Estudo mostrou que isenções não criaram empregos e só aumentaram os lucros. Empresários reduziram contribuição e prejudicaram a Previdência Social. Medida anunciada por Lula e Haddad visa corrigir essas deformações
O governo anunciou esta semana uma Medida Provisória alterando a prorrogação, aprovada pelo Congresso Nacional, das isenções de 17 setores que deixaram de contribuir integralmente com a Previdência Social. O esforço do governo foi combatido violentamente por setores da mídia que marcam frequentemente a sua atuação pela defesa de um “Estado Mínimo” para o povo e “máximos benefícios” para os grandes grupos empresariais.
Alguns desses setores empresariais, desacostumados a pagar seus impostos, aparentam estar muito preocupados com as contas públicas – são defensoras do déficit zero de Haddad em 2024 – quando o assunto são cortes de serviços públicos, arrocho salarial de servidores e redução do tamanho do Estado para o povo. No entanto, reagiram intensamente contra o governo por conta da MP que retoma – em parte – as contribuições dos empresários para a Previdência Social.
A Medida Provisória foi assinada pelo presidente Lula e pelo ministro Fernando Haddad e tem validade imediata. O texto, no entanto, prevê que a maior parte das medidas só entra em vigor em abril de 2024. Ela engloba três ações: a primeira é a limitação das compensações tributárias feitas pelas empresas – ou seja, de impostos que não serão recolhidos nos próximos anos para “compensar” impostos pagos indevidamente em anos anteriores e já reconhecidos pela Justiça. Grandes multinacionais usam esse mecanismo para não pagar impostos.
A segunda são mudanças no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado na pandemia para beneficiar o setor cultural e prorrogado pelo Congresso, em maio, até 2026. Segundo Haddad, parte dos abatimentos tributários incluídos nesse programa será revogada gradualmente nesse período.
E a terceira é a retomada das contribuições empresariais para a Previdência – contrariando a prorrogação da desoneração promulgada pelo Congresso – com a desoneração parcial apenas do “primeiro salário mínimo” recebido por cada trabalhador com carteira assinada.
Apenas uma das medidas entra em vigor já a partir desta sexta-feira (29): o limite para a compensação tributária das empresas. Com a MP, empresas que tenham obtido créditos tributários superiores a R$ 10 milhões não poderão abater esse valor integral. O uso do crédito terá de ser escalonado – o Ministério da Fazenda ainda deve editar um ato definindo o limite mensal dessa compensação.
Segundo o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, o impacto dessa medida nas contas de 2024 será de cerca de R$ 20 bilhões. As mudanças serão graduais até 2025. A desoneração sobre as contribuições sociais será extinta em maio de 2024, enquanto o benefício para o Imposto de Renda só deve acabar em 2025.
Fernando Haddad informou que havia um acordo para retomar a discussão do Perse caso os benefícios fiscais superassem uma perda de arrecadação de R$ 4 bilhões — estimada pelo Congresso. O Ministério da Fazenda estima perda de R$ 16 bilhões.
No caso da contribuição previdenciária das empresas, a mudança só passa a valer em 1º de abril de 2024. Pela regra atual, que o Congresso tinha renovado até 2027, 17 setores intensivos em mão de obra estavam autorizados a substituir a alíquota de 20% sobre a folha de pagamentos por um pagamento de 1% a 4,5% sobre a receita bruta da empresa. O método causa forte impacto na arrecadação da Previdência.
Com a medida provisória, a contribuição das empresas volta a incidir sobre a folha de pagamentos, mas com uma “desoneração parcial” na folha de cada trabalhador. O desconto incidirá apenas sobre um salário mínimo por trabalhador – a remuneração que ultrapassar essa faixa terá tributação normal.
A medida provisória muda também a lógica da desoneração – em vez dos 17 setores, o texto cria dois grupos de “atividades econômicas” com tributação diferenciada. Para o primeiro grupo, que inclui atividades de transporte, comunicação e tecnologia da informação, a tributação será de:
10% em 2024;
12,5% em 2025;
15% em 2026;
17,5% em 2027.
Para o segundo grupo, que inclui atividades da indústria têxtil, da engenharia civil e do mercado editorial, a tributação será de:
15% em 2024;
16,25% em 2025;
17,5% em 2026;
18,75% em 2027.
O Movimento Desonera Brasil — que reúne os representantes dos 17 setores atingidos criticou a decisão do governo. Em nota divulgada nesta quinta-feira (28), o grupo avaliou que a medida traz “insegurança jurídica para as empresas e para os trabalhadores já no primeiro dia do ano de 2024”.
A alegação dos empresários, de que as isenções iniciadas no governo Dilma para 17 setores econômicos, garantiriam a criação de mais empregos mostrou-se equivocada. O ministro Fernando Haddad relatou há alguns dias que um estudo da Fazenda mostrou que os empregos não aumentaram nos setores que deixaram de contribuir com a Previdência Social. Ou seja, o único efeito dessas isenções generalizadas estava sendo prejudicar os aposentados do pais e aumentar os lucros dos empresários.
A Medida Provisória, anunciada por Fernando Haddad, restabelecendo, em parte, as contribuições patronais para a Previdência, foi a forma encontrada pelo governo para enfrentar a derrubada do veto presidencial, pelo Congresso Nacional, à prorrogação das isenções, que terminariam no final deste ano, para 2027.
Além de argumentar que as isenções não estavam cumprindo nenhuma função na criação de empregos, Haddad lembrou que a Constituição Brasileira proibiu, a partir de 2021, qualquer desoneração sobre os recursos da Previdência Social.
Esses mesmos setores – e sua mídia – que defendem redução – e até abolição do pagamento – da contribuição empresarial para a Previdência Social, são os mesmos que defendem “reformas” da Previdência cada vez mais duras contra os direitos dos aposentados e pensionistas, cortes de benefícios por invalidez, por morte, cortes nas próprias aposentadorias e elevação da idade e o tempo de contribuição para que uma pessoa possa se aposentar. Vivem dizendo – apesar de não ser verdade – que a Previdência social tem um rombo, mas não querem cumprir suas obrigações empresariais com o sistema.
Com a redução das contribuições, o Tesouro é obrigado a cobrir o déficit na arrecadação previdenciária. Estes recursos do Tesouro poderiam estar sendo destinados a investimentos públicos para retomar o desenvolvimento e, assim, criar mais empregos e arrecadar mais, naquilo que o presidente Lula chama de “círculo virtuoso da economia”. Apesar de haver, dentro do governo, quem defenda que estes recursos economizados sejam usados para pagar juros ou para criar déficit zero – e até fazer superávits primários -, o lógico é que eles alimentem os investimentos para a retomada do crescimento do país.
Fernando Haddad é um dos que defendem que o fim das desonerações sirva para zerar o déficit nas contas públicas em 2024. “Nosso esforço continua no sentido de equilibrar as contas por meio da redução do gasto tributário no nosso país. O gasto tributário no Brasil foi o que mais cresceu, subiu de cerca de 2% do PIB para 6% do PIB”, afirmou o ministro. Mas é o próprio presidente Lula que já argumentou publicamente que esta meta de zerar o déficit dificilmente será cumprida. Ele pretende ampliar os investimentos públicos no ano que vem.
O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) manifestou seu apoio à medida provisória proposta pelo governo Lula. Lindbergh expressou sua posição em uma publicação nas redes sociais, afirmando que o governo possui o direito constitucional de reapresentar a matéria.
“O ministro Haddad está correto no mérito. É um direito constitucional do governo reapresentar a matéria para evitar um forte impacto fiscal no começo do ano”, declarou o parlamentar.