Queda à conta-gotas da Selic é neutralizada pela queda da inflação. Juro real se mantém na casa dos 7% e inviabiliza investimento produtivo
Há uma discussão em pauta neste momento no Brasil sobre o ritmo da queda da taxa de juros determinado pelo Banco Central. Antes o pretexto para que ela não caísse era a ameaça de alta da inflação. Agora, como a inflação está controlada, o motivo levantado para manter os juros altos é que os “investidores” – leia-se especuladores – retirariam seus recursos do país para aplicá-los nos EUA, onde os juros não estão caindo, apesar de estarem bem abaixo do que no Brasil.
Na verdade, os juros reais, que são os que interessam em qualquer cálculo econômico, seguem muito altos no Brasil, estrangulando o setor produtivo, os consumidores e o conjunto da sociedade brasileira. A taxa Selic ficou por 12 meses em 13,75% ao ano. Durante esse período, a previsão de inflação foi projetada para ficar em torno de 5,5%. A taxa de juros reais variou, portanto, na casa dos 8%.
Desde agosto do ano passado, o Banco Central realizou seis cortes de meio ponto percentual na taxa básica de juros (Selic). Ou seja, os juros nominais, sem descontar a inflação, caíram de 13,75% para 10,75% neste período. No relatório “Focus” do BC, da última semana, as mais de 100 instituições financeiras ouvidas pelo banqueiro central baixaram a estimativa de inflação de 3,76% para os próximos 12 meses para 3,71%.
Com essas previsões, os juros reais variam na faixa dos 7%. Mesmo que a previsão de que a Selic chegue a 10% no final do ano, se for cumprida a meta de inflação, que é de 3%, o juro real deve ficar em torno de 7%. Essa leve queda dos juros reais de 8% para 7% é insuficiente. É uma queda muito pequena para um país que precisa crescer e precisa urgentemente baratear seu crédito.
As projeções de 103 instituições financeiras para a taxa Selic no final do ano, atualizadas nos últimos cinco dias úteis, segundo o Banco Central no Boletim Focus divulgado nesta terça-feira (23) pularam para 9,75%.
Ninguém investe em novas plantas industriais ou em outros empreendimentos e atividades no setor produtivo – onde a taxa de retorno gira em torno de 3%, 4% ou mesmo 5% – quando pode ganhar mais deixando o seu dinheiro aplicado em títulos do governo remunerados a 7% ou 8%. O empresário ao invés de investir na produção, vai para a especulação. Este nível de juros está estrangulando o país e mantendo a estagnação econômica.
As projeções no “Focus” do BC, que saem nesta semana, devem projetar uma queda menor da Selic até o final do ano, refletindo a chantagem que os agentes financeiros, especuladores locais e estrangeiros, estão fazendo por causa da pequena modificação que o governo fez da meta fiscal para 2025, que não será mais de um superávit primário – descontados os juros – de 0,5%, mas de déficit zero.
Para Wall Street e seus serviçais da Faria Lima, as metas do governo têm que continuar incompatíveis com o crescimento, em prol do alto ganho que estes estão tendo com o arrocho das contas públicas.
Com o ciclo tardio e lento de corte da taxa Selic pelo BC, em 2023, o gasto do setor público (União, Estados/municípios e estatais) com os juros foi de R$ 718,3 bilhões (6,61% do PIB). Em 2022, este gasto havia ficado em R$ 586,4 bilhões, ou seja, bancos, fundos especulativos e rentistas ganharam R$ 131,9 bilhões a mais de um ano para o outro.
Por outro lado, a economia brasileira ficou estagnada nos dois últimos trimestres de 2023 – PIB do 3º trimestre de 2023 (0%) e 4º trimestre de 2023 (0%) -, e o investimento medido pela Formação Bruta de Capital Fixo recuou 3% na comparação de 2023 com 2022. O PIB da indústria de transformação encolheu 1,3% também frente a 2022.
Neste ano, a economia segue fragilizada. Segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), o PIB recuou na passagem de janeiro para fevereiro de 2024. Saiu de um avanço de 0,52%, em janeiro de 2024, para uma alta de 0,40%, no segundo mês deste ano. Nos dois primeiros meses de 2024, a indústria acumula uma retração de -1,8% em sua produção. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende que o BC deve seguir reduzindo a Selic, mas de forma acelerada, com um corte de no mínimo 0,75 ponto percentual.