O instituto de Medicina Legal da Colômbia confirmou que a testemunha Rafael Merchán, ex-secretário de Transparência da Presidência, uma das principais testemunhas do caso Odebrecht no país, morreu envenenado por ingestão de cianureto.
A notícia foi divulgada através de informe do IML colombiano no dia 9. Merchán foi encontrado morto no dia 27 de dezembro e os familiares – que logo disseram que o ex-secretário se suicidara – foram notificados, pelo IML, da morte por ingestão do veneno ainda em dezembro, enquanto que para o público em geral o informe chega somente agora.
O IML alega que o motivo para a demora na ampla divulgação do laudo se deve ao atendimento a uma solicitação dos familiares do falecido.
Para o instituto dos legistas colombianos, todos os indícios levantados comprovariam que Merchán se suicidou. Como vimos, a informação coincide com a de sua família que, em comunicado no dia 28 de dezembro, já declarara que Merchán se matou por “decisão pessoal e autônoma”. No comunicado, a família também pediu à imprensa distância em “respeito ao luto familiar”.
A testemunha foi intimada a depor no início de dezembro no processo movido contra o ex-diretor da Agência Nacional de Infraestrutura (ANI), Luis Fernando Andrade, sob cuja gestão, à frente do órgão público, a Odebrecht foi agraciada com a obra de ampliação da rodovia Ruta del Sol II (segundo trecho de uma obra de duplicação da rodovia que liga Bogotá e cidades do interior da Colômbia às cidades portuárias mais importantes, a exemplo de Cartagena e Barranquilla).
A parte da rodovia adjudicada ao consórcio integrado pela Odebrecht está avaliada em R$ 1,245 bilhões, pelos quais a procuradoria colombiana estima que foi distribuída propina no valor de 107 milhões de reais.
A sequência de fatos relatados pela Procuradoria Geral da Colômbia para comprovar a tese do suicídio mostra a testemunha com uma determinação desesperada de tirar a própria vida.
O corpo foi encontrado no dia 27 de dezembro. Segundo o procurador-geral, Martínez Neira – que apresentou a linha do tempo referente ao suicídio, juntamente com fotos e um vídeo no qual se vê Merchán segurando um pote, que a Procuradoria supõe, de cianureto – o falecido começara as averiguações para a compra do produto, conforme registros em seu celular, no dia 11 de dezembro, ou seja, poucos dias depois de ser intimado a depor, arrolado como testemunha de defesa do acusado Luis Fenando, ex-diretor da ANI.
Merchán teria realizado várias chamadas a empresas que vendem produtos químicos, no dia 11.
Ao final destas ligações, ele teria saído de seu apartamento, tomado um taxi para uma corrida a um dos estabelecimentos contatados. Entrevistado pela Procuradoria, o motorista do taxi relatou que o cliente parou em um caixa eletrônico para sacar.
A Procuradoria diz ainda que o suicida chegou ao estabelecimento pretendido e comprou um quilo de cianureto pelo valor equivalente a R$ 40,00.
Vídeo
Um vídeo da aparelhagem de segurança do prédio onde Merchán mora, mostra ele tirando de dentro de uma sacola de plástico um pote de um produto e o recolocando de volta. A seguir, Merchán se move de forma ansiosa dentro do elevador.(https://www.youtube.com/watch?v=o5apipK3GQY)
A morte por suicídio sobreviria entre os dias 21 e 22 de dezembro. O corpo do morto só foi localizado no dia 27, cinco dias depois da família ter dado por sua falta.
Após este informe, o procurador declarou o caso de Merchán “arquivado”, apesar de reconhecer uma “atipicidade de conduta” do falecido, e disse ainda que a Procuradoria iria “tomar a iniciativa de por um ponto final na venda livre de cianureto na Colômbia”.
A morte de Rafael Merchán vem depois do falecimento de outra testemunha chave, Jorge Enrique Pizano, em 8 de novembro do ano passado.
Mais morte por cianureto
Neste outro caso, o IML disse que Pizano teria perecido de morte natural: “um infarto”. A rápida conclusão foi, no entanto, contestada pela morte do filho de Pizano, Alejandro, que havia vindo de Barcelona para o enterro do pai. Ele bebeu de uma garrafa de água aromatizada que havia encontrado sobre a escrivaninha do escritório do pai e morreu a caminho do hospital. Na garrafa foram encontrados traços do veneno cianureto.
Diante desta ocorrência, o IML colombiano se comprometeu a uma revisão da autópsia e de que um novo laudo revelaria se há ou não traços de cianureto no cadáver de Jorge Pizano. O novo laudo até agora não foi apresentado, passados dois meses do início da prometida revisão pelo IML.
Perguntas em torno de um caso nebuloso
As informações e atitudes, tanto do IML da Colômbia, assim como da Procuradoria Geral do país, deixam no ar mais perguntas do que os esclarecimentos que se poderiam esperar destes órgãos.
Poderíamos perguntar, por exemplo, por que a testemunha Merchán – naquilo que a Procuradoria designou de “atipicidade de conduta” – foi tomada de tal determinação suicida assim que chamada a depor? Por que a família inteira se nega a qualquer contato com a imprensa? Teriam havido ameaças não somente à testemunha, mas também a seus familiares caso esta atendesse à intimação da Justiça e fosse depor?
E ainda, por que, diante de tantos questionamentos, naturalmente resultantes da própria morte de Merchán, o caso foi tão rapidamente arquivado?
Quanto à testemunha Pizano e o seu filho, este último também por ingestão de cianureto, e o primeiro, com a mesma causa mortis pendente de confirmação, não seria o caso de se perguntar por que o IML leva tanto tempo para exarar um laudo acerca de um caso de tamanha gravidade?
Pizano apresentara, desde 2015, à Procuradoria Geral demonstrativos de irregularidades envolvendo o consórcio encabeçado pela Odebrecht. No entanto, o processo só foi ativado, com as primeiras prisões, em 2017, depois que a própria Odebrecht confessou ter distribuído subornos em países da América Latina.
Não é o caso de se investigar as relações que as coincidências envolvendo as duas mortes trazem à tona? Afinal, duas testemunhas centrais morrem em um intervalo de curto tempo com a presença do mesmo veneno em torno destes falecimentos…
Além disso, há as denúncias de que o procurador-geral, Martínez Neira, teria interesse no abafamento e não no esclarecimento de um caso que vem se tornando cada vez mais nebuloso. Antes de ocupar o cargo de procurador, ele atuou como advogado do Grupo Aval, conglomerado bancário que controlava a maioria das ações da Corficolombiana, empresa associada à Odebrecht no consórcio que assumiu a obra Ruta del Sol II.