Nos últimos minutos do domingo, dia 13, o presidente Moreno anunciou a revogação do Decreto 883, quando o movimento contra o que os equatorianos sublevados denunciam como “pacotaço”, imposto pelo FMI, entrava no seu 12º dia.
Veja neste vídeo imagens da sublevação: https://elpais.com/internacional/2019/10/10/america/1570738414_412667.html
A sublevação tomou conta do país contra o pacote que gerou, logo no dia 3, dia seguinte ao decreto, um aumento de 123% no preço dos combustíveis.
O levante incluiu a ocupação do Centro Histórico da capital do Equador, Quito, por uma caravana de dezenas de milhares de manifestantes indígenas, barricadas por toda a capital, bloqueio de estradas e manifestações por todo o país.
LEVANTE ENCAROU A REPRESSÃO
Durante os 11 dias de protesto, o governo jogou o aparato policial e forças militares contra os manifestantes. A Defensoria do Povo, apesar de ser um órgão governamental, também se ergueu contra a agressão do governo ao povo e passou a divulgar boletins diários sobre as prisões em massa e a agressão aos manifestantes, que deixou um número absurdo de feridos. Segundo o boletim emitido no último dia dos protestos, o número de manifestantes mortos chegou a 7, 1340 pessoas foram feridas e 1152 manifestantes detidos.
De fato, os equatorianos pagaram um alto preço pela intransigência governamental de se aferrar aos termos de sua submissão ao FMI. Mais de 30 organizações internacionais de direitos humanos denunciaram uma “repressão desmedida por parte do Estado equatoriano, que gerou centenas de pessoas feridas e detidas ilegalmente e a morte de várias pessoas”.
A prefeitura de Quito informou, ainda pela manhã de domingo, que o transporte público estava suspenso, o aeroporto estava aberto apenas para pousos e mais de 60 ruas estavam interditadas por barricadas.
Um dos prédios governamentais, o da Procuradoria, foi incendiado. Durante toda esta manhã, o fogo das barricadas em chamas, misturado com o das bombas de gás lacrimogêneo enchia a cidade de fumaça. Uma parte dos equatorianos rebelados utilizaram artefatos caseiros e coquetéis Molotov.
A decisão do povo equatoriano foi de manter a sublevação no domingo, mesmo com o encontro entre governo e as organizações indígenas que estiveram na vanguarda da mobilização nacional que incluiu estudantes, trabalhadores e moradores dos bairros populares, uma vez que, no dia anterior, Moreno, anunciara o encontro, mas horas antes baixara outro decreto repressivo tornando Quito uma cidade ocupada e com toque de recolher marcado para começar às 15:00 do domingo, portanto, no mesmo momento em que se iniciariam as negociações.
Foi mantida a movimentação, para elevar a pressão sobre o governo, forçando-o a recuar. Em diversos pontos da capital, começaram a ser vistos soldados e policiais marchando pelas ruas ao lado dos manifestantes o que mostrava que Moreno já começava a perder o controle do aparato repressivo, inclusive com ocorrência em que tropa do exército defendeu manifestantes contra a polícia. Veja a cena no vídeo abaixo:
Ao final da manhã, foi anunciada suspensão do toque de recolher e o clima na cidade começou a ficar menos tenso.
As negociações só começaram às 20:00 da noite do domingo, uma vez que, os bloqueios de estrada acabaram por dificultar a chegada dos líderes indígenas que iriam participar da “Mesa de Diálogo”.
MULTIDÃO ACOMPANHOU A NEGOCIAÇÃO ATÉ O FINAL
Uma multidão de manifestantes acompanhou, reunida no parque El Arbolito, concentração que já acontecia desde o dia 9 quando da chegada das caravanas que somaram 20 mil indígenas vindos, como eles mesmos anunciaram, “das serras, do litoral e da Amazônia”. A explosão de alegria aconteceu quando os equatorianos viram, através da transmissão, televisiva ao vivo, conforme exigiram os dirigentes da Conaie, Coordenadoria Nacional Indígena do Equador, o fechamento do acordo.
Vídeo lincado mostra a celebração do acordo anunciado pelo presidente Moreno que, antes de revogá-lo, culpou o ex-presidente Rafael Correa pelos protestos que sacudiram o Equador: https://elpais.com/internacional/2019/10/14/america/1571017066_691583.html
SUSPENSAS AS MEDIDAS SUBMISSAS AO FMI
Junto com o decreto revogado, que suspendia o subsídio aos combustíveis, os protocolos firmados pelo governo com o FMI exigiam a redução das férias dos servidores públicos pela metade, demissão em massa de servidores e redução nas aposentadorias. Ainda fazia um ataque a direitos previdenciários dos que restassem no trabalho. Ao final, estabelecia um empréstimo inicial de 4,2 bilhões de dólares, o que aumentaria a dívida do país.
O empréstimo prometido pelo FMI ao Equador, deveria chegar a US$ 10 bilhões, uma vez atendidas as imposições protocoladas. Para isso, o Equador, através do arrocho sobre a população, deveria reduzir o déficit fiscal e ainda elevar sua reserva em bancos estrangeiros, dos atuais 4 bilhões, para 15 bilhões de dólares.
A “Mesa de Diálogo” foi resultado do movimento realizado pela Conaie que, ao mesmo tempo em que mantinha a intensa mobilização popular, procurou contatar a delegação da ONU no Equador através da Defensoria do Povo, órgão que manteve contato com os manifestantes desde o início da sublevação.
As negociações acabaram sendo acompanhadas pelo arcebispo Luis Cabrera, da Conferência Episcopal Equatoriana e pelo representante da ONU, Arnaud Perald.
Por seu lado, os dirigentes indígenas firmaram que “as mobilizações e medidas de fato em todo o Equador são encerradas e nos comprometemos em restaurar a paz no país”.
Ao fazer a leitura do acordo, o presidente Moreno – que até o dia anterior dizia que não arredava o pé dos termos do decreto 883 – agora declarava sua revogação e que isso era uma “solução para a paz e para o país’.
“O governo substituirá o decreto 883 por um novo que contém mecanismos para focar recursos naqueles que mais precisam”, acrescentou o presidente.
O líder da Conaie, Jaime Vargas, que esteve no comando da mobilização indígena, confirmou a suspensão das manifestações. A negociação durou quatro horas, estendendo-se quase até a meia-noite do domingo.
No momento mais tenso, o líder da Conaie, Abelardo Granda, questionou: “Mesmo com a revogação do decreto, quem vai pagar pelas vidas?”
O presidente da Conaie tomou a palavra e declarou a disposição dos equatorianos em suspender a mobilização mediante o gesto governamental de revogação do 883: “Uma medida que gera injustiça social, não aporta o desenvolvimento nacional, não tem nenhuma coerência fiscal e provocou uma convulsão social além de perdas milionárias”.
“O pedido do país é a revogação do decreto”, acrescentou Vargas com a autoridade de haver estado no comando de um levante contra a submissão ao FMI, “se neste momento isso fica decidido, então o país se tranquiliza totalmente, em todos os territórios”.
Ficou acordada a criação de uma comissão com a participação do governo e de representantes dos indígenas com objetivo de elaborar outro decreto para substituir o 883. A ONU e a Igreja Católica vão mediar as negociações.
NATHANIEL BRAIA
Exército equatoriano defende manifestantes contra a polícia