir de primeiro de setembro, cada 100 kWh consumidos passaram a custar R$ 14,20 – que são adicionados a uma tarifa média de R$ 60,00.
Além do drama do racionamento e do apagão, Feldmann adiciona que a situação afetará muito a economia do país. “Vai piorar a situação da inflação. Precisamos de energia pra tudo e tudo vai aumentar o preço. Portanto a nossa inflação vai ficar pior ainda”.
O IPCA-15, prévia da inflação de setembro, aponta que a energia elétrica teve alta de 3,61% em setembro, após aumento de 5% em agosto. No ano, a alta acumulada foi de 20,27%, enquanto nos últimos 12 meses foi de 25,26%.
“A perspectiva é muito ruim, de termos um verão sem luz. E isso vai ser dramático para o Brasil”, prevê. “E nem estamos falando das empresas, porque imagina o impacto em uma fábrica que precisa de energia elétrica para a sua produção e que não vai ter energia em algumas horas por dia. Então tudo isso é dramático, uma repetição de 2001. Foi um dos piores anos para a economia, por conta justamente do apagão”.