A sabotagem de Bolsonaro aos esforços de todo o país para bloquear ao máximo a epidemia de Covid-19, com campanha oficial contra a quarentena, é criminosa.
Não é apenas um “crime de responsabilidade”. É um crime de facínora, de celerado, como o latrocínio ou o infanticídio.
Mas é pior. Trata-se da vida de 210 milhões de pessoas, contra a qual um sujeito que ocupa a Presidência da República está atentando. Sob o slogan “o Brasil não pode parar” (como se combater uma epidemia fosse “parar”), o que se esconde é: “o povo que morra”.
Na quinta-feira (26/03), o Imperial College London, que vem acompanhando diariamente, e elaborando modelos matemáticos para ajudar no combate à pandemia, divulgou projeções para 202 países, em vários cenários possíveis (v. Coronavirus pandemic could have caused 40 million deaths if left unchecked).
No caso do Brasil, se mantida quarentena, é prevista a morte de 44 mil pessoas.
Com o “isolamento vertical” de Bolsonaro – quarentena apenas para aqueles que têm mais de 60 anos – os mortos subiriam para 529 mil pessoas.
A razão é evidente: se aqueles que estão infectados, mas não têm sintomas da doença, não estiverem sob quarentena, é óbvio que serão veículo para a transmissão do vírus – e, portanto, para a ampliação dos doentes e das mortes.
A questão decisiva é a quarentena, para evitar a transmissão do vírus, e o teste, para distinguir quem está infectado e quem não está.
Os estudos do Imperial College London fizeram o primeiro-ministro da Inglaterra, Boris Johnson, mudar a política de seu governo, que, até então, era a que Bolsonaro está querendo impor ao Brasil.
Na costumeira exoneração de idiotices na porta do Alvorada, Bolsonaro, na sexta, torturando a língua pátria, disse que as previsões do Imperial College são “chute”, mas “infelizmente algumas mortes terão”.
Se elas serão 44 mil ou 529 mil – qual a importância disso?
Mas é um fenômeno: Bolsonaro, que jamais foi vertical em nada, agora fala de “isolamento vertical” como se fosse alta autoridade em epidemiologia, e diz que irá falar com o ministro da Saúde, para adotá-lo no Brasil.
Logo, ele entende mais do assunto que o ministro – e do que os profissionais de Saúde Pública, não apenas os do Brasil, mas do mundo.
A vontade é concluir que esse sujeito é uma besta – e mudar de assunto.
Mas existe algo, aqui, além do rasteiro fato de que Bolsonaro é uma besta – até porque, é uma besta que ocupa a Presidência da República.
Alguns políticos e órgãos de imprensa apontaram nele uma tendência sistemática a criar conflitos, a se atirar “contra tudo e todos que são considerados obstáculos a seu projeto de poder”, como diz, em editorial, um dos mais tradicionais jornais do país.
Desde que tomou posse, tudo o que Bolsonaro faz é criar impasses, um atrás do outro. Alguns acham que é uma “estratégia” para reeleger-se, isto é, uma estratégia eleitoral.
Antes fosse. Seria um dia miraculoso, para o país, se Bolsonaro tivesse se convertido ao que se chama “jogo democrático”, com planos de poder compatíveis com a vitória nas urnas.
Porém, se seu objetivo fosse, simplesmente, ganhar as eleições de 2022, haveria modos e formas melhores para chegar lá. Aliás, a primeira coisa a fazer, seria alargar ao máximo o número de seus apoiadores no meio político, tanto partidos quanto personalidades.
Por que, então, Bolsonaro faz exatamente o contrário?
Basta olhar o seu Ministério, composto por tranqueiras do tipo Araújo, Weintraub, aquele rapaz do laranjal no turismo, etc., etc., etc.
Por que a escolha de Bolsonaro é sempre chocar-se com as instituições e seus representantes – com os governadores, com a Câmara, com o Senado, com o Supremo Tribunal, com a Constituição, e até com os prefeitos?
Por que são esses – e não outros – que ele considera “obstáculos a seu projeto de poder”?
Porque o seu plano – obcecado, fixo, que substitui, inclusive, o que nos humanos é entendido comumente por cérebro – nunca foi outro senão passar por cima, destruir enquanto instâncias democráticas, ou (o que é outra forma de falar a mesma coisa) submeter essas instituições ao seu tacão, que é o que fazem as ditaduras, assim como os führers e duces.
O plano de Bolsonaro continua sendo aquele que sempre foi – o golpe e a ditadura. Pode ser – como já foi – obrigado a disputar eleições. Mas apenas porque não conseguiu levar a efeito o plano inicial e apenas como forma de continuar com esse plano inicial.
Para isso, não tem limites nem escrúpulos em aumentar barbaramente as mortes de brasileiros pelo coronavírus.
Ele mesmo, sobre a epidemia do coronavírus, falou na possibilidade do Brasil “sair da normalidade democrática” (v. HP 25/03/2020, Risco para a normalidade democrática, no Brasil, é um anormal chamado Bolsonaro).
É assim que ele ocupa seus dias. O golpe já passou a ser a única coisa que lhe importa. Daí, também, a substituição, na prática, de sua assessoria por aqueles iluminados cidadãos, chefiados por Carlos Bolsonaro.
Certamente, seu golpismo sempre é combinado com uma ignorância cavalar (se é que não fazemos injustiça aos cavalos) e uma burrice abissal.
Alguns jornalistas chamaram a atitude de Bolsonaro, quanto à luta contra a epidemia, de tentativa de genocídio (por exemplo, Vera Magalhães, Convite ao genocídio, OESP 25/03/2020).
É correto. E não é ocioso lembrar quem foram os maiores genocidas da história: aqueles que foram julgados em Nuremberg. Os nazistas, por sinal, não assassinaram somente os povos das nações que atacaram. Assassinaram também o povo alemão, com desprezo pela vida de seus soldados e pela vida de suas famílias na Alemanha destruída.
Na sexta-feira (27/03), na entrevista coletiva da Organização Mundial de Saúde (OMS), o diretor-geral da organização, Tedros Ghebreyesus, passou a palavra à Drª Maria Van Kerkhove, chefe da campanha contra a pandemia de Covid-19 na OMS:
“Essa é uma doença capaz de causar impactos em todas as pessoas de todas as idades. Na Coreia do Sul, apenas 20% dos casos de contaminação eram de pessoas com mais de 60 anos. Na Itália, 15% dos internados em unidades de terapia intensiva tinham menos de 50 anos.”
Porém, disse a médica, “a grande questão é que você pode transmitir para alguém e a pessoa morrer. Todo mundo tem um papel nisso”.
Encerrando a entrevista, o diretor-geral da OMS disse que esperava “fortalecer nosso apelo a todos os países para que conduzam pesquisas e façam testes; estamos trabalhando para aumentar massivamente a produção e a capacidade de testes em todo o mundo”.
Enquanto isso, Bolsonaro faz uma campanha – despudorada, escandalosa, usando dinheiro público para atentar contra a vida dos que pagam impostos – para impedir o esforço, a solidariedade do país contra a epidemia.
Não contente, usa suas milícias – conscientes ou inconscientes – para a sabotagem, promovendo carreatas da morte, como aqueles débeis mentais que apareceram sexta-feira na Avenida Nove de Julho, em São Paulo.
O que Bolsonaro entende de epidemias ou de Saúde Pública?
Nada. Mas na reunião com os governadores, levou um assessor que é uma autoridade na matéria: Carlos Bolsonaro.
Realmente, qual a diferença entre negar que a Terra é redonda, ou que ela gira em torno do Sol, e negar a pandemia de Covid-19?
Só uma: a última negação é capaz de matar, no país, milhares, talvez milhões de pessoas.
Também na sexta-feira, o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, declarou que errou ao lançar a campanha “Milão não para”, depois que a epidemia já começara. Havia mais de quatro mil mortos, quando Sala admitiu que errou.
Em Bergamo, também na Itália, os serviços funerários entraram em colapso, devido ao número de mortos, que estão sendo retirados da cidade pelo exército italiano, para cremação. Ali, a campanha foi da Confederação das Indústrias de Bergamo e chamava-se “Bergamo está funcionando”.
Nos resta dizer que as motivações de Bolsonaro são muito menos inocentes do que essa imbecilidade de consequências trágicas, que acometeu os dirigentes de cidades italianas.
Logo, se deixado à solta, as consequências tendem a ser, também, muito mais trágicas.
CARLOS LOPES