
Presidente dá recado a Trump: “estou plantando comida e não ódio”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começa a semana com ações prioritárias na agenda internacional, com foco na exploração de novos mercados para produtos brasileiros cujo destino eram os EUA. Mas, em decorrência do tarifaço de 50% imposto unilateralmente por Donald Trump, devem ser direcionados a outros países.
A prioridade do governo, diante da posição inflexível da Casa Branca, estimulada pelo clã Bolsonaro, de não negociar, é desbravar novas oportunidades, especialmente para aqueles exportadores privados de vender ao mercado americano.
Neste final de semana, Lula gravou um vídeo e mandou uma mensagem para Trump, mostrando a serenidade do governo e a disposição de dialogar.
“Trump, eu queria aproveitar este sábado, em que estou plantando o pé de uva aqui no Alvorada, um lugar que espero que um dia você possa visitar, para que a gente possa conversar e para que conheça o Brasil verdadeiro. Isso aqui é um exemplo. Estou plantando comida e não plantando violência e plantando ódio”, afirmou.
Segundo informações da Agência Brasil, a muda plantada por Lula é originária do Vale do São Francisco (PE), polo responsável por boa parte da produção de frutas destinadas ao mercado norte-americano. Produtores da região alertam para risco de perdas milionárias, queda de renda e possíveis demissões.
A agenda internacional de Lula desta semana começa, hoje, no Palácio do Planalto, com o presidente do Equador, Daniel Noboa, em visita de Estado. O encontro prevê assinatura de acordos para fortalecer a integração regional e ampliar o comércio bilateral. Além da reunião com Noboa, Lula prepara outros movimentos na diplomacia, como ampliar mercados na Ásia, na Europa e na América Latina.
Já o vice-presidente Geraldo Alckmin embarca para o México, ainda neste mês em missão oficial, e Lula segue articulando reuniões virtuais com os líderes do Brics sobre cooperação comercial. O chefe do Executivo também pretende telefonar, nos próximos dias, para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e para o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer.
Segundo o Palácio do Planalto, a meta é “negociar com todos os interessados”. Apenas neste ano, o Brasil abriu 100 novos mercados para o agronegócio, como a exportação de carne bovina com osso e miúdos para as Filipinas. Desde 2023, já são 400 novas aberturas. Em janeiro de 2026, está confirmada a viagem presidencial para a Índia, com uma comitiva de empresários em busca de novos contratos.
A secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Tatiana Prazeres, afirmou que a estratégia envolve acordos internacionais e promoção ativa de produtos nacionais. “Concluir acordos para reduzir barreiras e tarifas e promover os produtos brasileiros junto a novos parceiros”, resumiu.
A agenda internacional mais agitada ocorre em meio à escalada de tensão comercial provocada pelo governo Trump. O tarifaço atinge especialmente exportadores de uva e manga, produtos que têm nos Estados Unidos um de seus principais mercados. De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), o tarifaço pode ser devastador para o setor.
ARTICULAÇÕES NO BRICS
O presidente Lula segue articulando uma série de teleconferências com os chefes de Estado dos países que integram o BRICS para discutir ações comuns diante do sobretarifaço de Trump que atingiu vários países. Aliás, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, nações que encabeçam o bloco, foram os alvos prediletos das agressões estadunidenses. Apenas com os chineses, pelo peso de sua economia, as novas tarifas caíram de 145% para 30% e ainda não foram implementadas, à espera de um novo acordo, em 90 dias, depois que o governo da China retaliou reciprocamente. A Índia, assim como o Brasil, enfrenta a tributação de 50% sobre seus produtos vendidos nos EUA.
Dentre as opções à mesa de Lula estão a ampliação do comércio interno, uso de moedas locais para o comércio — sem depender do dólar — e até a divulgação de manifestações conjuntas ou retaliações contra os Estados Unidos. Esse último cenário, porém, é considerado improvável por especialistas devido à diversidade de interesses que compõem o Brics.
Lula anunciou, em entrevista à Reuters na última semana, uma teleconferência entre chefes de Estado do BRICS e também de outros países e ainda disse que falaria com a França, com a Alemanha. “Vou falar com todo mundo. Junto ao Brics, nós vamos fazer uma teleconferência, que está sendo articulada, para a gente discutir, dentro do Brics, o que podemos fazer para a gente melhorar a nossa relação entre todos os países que foram afetados”, contou o presidente. A reunião ainda não tem data marcada.
O governo Lula segue firme no entendimento de que a ação de Trump, politicamente motivada, representa uma afronta à soberania do país, algo que se agravou na última semana quando os EUA anunciaram novas sanções contra ministros brasileiros, entre eles, Alexandre Padilha, (Saúde) e seus familiares, bem como servidores que foram responsáveis pelo programa Mais Médicos.
Em paralelo, o governo brasileiro tem reforçado a atuação internacional para reduzir os danos. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil) abriu um novo escritório em Washington, em parceria com a Câmara Americana de Comércio (Amcham). O objetivo é ampliar a lista de mais de 700 produtos já excluídos do tarifaço e pressionar importadores norte-americanos a defenderem seus próprios interesses junto à Casa Branca.
NOVAS OPORTUNIDADES
Diante do tarifaço de Trump contra as exportações brasileiras, já surgiram algumas boas oportunidades para alguns produtos nacionais. A China, por exemplo, autorizou, no início de agosto, que 183 empresas brasileiras exportem café, um dos produtos mais afetados pela sobretaxa norte-americana.
Além disso, há negociações para que o país asiático retome em breve a importação de frango, suspensa desde julho após casos de gripe aviária no território brasileiro. Na ligação com o 1º ministro indiano, Naarendra Modi, Lula disse que quer aumentar o comércio entre Brasil e Índia de US$ 12 bilhões, atualmente, para US$ 20 bilhões, em 2030. “Mas mesmo isso seria feito em termos bilaterais. Não há possibilidade de imaginar o BRICS propondo fazer uma grande área de livre-comércio entre eles. Seria mais uma expansão, nos casos em que haja interesse, de facilitação do comércio”, avalia Lia Valls.
Outra possibilidade envolve fortalecer a atuação conjunta do Brics em órgãos internacionais, como a OMC. “O BRICS continua sendo um mecanismo importante, em termos de mostrar a possibilidade de cooperação entre países com uma diversidade de interesses. Mas, como vimos no G20, nem sempre as posições (dos países do Brics) são comuns”, afirma Valls.
A especialista também conta que, embora seja pouco provável a criação de uma moeda própria para os países do bloco, em contraponto ao dólar, o Brics tende a acelerar a proposta de usar moedas locais dos seus próprios membros em transações comerciais, deixando de lado a cédula norte-americana. “Óbvio que o Trump considera uma ameaça, mas isso passa a ser inevitável porque é uma consequência da própria ação dos Estados Unidos”, frisa.
Na mesma linha, o economista e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Otto Nogami aponta que as tarifas de Trump podem forçar uma maior integração do BRICS, mesmo com as dificuldades que o bloco enfrenta para formar consensos. “Cabe lembrar que a população da China e Índia, individualmente, é quatro vezes maior do que a americana, o que representa um potencial de demanda extraordinário no futuro”, destaca Nogami.
De acordo com o professor do Instituto de Relações Internacionais (IREL) da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Jorge Ramalho da Rocha, é preciso cautela do governo na hora de analisar as ações do Brics. Ele destaca que o bloco não é um mecanismo de tomada de decisões homogêneas e rígidas entre os membros, mas sim um fórum de diálogo.
Da Rocha ressalta que Trump enxerga o BRICS como um grupo a serviço da China e da Rússia, rivais geopolíticos dos EUA. Nesse sentido, exagera a coesão do bloco e usa esse discurso como forma de justificar o confronto. “Definir o BRICS como um bloco serve à sua narrativa de enfrentamento e lhe permite criar pretextos para agredir os países do BRICS, mas ele sabe que isso não é verdade. É um presidente que, infelizmente para o resto do mundo, tem muita dificuldade em lidar com fatos e com verdades”, acrescenta. Para ele, o BRICS não tem condições para mudar a rota da política externa de Trump, mas cria oportunidades para diminuir as consequências negativas.
(com informações da Agência Brasil)