Apesar do crescimento de 1,2% no trimestre, o PIB brasileiro ainda está 0,3 p.p abaixo do pico da série histórica ocorrido no primeiro trimestre de 2014, ressalta o economista e professor da UnB
“Após um tombo de quase 4% em 2020 e tendo sido aprovada em 2019 a Reforma da Previdência muitos analistas (me incluam fora dessa porque eu cansei de escrever que não ia rolar) apostavam não só numa recuperação em V da economia, como ainda na retomada do crescimento econômico. Não foi o que ocorreu. A economia recuperou o que havia perdido em 2020, mas nada mais além disso. Na média do período 2019-2021 o crescimento do PIB foi de 0,52%, patamar inferior ao observado no primeiro ano do governo Bolsonaro, o qual já havia sido menor do que o observado na média do período de governo de Michel Temer”, destaca o economista ao analisar o resultado do Produto Interno Bruto no segundo trimestre, divulgado pelo IBGE, na quinta-feira (1).
Para o economista, “o governo Bolsonaro foi um desastre completo na economia”.
A seguir, reproduzimos o artigo do autor.
Com Bolsonaro Brasil apresenta a menor taxa média de crescimento desde 1999O
JOSÉ LUIS OREIRO
A divulgação hoje pelo IBGE do crescimento do PIB brasileiro de 1,2% no segundo trimestre de 2022 na comparação com o primeiro trimestre, as hostes Bolsonaristas já estão em polvorosa alardeando que esse bom resultado é a prova de que no governo Bolsonaro a economia do país está “voando”.
Pegar dados de crescimento trimestral e extrapolar para o futuro é um erro básico que qualquer pessoa minimamente alfabetizada e que não viva submersa nas bolhas das redes sociais – que criam um universo paralelo que não corresponde a realidade – não deve cometer. Fatores pontuais podem fazer com que a economia de qualquer país cresça mais num trimestre do que no outro, sem que isso signifique uma aceleração da tendência de crescimento da economia no médio ou no longo prazo.
Um erro pior, no entanto, é ignorar o passado. O governo Bolsonaro não começou em 2022, mas no dia 01 de janeiro de 2019. Dessa forma, é preciso uma avaliação do conjunto da obra e sua comparação com os dados observados em períodos anteriores.
Na tabela abaixo eu apresento a taxa média anual de crescimento real do PIB (já descontada a inflação) desde o início do segundo mandato do presidente Fernando Henrique (1999) até o ultimo dado disponível que corresponde ao ano de 2021, terceiro ano do mandato do, por assim dizer, Presidente Bolsonaro.
Na elaboração dessa tabela, o ano de 2016 foi excluído do cálculo das médias por ter sido um ano atípico em que o Brasil teve dois Presidentes: Dilma Rouseff (até abril de 2016) e Michel Temer (de maio a dezembro de 2016).
Conforme podemos observar claramente na Tabela, o crescimento médio da economia Brasileira se acelera na passagem do segundo mandato do governo Fernando Henrique para o primeiro mandato da presidente Lula. Apesar da ocorrência da maior crise da história do capitalismo desde a grande depressão de 1929, a assim chamada crise financeira internacional (2008), a economia brasileira no segundo mandato do presidente Lula (2006-2010) ganha ainda mais tração e apresenta um crescimento médio de 4,21% a.a no período. Embora com uma certa dose de exagero, o presidente Lula acabou entregando o que havia prometido ao povo brasileiro, a saber: o espetáculo do crescimento.
A desaceleração do crescimento tem início no primeiro mandato da Presidenta Dilma Rouseff, em parte resultado da crise do Euro em 2012, mas também de diversos erros na condução da política macroeconômica como as desonerações fiscais sem contrapartida, a intervenção desastrosa no setor elétrico e nos preços dos combustíveis (ops, creio que esse filme é conhecido) e a tentativa de acelerar o crescimento econômico por intermédio de uma política de expansão da demanda agregada, num contexto em que a economia estava sobreaquecida e perdendo dinamismo pelo lado da oferta devido a desindustrialização prematura.
A combinação de todos esses elementos faz com que a economia brasileira entre em recessão no segundo semestre de 2014, o que não impede a Presidenta Dilma de se reeleger em outubro desse mesmo ano.
O início do segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff foi caracterizado pela reversão completa na condução da política macroeconômica. Se no primeiro mandato, tanto a política fiscal como a política monetária foram, na média, expansionistas; no ano de 2015 o governo puxa todas as travas da economia ao mesmo tempo: redução de 35% do investimento público em termos reais, aumento da taxa selic para 14% a.a e “tarifaço”, ou seja, aumento das tarifas de eletricidade e nos preços dos combustíveis. O resultado obtido foi exatamente o previsto em qualquer manual de macroeconomia: uma queda vertiginosa do PIB (-3,15%) e uma forte aceleração da inflação, a qual chega quase a 11% no final do ano.
O desastre econômico abre caminho para o impeachment da Presidenta Dilma Rouseff e a posse de Michel Temer como presidente da República (Bolsominions o PT não governou até 2018, quem passou a faixa presidencial para Bolsonaro foi Michel Temer do MDB, parem de falar bobagem). No governo Temer, a economia sai da grande recessão de 2014 a 2016, mas apresenta um crescimento médio de 1,5%, inferior ao observado no segundo mandato do governo Fernando Henrique e muito menor do que o ocorrido nos dois mandatos do Presidente Lula.
Quando Bolsonaro assume em 01 de janeiro de 2019, a economia brasileira não se encontrava mais em recessão, embora estivesse crescendo a um ritmo médio muito inferior ao observado no período 1999-2010. Para a surpresa geral de 0 pessoas, Bolsonaro e seu posto Ipiranga conseguem a proeza de fazer com que no ano de 2019 a economia brasileira apresentasse um crescimento de apenas 0,97%, fazendo a Presidência de Michel Temer parecer uma espécie de belle époque.
Em março de 2020 a Organização Mundial de Saúde decreta estado de Pandemia de Covid-19. Medidas de restrição a mobilidade social (as quais Bolsonaro apelidou de “fica em casa, depois a gente vê como fica”) foram adotadas em todos os países civilizados do planeta Terra, no Brasil inclusive apesar da obstinada resistência do Presidente da República. Graças a iniciativa do Congresso Nacional, na época presidido pelo Deputado Rodrigo Maia, foi aprovado uma Emenda Constitucional (Bolsominions emenda constitucional é iniciativa do congresso, não do presidente talquei?) que viabilizou o pagamento de um Auxílio Emergencial de R$ 600,00 por três meses para 66 milhões de pessoas. Essa medida amorteceu o impacto das medidas de distanciamento social sobre o PIB, o qual apresentou uma queda de “apenas” 3,74% em 2020.
No dia 31 de dezembro de 2020 expirou o “estado de calamidade pública”, o qual permitiu o pagamento do auxílio emergencial ao longo daquele ano. Aqui deve-se deixar claro que o Presidente da República poderia ter solicitado ao Congresso Nacional a prorrogação do estado de calamidade pública, até porque o contágio e as mortes por causa da covid-19 continuavam elevadas no Brasil e no mundo. Mas Bolsonaro não mexeu um dedo. Deixou expirar o prazo de validade do “estado de calamidade pública”. Nos 6 meses seguintes o Brasil irá registrar mais de 400 mil mortes por conta do Covid-19, o dobro do que registrou no ano anterior, com um agravante: em 2020 não haviam vacinas disponíveis prevenir as mortes por covid, em 2021 elas estavam amplamente disponíveis. Deixo a cargo da História o julgamento do governo Bolsonaro por negligência deliberada no enfrentamento da covid-19.
Retornemos a economia. Após um tombo de quase 4% em 2020 e tendo sido aprovada em 2019 a Reforma da Previdência muitos analistas (me incluam fora dessa porque eu cansei de escrever que não ia rolar) apostavam não só numa recuperação em V da economia, como ainda na retomada do crescimento econômico. Não foi o que ocorreu. A economia recuperou o que havia perdido em 2020, mas nada mais além disso. Na média do período 2019-2021 o crescimento do PIB foi de 0, 52%, patamar inferior ao observado no primeiro ano do governo Bolsonaro, o qual já havia sido menor do que o observado na média do período de governo de Michel Temer.
Agora voltamos para o segundo trimestre de 2022. Apesar do crescimento de 1,2% no trimestre, o PIB brasileiro ainda está 0,3 p.p abaixo do pico da série histórica ocorrido no primeiro trimestre de 2014, durante a gestão da Presidenta Dilma Rousseff. Apesar de todas as reformas feitas nos governos Temer (Teto de gastos e reforma trabalhista) e Bolsonaro (Previdência) o fato é que a economia brasileira é menor do que era no início de 2014. Essa é a prova cabal de que não apenas a tão propalada “agenda de reformas” não entregou os resultados esperados, como também de que o governo Bolsonaro foi um desastre completo na economia.