Em meio à estagnação que já dura três anos e desindustrialização, a Alemanha, sob o governo do ex-executivo da BlackRock Friedrich Merz, anunciou que irá torrar U$ 440 bilhões para transformar o Bundeswehr “no exército convencional mais forte da Europa” e deixá-lo “pronto para a guerra” até 2029, sem esconder que o alvo é a Rússia.
O anúncio se soma outra declaração, esta de agosto, em que Merz asseverou que não há mais como bancar o Estado de Bem Estar Social que, “da forma como o temos hoje, já não é mais financiável com o que conseguimos produzir economicamente”, ou seja, lá vem mais arrocho.
Em suma, após empurrar o país para a desindustrialização e estagnação, consequências óbvias da aceitação canina, por Berlim, da exclusão do gás russo barato para suas indústrias, para no lugar pagar “preço de Chanel” pelo GNL norte-americano, como ironizou recentemente o presidente da Duma, Vyacheslav Volodin, o governo de Berlim busca chafurdar ainda mais fundo nesse pântano, sob o pretexto da “ameaça russa”.
“Ameaça” que é como o partido da guerra na Europa chama a resistência russa à expansão da Otan até suas fronteiras, à supressão da neutralidade da Ucrânia bem como cassação dos direitos – língua e religião – dos russos étnicos do Donbass.
Em março, Merz – a propósito, neto de nazista – havia proclamado que “a Alemanha está de volta”, ao anunciar então acordo com os social-democratas e os verdes para destinar 1 trilhão de euros, em dez anos, para o rearmamento, passando por cima de um limite constitucional de endividamento.
“De volta”: uma declaração curiosa, partindo de um país tristemente conhecido na história por ter arrastado o mundo para duas guerras mundiais e por ser, depois dos EUA, o maior fornecedor de armas e dinheiro ao regime neonazista de Kiev.
Também é de Merz, ainda antes de se tornar primeiro-ministro, a declaração de que a Europa está a “cinco minutos para a meia noite” – uma referência ao famoso relógio da hecatombe nuclear, mantido pelo Boletim dos Cientistas Atômicos dos EUA desde 1947.
Quando, em 2019, o então presidente Trump retirou os EUA do Tratado INF de Proibição de Mísseis Intermediários, assinado por Reagan e Gorbachev, e que evitara por quatro décadas uma guerra nuclear na Europa, Merz nada tenha dito. Retirada que tornou mais inadiável uma solução para a manutenção da neutralidade da Ucrânia.
Merz também não reclamou quando o então premiê Scholz revelou ter sido comunicado pelos EUA de que instalaria de volta mísseis na Alemanha até 2026 – a razão para o estado de quase guerra nuclear na Europa nos anos 1980.
LAVROV ADVERTE CONTRA “QUARTO REICH”
O presidente Putin já aconselhou os líderes europeus várias vezes a que esfriem a cabeça, acrescentando que a Rússia não tem o menor interesse, ou necessidade, nessa pequena península da Eurásia, e que só precisa de que seja restaurada a segurança comum e indivisível instituída em Helsinki, sem expansão da Otan, sem sanções e sem neonazismo na Ucrânia.
E que a Rússia vem trabalhando para que a Eurásia estabeleça uma estrutura de segurança que não discrimine nem ameace quem quer que seja, com base em experiências como a Organização de Cooperação de Xangai, a Asean e as relações mutuamente benéficas e respeitosas Rússia-China.
Estrutura na qual todos os países da região tenham assento em igualdade de condições, e sem clubes privados e exclusivos. Em suma, como ressaltou o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, evitar que “nosso vasto e belo continente” – a Eurásia – se torne “um feudo da Otan”.
“Não podemos concordar com isso. Ou haverá segurança universal ou nenhuma, e cada um estará por sua conta”. “Não tínhamos e não temos nenhuma intenção de atacar qualquer um dos atuais Estados-membros da Otan e da EU”, acrescentou, apontando que a Rússia está preparada para “consagrar essa posição em futuras garantias de segurança para esta parte da Eurásia”.
Sobre o frenesi militarista na Europa, Lavrov advertiu que o premiê alemão quer transformar a Alemanha mais uma vez na “principal máquina militar da Europa” e que a União Europeia está se degenerando para um novo “Quarto Reich”.
Ele também acusou o governo alemão de estar diretamente envolvido na guerra contra Rússia. Depois dos EUA a Alemanha é a maior fornecedora de armamento para a Ucrânia.
No esforço para demover os aventureiros de plantão, e dada a previsível histeria pela iminência da queda de dois baluartes dos neonazis em Donetsk, Poprovsk e Kupiansk, na semana passada a Rússia realizou testes de novas armas de seu arsenal – como o drone submarino Poseidon e o míssil de cruzeiro Burevestnik, ambos de propulsão nuclear.
Como observou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, “Se não existisse a ameaça proveniente da Europa, então, claro, não seriam necessárias medidas adicionais de defesa”. Para ele, não há indícios de que a “histeria militarista” na Europa e os sentimentos antirrussos desaparecerão a curto prazo.
A Rússia continua aguardando que o governo Trump se pronuncie oficialmente sobre a proposta do presidente Putin de uma moratória de um ano nos limites já estabelecidos pelo Tratado Nuclear Novo Start, que caduca em fevereiro do próximo ano, para que haja tempo para a discussão e assinatura de um novo tratado.
FRENESI PELA GUERRA SE ALASTRA NA EUROPA
“Entramos em uma era de rearmamento”, alvoroçou-se Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, na cúpula da União Europeia que teve como pauta dobrar anualmente os gastos militares para 800 bilhões de euros [mesmo patamar do Pentágono].
E essa gente boa toda é contra qualquer negociação com a Rússia e não disfarça sua pretensão de que a irão “derrotar estrategicamente” – embora seja outra coisa o que se constate nas linhas de frente.
O frenesi pela guerra também foi açulado pela cúpula da Otan que, por ordem de Trump, aprovou o aumento do gasto militar dos países membros de 2% para 5% do PIB, a ser gasto, preferencialmente, com as armas fabricadas pelos cartéis norte-americanos.
Desses, uma parte, 1,5% do PIB, poderá ser metamorfoseado como “gastos com infraestrutura”, já que as pouco cuidadas pontes europeias, por exemplo, não parecem aguentar os tanques passando.
No mês passado, a mídia europeia alistou-se a esse “esforço de guerra”, noticiando estranhas aparições de drones, supostamente russos, nos mais variados cantos do velho continente, visando gerar medo na população.
Aparições estapafúrdias, mas muito convenientes para explicar tamanha pilhagem de direitos e benefícios sociais sob pretexto de “investir na defesa”.
Ao mesmo tempo, alguns dos mais desacreditados “líderes” europeus, como sir Starmer, Macron e Merz, campeões de impopularidade, seguem apostando na guerra “até o último ucraniano” no leste, inclusive propondo enviar tropas “de paz” e pagando aos EUA pelas armas entregues à Ucrânia.
Outro aspecto nauseante da campanha pela guerra e pela anexação da Ucrânia pela Otan é a ocultação do caráter neonazista do regime de Kiev, da profusão de suásticas e outros símbolos ligados às SS nas hostes ucranianas que foram flagrados, até episódios como o do nazista ucraniano que emigrou para o Canadá após a II Guerra e foi homenageado em pleno parlamento canadense na presença do próprio Zelensky.
E a ocultação de que o conflito na Ucrânia foi desencadeado não em 2022, mas em 2014, quando um golpe da CIA instaurou em Kiev um regime pró-Otan e russófobo.
RESSURGE O MOVIMENTO PELA PAZ E CONTRA O REARMAMENTO
Na Alemanha, o movimento contra a guerra começa a assumir, novamente, características massivas, desde a tradicional marcha da Páscoa em abril, até à recente manifestação em Berlim no início de outubro.
O Partido de Esquerda – que no início do ano votou pelos créditos para o rearmamento alemão – agora timidamente volta às origens e no protesto denunciou que Friedrich Merz quer “rearmar-se, ‘custe o que custar’”.
Os planos – acrescentou a agremiação – incluem alterar a Lei Básica para iniciar o acúmulo ilimitado de armas com base em crédito. “A alegação de que a Bundeswehr está subfinanciada é simplesmente falsa: a Alemanha já está em quarto lugar nos gastos globais com defesa.”
“Os novos bilhões em gastos com armas não tornarão a Alemanha ou o mundo mais seguros, mas aumentarão o risco de guerra. Uma corrida armamentista global sempre segue a mesma lógica: se um Estado se arma, outro fará o mesmo”.
“Qualquer um que pense consistentemente na lógica da dissuasão inevitavelmente acaba no armamento nuclear da Alemanha e da Europa. No pior dos casos, essa espiral termina em uma grande guerra com muitos perdedores e apenas alguns vencedores.”
Na verdade, poderia ser pior, pois nada impede que uma escalada termine em uma troca nuclear.
“Em vez de continuar no caminho errado, devemos aprender as lições de duas guerras mundiais e nos opor a elas com todas as nossas forças – precisamos de um forte movimento internacional antiguerra e de pressão social.”
Certamente, as manifestações contra o genocídio perpetrado em Gaza contra os palestinos contribuíram para a retomada do movimento contra a nova ameaça de guerra na Europa. Nos anos 1980, quando a ameaça de guerra nuclear se abateu sobre a Europa sob o governo Reagan, com o posicionamento, na Alemanha, dos mísseis Pershing-2, e resposta espelhada soviética, foram as grandes manifestações nas praças das capitais europeias que abriram espaço para a assinatura do Tratado INF, que proibiu os mísseis intermediários, de alcance entre 500-5000 km, e afastou o risco de guerra nuclear.
DECLÍNIO ECONÔMICO
Algumas vozes começam a advertir que Merz busca no “keneysianismo militar” – o inchaço da indústria bélica – uma via de escape da crise econômica que aflige a Alemanha.
Estudo do Instituto ifo, em Munique, mostra que a economia alemã está em decadência. Desde 2018 a produção econômica da Alemanha está estagnada e tentativas de reversão fracassaram, enquanto o investimento na indústria do país está em queda. Quadro agravado com sua auto-exclusão do acesso ao gás russo barato em 2022 e sanções à Rússia.
O que afetou a indústria alemã, sob o impacto da alta dos custos da energia. Em 2023, a economia alemã se contraiu em 0,2%, o que continuou em 2024, com -0,3%. A previsão para este ano é de estagnação, ou pequena alta de 0,2%.
“A Alemanha está em declínio econômico há anos. A situação se tornou dramática”, disse Clemens Fuest, presidente do ifo. “Menos investimento privado significa menos crescimento, menos receita tributária e, portanto, menos dinheiro para serviços governamentais no médio prazo.”
De acordo com Fuest, o povo alemão está sofrendo com a recessão, com o declínio do padrão de vida e que, sem um plano de reformas, há a possibilidade de uma recessão que dure 25 anos.
Sob a pressão da guerra tarifária, a União Europeia, da qual a Alemanha é a suposta locomotiva, aceitou a extorsão imposta por Trump, negociada por von der Leyen, em que em troca da redução do tarifaço para 15%, se comprometeu em comprar US$ 750 bilhões em gás natural liquefeito, petróleo e energia nuclear dos EUA, além de US$ 40 bilhões em chips de inteligência artificial americanos. Também terá de investir mais US$ 600 bilhões em setores estratégicos dos EUA até 2028.











