O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) interrompeu o julgamento contra Jair Bolsonaro com 3 votos a favor de sua inelegibilidade e um contrário. A Corte voltará a analisar o caso nesta sexta-feira (30), às 12h.
Os ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares votaram nesta quinta-feira (29).
Ainda faltam votar a ministra Cármen Lúcia (vice-presidente do TSE) e os ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal.
Falta somente um voto para que Jair Bolsonaro seja declarado inelegível pelos próximos oito anos por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Raul Araújo votou pela absolvição do ex-presidente, enquanto os ministros Floriano Marques e André Tavares seguiram o relator, Benedito Gonçalves, e se posicionaram pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro.
O julgamento é sobre a reunião ilegal que Jair Bolsonaro realizou, em julho de 2022, com embaixadores estrangeiros que foi transmitida pelas redes sociais e pela TV Brasil. No encontro, o então presidente falou diversas mentiras sobre o processo eleitoral brasileiro e atacou a Justiça Eleitoral sem provas nenhuma.
Segundo o ministro Floriano de Azevedo Marques, “o caráter eleitoral era central naquela atividade e o caráter de exercício das relações estrangeiras do Brasil era absolutamente marginal”, ao contrário do que dissera a defesa de Bolsonaro.
“A performance patenteou-se menos como a de um chefe de Estado no exercício da competência de travar relações com nações estrangeiras e mais como um comportamento típico de campanha eleitoral”, enfatizou. O ato esteve “muito distante da liturgia do cargo de presidente da República”, sustentou.
Floriano afirmou que Jair Bolsonaro usou “os meios à disposição do presidente da República para uma atuação da persona candidato” e seu discurso teve “tom claramente confrontacional àqueles indicados como adversários ou inimigos. Comportamento típico de candidato não cabente na atuação” de presidente.
O ministro do TSE apontou que Jair Bolsonaro, em sua fala televisionada e transmitida pelas redes sociais, buscou “angariar proveitos eleitorais na disputa de outubro em desfavor de seus concorrentes”.
A discurso de Bolsonaro teve trechos de “autopromoção”, que “em nada discrepariam de um trecho de abertura de propaganda eleitoral gratuita”, falas “negativa aos adversários, consistente em associar seu principal concorrente à características reprováveis” e “automartirização”, apresentando-se como “perseguido” ou “injustiçado” pelo sistema eleitoral.
Jair Bolsonaro ainda se apresentou como “ombreado às Forças Armadas”, repetindo várias vezes que era comandante supremo da instituição militar.
Ele ainda atacou, com mentiras, ministros do TSE alegando que eles seriam contrários à sua eleição.
Jair Bolsonaro “usa os meios que dispunha, como presidente da República, para se pronunciar na disputa eleitoral granjeando empatia com a população e construindo, novamente, a imagem de um ‘depurador das instituições corroídas’. Isso tem um nome: emprego eleitoral, em benefício do incumbente, dos meios que dispõe como chefe do Executivo, conduta juridicamente qualificada como abuso de poder”, explicou o ministro Floriano de Azevedo Marques.
GRAVIDADE
Jair Bolsonaro “conspirou contra a imagem da República e a imagem internacional da Pátria”, destacou.
“O que pode ser mais grave no agir do chefe de estado que, visando objetivos eleitorais, mobilizar o aparato da República para passar, internacionalmente, a ideia de que as eleições brasileiras não são limpas?”
“O que de mais greve pode existir do que acusar, buscando repercussão internacional, três ministros da Suprema Corte de serem asseclas de terroristas e criminosos?”, continuou.
“O que pode ser mais grave do que achincalhar, perante representantes estrangeiros, o regime democrático dizendo que um de seus pilares, as eleições livres, são forjadas e ardilosamente manipuladas? O que haveria de mais abusivo do que amesquinhar a Nação apresentando-a como uma republiqueta bananeira?”, questionou.
TERRAPLANISMO
Floriano acrescentou que “alguém pode acreditar que a Terra é plana, mesmo contra todas as evidências científicas. Esse sujeito pode, ainda, integrar um grupo de estudos terraplanista ou uma Confraria da Borda Infinita e dedicar seus dias a imaginar como um avião daria a volta no plano para chegar no outro extremo. Porém, se esse credo for de um professor da rede pública, não lhe é permitido ficar a lecionar inverdades científicas a seus alunos, pois isso seria desviar as finalidades educacionais”.
“As convicções íntimas de quem quer que seja são respeitáveis e a sua externação, desde que não fira outro direito constitucional, tem que ser preservada. Mas exercer a competência pública para propalar, com a legitimidade de chefe de Estado, uma inverdade já sabida e reiterada, é desvio de competência”, argumentou.
ANDRÉ TAVARES
O ministro André Tavares, que foi o terceiro a votar pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro, disse que a tese da defesa está “totalmente descolada da realidade” ao dizer que o ex-presidente não disseminou mentiras.
Bolsonaro fabricou “uma nova camada inteiramente falsa exuberante em aspectos fantasiosos”. O discurso feito por ele na reunião com embaixadores é “falso e tendencioso”.
O evento foi, segundo André Tavares, parte de “uma estratégia eleitoral calcada em questionamentos e ataques, despidos de base racional, voltados ao sistema eleitoral no interesse eleitoral” de Jair Bolsonaro. “Houve, portanto, desvio de finalidade, caracterizando-se desvio de poder”.
O ministro citou “invenções”, “mentiras grosseiras”, “fatos forjados” e “distorções severas” no discurso do ex-presidente. “Não é pouco. Mais do que mentiras, forma-se um mundo de perturbações severas à democracia e às instituições com intuito eleitoral”.
“A necessidade de um Tribunal Superior Eleitoral, na sequência do evento, expedir nota pública para rebater os argumentos não transmuta o evento em um mero diálogo institucional. Que tipo de diálogo seria esse no qual existe de um dos lados ataques infundados e mentiras?”, rebateu.
DIVERGÊNCIA
O ministro Raul Araújo foi o único, até agora, que votou pela absolvição de Jair Bolsonaro, alegando que Jair Bolsonaro tentou um “diálogo institucional público” sobre o processo eleitoral brasileiro.
Os aliados de Bolsonaro tinham a expectativa de que o ministro pedisse vistas do processo, adiando a decisão do TSE, mas foram frustrados.
“Boa parte do discurso [de Bolsonaro na reunião] reconheço como normal”, assinalou Araújo.
Para ele, a reunião com embaixadores, “independentemente dos trechos inverídicos contidos, foi um ato solene cujo protagonista foi o presidente da República”.
O ministro se posicionou contra admitir a minuta de decreto golpista encontrado na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, como prova no processo. Raul Araújo negou que os ataques contra a democracia que aconteceram depois das eleições, como o do dia 8 de janeiro, em Brasília, tenham qualquer relação com a disseminação de mentiras sobre o processo eleitoral realizada por Jair Bolsonaro.
A leitura de seu voto foi interrompida por uma fala da ministra Cármen Lúcia, que salientou que o julgamento não era sobre a minuta golpista, mas sobre o ato eleitoreiro de Bolsonaro na reunião com embaixadores.
“Não está aqui se apurando a minuta. Foi um reflexo da conclusão que eu tive no meu voto, dos efeitos do discurso feito na reunião que se apura no tocante à inverdade [sobre] as urnas eletrônicas”, disse Cármen Lúcia.
PEDRO BIANCO