As medidas de arrocho anunciadas na segunda-feira pelo governo de Maurício Macri com o objetivo de reduzir o déficit primário a zero por cento em 2019 e satisfazer assim exigências do Fundo Monetário Internacional não ficaram só nos juros estratosféricos – a mais alta taxa do mundo – no valor do dólar e no corte de 6 bilhões de dólares extras no orçamento.
O investimento público sofrerá um corte de 0,7% do Produto Bruto Interno, PIB, de 0,5% nos subsídios ao transporte e energia. Os salários e gastos correntes serão reduzidos em 0,2%.
O impacto dessas medidas de arrocho vai se traduzir em menos obras públicas, aumento nas tarifas de luz, gás e água para a população, e uma redução da massa salarial dos empregos. O governo federal lavou as mãos e ressaltou que qualquer subsídio ao transporte passará à responsabilidade dos governos provinciais e municipais.
Em tentativa inglória de conter a queda do peso ante o dólar e em meio da maior mobilização de professores e estudantes universitários desde que, há mais um mês, começou a greve por mais verbas para a educação e maiores salários, o Banco Central da Argentina subiu, na quinta-feira passada, de 45 a 60% a taxa de juros, que atinge assim o nível mais alto do mundo.
A ideia de Macri e sua equipe, jogando gasolina no incêndio em que assola a economia do país vizinho, é que a divisa deixe de se desvalorizar e, assim, evitar que a inflação dispare ainda mais. A Argentina registrou inflação de 31,2% no período de 12 meses de julho do ano passado ao deste ano, segundo dados divulgados nesta quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos do país (Indec). Como era de se esperar, os prognósticos macristas não se realizaram.
Depois do discurso do presidente argentino da segunda-feira, dia 3, jogando a culpa pelo desastre que o país vive a “situações externas que estão fora de nosso controle”, a resposta dos especuladores aos anúncios do governo foi um novo aumento do dólar paralelo. A moeda norte-americana ficou entre 39 e 39,50 pesos em casas de câmbio e mesmo bancos.
Com o agravamento da situação, o dirigente da Confederação Geral do Trabalho, CGT, Juan Carlos Schmid advertiu que a greve geral convocada para 25 de setembro poderia ser antecipada e as medidas da central se multiplicarão frente à radicalização do ajuste econômico e as modificações no Poder Executivo, que incluiria a degradação do Ministério do Trabalho em secretaria. Dos 20 ministérios criados em dezembro de 2015 por Macri, 10 foram fechados. Os ministérios de Saúde, Trabalho, Agroindústria, Ciência e Tecnologia, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Energia, Turismo e Cultura foram dissolvidos e convertidos em secretarias de outras pastas.
E a reação da sociedade cresce. Mais de 300 mil professores e estudantes de universidades públicas marcharam, na sexta-feira passada, pelo centro de Buenos Aires em protesto pelos baixos salários e os cortes no orçamento para a Educação aplicado por Macri, em um conflito que mantém suspensas as aulas há quatro semanas e para o qual não se vislumbra uma solução imediata.
A grande marcha, que também contou com a adesão de outros sindicatos, organizações sociais e partidos de oposição, começou frente ao Congresso Nacional e convergiu na Praza de Maio, frente à sede do governo, a Casa Rosada.
“Chamem a Mauricio e a Vidal [governadora de Buenos Aires] / para que vejam / que este povo não muda de ideia / peleja e peleja pela educação” foi o canto que acompanhou a multidão que resistiu ao frio e a chuva que se manteve durante todo o dia na capital argentina.
“Na Casa Rosada há um grupo de empresários obstinados em destruir a universidade pública. E aqui há centenas de milhares obstinados em defendê-la”, afirmou Luis Tiscornia, dirigente da entidade de professores Conadu Histórica, um dos oradores do ato de encerramento da jornada de luta.
Inicialmente, a marcha culminaria no Ministério de Educação, mas diante da resistência do governo em dar resposta às reivindicações, o ponto final foi trasladado para a Praza de Maio pelos organizadores, das federações docentes (Conadu, Conadu Histórica e Fedun), das organizações estudantis (a FUA e suas federações regionais) e de trabalhadores não docentes (a Fatun).
A primeira oradora, longamente aplaudida, foi a Mãe da Praza de Maio, Nora Cortiñas; depois falou Sergio Maldonado, o irmão de Santiago, morto em meio a uma operação repressiva na província de Chubut, há um ano. “Não queremos corte nem ajuste do orçamento para as universidades nem de nossos salários. Queremos que não percam da inflação. Aliás, queremos que pare a inflação, o governo não faz nada contra isso!”, disse Daniel Ricci, da Fedun, que também se solidarizou com “as reivindicações do resto dos sindicatos que estão brigando contra o arrocho que o povo está sofrendo”.
“Estão nos deixando sem nada. Um dia vão querer nos mandar embora com a desculpa de que não temos trabalho, nada a fazer, quando foram eles os que sucatearam tudo”, disse Claudio Sanmarino, trabalhador da Comissão Nacional de Energia Atômica. Sanmarino explicou que a CNEA “já não tem orçamento nem projetos” e que o trabalho que realiza está muito vinculado com a pesquisa e a educação universitárias. “Sem educação não há desenvolvimento, e é isso o que busca este governo”, frisou.
“A universidade pública argentina é a única produtora de conhecimento necessário para que os argentinos tenhamos um futuro como o que a gente merece”, acrescentou, ao falar em representação da Fatun, Walter Merkins.
O ministro de Fazenda, Nicolás Dujovne, confirmou que viajará a Washington para reunir-se com técnicos do FMI na próxima terça-feira, dia 4.
Sobre o histórico do desastre macrista leia também coluna com principais trechos do artigo A tormenta perfeita, do ex-ministro da economia, Axel Kicillof, nesta página.