Após dois votos contrários ao cancelamento da condenação do ex-presidente Lula – do ministro Edson Fachin e da ministra Cármen Lúcia – o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo e adiou a conclusão do julgamento na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Além do voto de Gilmar Mendes, faltam os de Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Não há data para o julgamento prosseguir.
Lula está preso desde abril deste ano, condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso da propina do triplex do Guarujá, passada pela OAS em troca do superfaturamento e sobrepreço nos contratos com a Petrobrás.
A alegação dos advogados de Lula para o pedido atual de habeas corpus foi a de que o fato do juiz Sérgio Moro ter aceitado o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para ser ministro da Justiça, comprovaria sua imparcialidade. Para a defesa, a aceitação do convite comprova a parcialidade de Moro na condenação do ex-presidente.
Antes do voto de Fachin, o advogado Cristiano Zanin afirmou na tribuna que o Brasil é signatário de tratados internacionais que garantem a todo cidadão o direito a um julgamento “justo”, o que não houve no caso de Lula. “Esse magistrado deu à sociedade garantias de que estava sendo imparcial? A resposta me parece negativa”, afirmou.
O advogado disse que Lula foi submetido a um “espetáculo” durante condução coercitiva “desnecessária”, determinada pelo então juiz Sergio Moro, e que seus familiares tiveram dados sigilosos divulgados. Zanin afirmou, ainda, que Lula foi julgado “por alguém que, ao longo do tempo, mostrou ter convicção de que a culpa era pré-estabelecida e estava pré-definida”. Segundo o defensor, cada decisão mostra, “de forma clara”, que Lula jamais teve a hipótese de ser absolvido por Moro.
Cláudia Sampaio Marques, subprocuradora-geral da República, defendeu que o habeas corpus sequer fosse julgado, pois caberia à defesa trazer provas de que Sergio Moro foi parcial, o que não foi feito. O Supremo, disse ela, já corrigiu “eventuais abusos”. “No âmbito da Lava Jato, muitas pessoas foram conduzidas coercitivamente, foi uma prática disseminada, atendendo ao pleito do Ministério Público”, disse. “Não há qualquer parcialidade”, afirmou.
“Não consigo ver parcialidade no fato posterior ao julgamento da ação penal”, disse ainda a subprocuradora-geral, referindo-se ao convite de Moro para o ministério. “Naquela época, nem se cogitava que o presidente eleito seria sequer candidato à Presidência da República. Seria um passo largo demais. um passado que não tem qualquer relação com esse fato”.
O ministro Edson Fachin disse que os argumentos da defesa de Lula se concentraram na suspeição de Sergio Moro. Por isso, argumentou, não há fatos novos a serem analisados pelo Supremo. Segundo ele, outros tribunais já reconheceram que Moro não foi parcial, como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o Superior Tribunal de Justiça.
“Ninguém está acima da lei, nem parlamentares nem juízes”, disse Fachin. “Todos a quem a Constituição atribuiu poder de aplicá-la devem observância e devem respeito à ordem normativa”, afirmou Fachin. “Não deixo de anotar que houve procedimentos heterodoxos, mesmo que para finalidade legítima”. No entanto, afirmou Fachin, exige-se “mais que indícios ou narrativas” para se comprovar que houve eventual falha do juiz.
Fachin observou que a defesa de Lula estava pretendendo uma “supressão de instância”, ao impetrar um habeas corpus diretamente no STF, para discutir questões processuais que não foram apresentadas ainda a instâncias inferiores (v. a íntegra do voto de Fachin).
[NOTA: No Direito brasileiro, desde a época de Pedro Lessa (ministro do STF de 1907 a 1921), o habeas corpus é um instrumento para garantir o direito de locomoção (o “direito de ir e vir”) de alguém (denominado “paciente”) ameaçado de constrangimento ilegal. Não pode, portanto, ser usado para discutir questões de regras e normas do processo. Mas, no caso de Lula, a defesa tem, amiúde, transgredido essa doutrina.]
A ministra Cármen Lúcia, segunda a apresentar o voto, acompanhou o relator. Segundo a ministra, as providências adotadas pelo então juiz foram, na maior parte das vezes, tomadas a pedido do Ministério Público.
“O Supremo sempre exigiu que, para as alegações de suspeição, há que haver a demonstração com prova documental que seja suficiente para que se tenha a conclusão no sentido da parcialidade”, argumentou a ministra.
Apesar do pedido de adiamento da defesa de Lula ter sido derrotado por três votos a dois, no início do julgamento, Gilmar Mendes pediu vistas para “analisar melhor o tema” e interrompeu a tomada de decisão.