As medidas adotadas pelo governo federal no chamado “pente-fino” no INSS continuam criando barreiras ao acesso e permanência de usuários que têm direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC).
As exigências, voltadas a pessoas de baixa renda, em sua maioria idosos, sem familiaridade com o ambiente digital, muitas vezes analfabetas ou semianalfabetas, têm se revelado uma verdadeira maldade, como se estes cidadãos, por serem pobres, devessem ser castigados.
Conforme a portaria editada pelo governo com a justificativa de evitar fraudes, os beneficiários têm prazos e procedimentos específicos para a atualização cadastral e, quem não faz essa atualização fica com o benefício suspenso e o pagamento bloqueado e, caso não regularize, o mesmo deverá ser cortado. A pessoa tem que se inscrever no Cadastro Único do Governo Federal para não ficar sem o benefício.
Essas medidas vêm sendo denunciadas por entidades como o Conselho Federal de Assistência Social, como uma forma dissimulada de “enxugar ainda mais o parco orçamento para as políticas sociais”. (Leia: “Pente-fino” está bloqueando BPC de idosos que não conseguem atualizar cadastro, denuncia Conselho)
Na semana passada, reportagem do Jornal Nacional mostrou a via cruzes que seu João, um senhor de 76 anos, teve que percorrer para conseguir o seu benefício, sua única renda, já que trabalhou a vida inteira como pedreiro sem registro em carteira.
Para começar, o INSS afirma que avisou, por mensagem ou ligação, mais de 500 mil pessoas que precisavam se inscrever no Cadastro Único do Governo Federal para não ficar sem o benefício. O fato é que, conforme a reportagem, o seu João não tem telefone, e nem sabe ler nem escrever.
De acordo com o repórter da Globo, em uma agência do INSS em São Paulo, onde conheceu o seu João, o atendente disse “que o valor do benefício seria desbloqueado em até 3 dias e que o senhor de 76 anos deveria ir a um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e se inscrever no CadÚnico”.
Saindo cedo de casa no outro dia, com agendamento que conseguiu fazer com a ajuda de um vizinho que também o acompanhava, o seu João achou que resolveria tudo sem demora. Mas, segundo o repórter, “não foi o que aconteceu”.
Depois de duas horas esperando ser atendido, seu João foi avisado “que tinha sido encaminhado pelo INSS para o CRAS errado”.
“O seu cadastro não está no município de São Paulo, está no município de Osasco”, disse o atendente do INSS. Segundo o seu vizinho, “estão alegando que na hora que ele pediu a informação, eu falei Artur de Azevedo, que Artur de Azevedo é aqui em Pinheiros e lá é Artur Azevedo. Por isso, confundiu ali”. “Joga para cá, joga para lá. É desse jeito”, disse o seu João.
Mais de uma hora depois, o seu João chegou ao CRAS em Osasco, na região metropolitana, e foi atendido. “Aqui o senhor vai colocar seu nome, tá? O seu endereço e a sua assinatura. É melhor o senhor pedir pra moça preencher”, disse a funcionária.
“Eu não sei ler”, explicou seu João. “O senhor já frequentou a escola?”, questionou a funcionária do INSS. “Nunca”, disse o pedreiro. Ele se cadastrou e recebeu orientações sobre o pagamento, sendo informado que em 48 horas estaria liberado.
“Em 48 horas já é liberado o benefício, depois que faz o Cadastro Único”, explicou a atendente. Mas, como o seu João não movimenta a conta bancária, ele ia conseguir receber o benefício na outra semana. Com tudo isso, seu João atrasou o aluguel e ficou dependendo de doações para se alimentar.
“Precisaria ter alguém treinado para entender todo o processo de uso do Benefício de Prestação Continuada, de acesso ao benefício. Não dá para você abandonar essas pessoas. Essas pessoas cresceram sem tecnologia, viveram sem tecnologia e não vai ser agora que elas vão passar a dominar recurso tecnológico. É uma questão de civilidade, é uma questão de cidadania, inclusive”, afirmou Marco Teixiera, especialista em gestão e políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas ouvido ela TV Globo.
Outra reportagem, divulgada pelo Jornal da Band, também denunciou que os cortes nos benefícios a quem tem direito tem levado pessoas às filas em busca do seus sustento.
“O salário mínimo pago pelo INSS é o que ajuda a manter em dia as contas da casa de dona Helena, de 85 anos. Neste mês o dinheiro não caiu na conta”.
Pela regra quem recebe o BPC mas não está inscrito no Cadastro Único ou está há mais de quatro anos sem atualizar os dados, tem que procurar um CRAS, mesmo que já tenha feito a prova de vida, diz a reportagem, “mas, na prática, muitos denunciam que foram pegos de surpresa e precisam enfrentar filas em unidades de assistência social.”
Com dificuldades de locomoção, outra beneficiária, a sogra de Sérgio, precisou levada ao atendimento com o apoio da família. “É a maior luta”, relata. Já o INSS diz que quem teve o benefício suspenso pode ligar para o telefone 135 e pedir o desbloqueio, mas depois terá que atualizar os dados presencialmente num centro de assistência social.