“Os idosos nas casas de repouso estão morrendo de forma desproporcional de Covid-19. A pandemia tem revelado a extensão a que seu bem-estar e segurança tem sido sacrificados por um negócio que prioriza o lucro e a influência”, afirma o jornalista Dave Lindorff, no artigo intitulado “A Covid-19 está massacrando os idosos dos Estados Unidos, sujeitos a uma indústria faminta por poder”, publicado pelo portal Russia Today. Seguem os principais trechos
DAVE LINDORFF*
A resposta ao Covid-19 nos Estados Unidos tem sido uma das mais caóticas e ineficazes entre os países desenvolvidos e responde por um terço dos 4,4 milhões de casos de contágio por coronavírus em todo o globo e 28% das mortes. Trump é criticado pela lenta admissão da seriedade da ameaça do coronavírus, esforços adiados e oscilantes em fornecer aos Estados, hospitais e enfermarias ventiladores adequados, máscaras protetoras e kits de testes.
A situação é ainda mais chocante quando se olha para quem são os que estão morrendo.
O que se verifica é que um terço das mortes por Covid-19 ocorreram em pacientes ou cuidadores que trabalhavam nas 7.700 casas de repouso para idosos e deficientes. Do total de 85.000 mortes contabilizadas até o meio dia de 14 de maio, mais de 28.000 foram de idosos norte-americanos.
O massacre é liderado pelos Estados de Minesota e Virgínia Ocidental com 80% das mortes tendo ocorrido em suas casas de repouso. Depois vem Rhode Island com 72% das mortes pelo Covid-19 em tais instituições. O terror também se espalhou pelos lares de idosos da Pensilvânia, com 66% de todas as mortes pela doença. Delaware segue a triste lista com 61% das mortes entre os instalados nestas instituições.
UMA TRÁGICA EXPERIÊNCIA
Minha sogra, uma ex-superintendente de escolas da cidade de Passaic, Nova Jersey, morreu no dia 26 de abril infectada por Covid-19. Tinha a idade de 93 anos. Ela foi uma dos 21 idosos que morreram pelo coronavírus na mesma casa. Ali 116 dos 150 instalados e cerca de metade dos cuidadores testaram positivo para o vírus. O contágio no lar judaico, sem fins lucrativos, localizado no distrito de Rockleigh, no Estado de Nova Jersey, foi identificado quando a instituição – que tinha uma quantidade limitada de kits – começou a medir as temperaturas dos integrantes das equipes de recepção e atendimento quando estes chegavam para fazer as trocas de turno. Soubemos que duas cuidadoras apresentaram temperaturas elevadas em uma manhã do início de abril. Elas foram testadas para Covid-19 e enviadas de volta para casa.
Um dia depois, destes testes terem resultado positivo, houve uma corrida para saber quais pacientes e trabalhadores haviam estado em contato com elas durante a semana anterior. Não é preciso dizer que, quando os portadores são capazes de passar adiante o vírus durante vários dias antes de apresentarem sintomas, estávamos diante de uma situação similar à de quem corre atrás do cavalo depois dele ter fugido do estábulo. Não foi surpreendente que em uma semana depois dos testes positivos para estas funcionárias, o lar tinha 20 idosos doentes e uma dezena de funcionários testando positivo. O contágio se espalhou como fogo na pradaria, depois disso, incluindo minha sogra, que faleceu algumas semanas depois.
Mesmo diante dessa dramática história, este não é o pior exemplo desta crise entre os idosos, nem em Nova Jersey, nem nos Estados Unidos.
Em um caso, graças a uma denúncia à polícia, se descobriu que uma casa de repouso estava escondendo 17 corpos de idosos vítimas do Covid-19 em um caminhão frigorífico estacionado atrás do prédio.
Na casa de idosos militares da reserva de Nova Jersey, no distrito de Paramus, já morreram 74 idosos em uma população de 314. Este número deve crescer, uma vez que 112 testaram positivo para o vírus.
O LUCRO VEM ANTES DAS PESSOAS
O problema na esfera federal tem sido que, há mais de um mês e meio, quando o surto do vírus mortal estava colhendo vítimas por todo o país, a crescente pandemia foi subestimada pelo presidente Trump e por seu governo. Enquanto o presidente chamava a doença de “uma farsa”, ou ficava proclamando que a havia contido ao banir chineses de viajar aos Estados Unidos, nenhum esforço foi feito pelo governo para obter e distribuir kits de testes para a doença, ou máscaras de proteção para os profissionais de saúde. Para piorar ainda mais as coisas, as casas de repouso foram consideradas prioridade secundária durante um período muito longo, considerada a velocidade de propagação, para o fornecimento dos desesperadamente necessitados testes, assim como itens de proteção, a exemplo das máscaras N95.
Mesmo depois do vírus haver sido detectado entre cuidadores que trabalhavam na unidade onde estava minha sogra, três meses depois da primeira manifestação do vírus nos EUA, somos informados de que ainda há pouco material de proteção, a exemplo de máscaras, à disposição para todos os funcionários e muito menos aos que são atendidos por eles. Esta escassez inevitavelmente levou à rápida disseminação da doença naquele local. Esta tem sido uma história comum nas casas de repouso, enfermarias ou até hospitais por todo o EUA e, infelizmente segue um problema.
SIGA O DINHEIRO
Um segundo fator que nos dá um longo caminho de explicação do porquê dos lares de idosos e seus clientes tenham aparecido de forma tão ampla no cômputo das mortes pela pandemia nos Estados Unidos é o da influência do dinheiro na normatização – ou falta de – sobre estas instituições. Há anos, os lares de idosos, antes dirigidos por igrejas e fundações religiosas, começaram a ser vendidos para corporações agressivamente voltadas ao lucro. Estas empresas de proprietários “investidores” viram nessas unidades verdadeiras vacas leiteiras que poderiam ser ordenhadas para ingresso de entradas lucrativas fornecidas por famílias ricas, programas governamentais como Medicare (para os idosos, deficientes, pessoas que acabam de sair dos hospitais e com necessidade de serviços de reabilitação), Medicaid (para os mais pobres) e seguros privados. Ao longo das décadas, estas corporações, muitas delas negociadas publicamente no mercado de ações, chegaram a possuir 70% dos lares de idosos de toda a nação. Ansiosos por maximizar os lucros reduzindo o número de enfermeiras e outros recursos humanos, estas companhias também se tornaram algumas das maiores doadoras a políticos, tanto em nível federal quanto estadual, na área da saúde.
De acordo com o grupo de monitoramento de recursos para campanhas, “Follow the Money” (“Siga o Dinheiro”), os lares de idosos e as companhias dedicadas a cuidados de longo prazo, não apenas doaram para campanhas mas fizeram custoso lobby.
Durante 3 anos, entre 2006 e 2009, o setor de saúde chegou a gastar US$ 1,7 bilhão para lobby em nível federal. A American Health Care Association representando as empresas dedicadas a lares de idosos esteve entre os 16 maiores contribuintes do setor de saúde para este fim. Metade do dinheiro veio de contribuições de 38 grandes corporações com cadeias de casas de repouso voltadas ao lucro.
Toda essa despesa, deve ficar claro, buscava reduzir o monitoramento desse negócio pelos Estados e pelos departamentos federais ligados à Saúde, Segurança e Licenciamento.
Como deixa claro um informe de uma universidade existe uma correlação direta e em proporção inversa em termos da razão pessoal/paciente e seus lucros.
O estudo traz entre suas conclusões que: “O incentivo do lucro se mostra diretamente relacionado a baixo volume de pessoal. Lares voltados ao lucro e cadeias destes lares operam com montante de pessoal mais baixo e com mais deficiências de qualidade (representando inclusive violações neste sentido) se comparados com unidades sem fins lucrativos. Unidades com as maiores margens foram as que apresentaram a qualidade mais pobre.”
Quinze Estados já reduziram as exigências normativas, uma vez instados pelo governo Trump, e determinaram que as unidades, pressionadas pela pandemia, devem ficar livres de inspeções de segurança, regras de qualificação de pessoal e assim por diante enquanto a crise do Covid-19 continuar.
*Dave Lindorff foi correspondente para a Ásia da revista Business Week e fundador, com outros periodistas, do portal ThisCantBeHappening.net
Tradução de Nathaniel Braia