“Se uma empresa que só tem transmissão – e muito menos transmissão do que a Eletrobrás – e não tem nenhuma usina vale 44 bilhões de dólares, como é que a Eletrobrás vai valer 10 bilhões de dólares?”, denuncia diretor do Ilumina
“A Eletrobrás não pode valer um quarto de uma empresa inglesa, que tem muito menos transmissão do que Eletrobrás e nenhuma usina”, afirmou o especialista Roberto Pereira D’Araújo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), em entrevista ao HP, ao comentar a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que autorizou o governo Bolsonaro a dar continuidade ao processo de privatização da Eletrobrás.
Citando o site Statista, que publicou dados sobre as grandes empresas, “as mais valoradas”, Roberto D’Araújo destacou que a décima colocada é a inglesa National Grid, “uma empresa que só tem transmissão, não tem nenhuma usina e vale US$ 44 bilhões”.
“Se uma empresa que só tem transmissão – e muito menos transmissão do que a Eletrobrás – e não tem nenhuma usina vale 44 bilhões de dólares, como é que a Eletrobrás vai valer 10 bilhões de dólares?”, questionou o engenheiro eletricista. “É doar de graça uma empresa com um potencial impressionante”.
Para o especialista, o “custo marginal de potência”, levantado pelo ministro do TCU Vital do Rêgo “é coisa que nós não sabemos, é uma coisa para ser implantado. Ainda não há. Por exemplo, todo o setor residencial e o setor comercial de baixa tensão não têm sinal de preço de tarifa de potência. Como é que o Brasil vai, sem essa experiência, saber quanto é que vale potência?”
“O sistema hidráulico, as usinas, as turbinas que eles colocam não são só para atender essa geração mínima”, continuou o especialista. “Por exemplo, quando você tem muita água, você precisa aproveitar e gerar. Então, as usinas hidráulicas brasileiras, com raras exceções, elas já têm potência. Não é o sinal de potência que faça o investidor investir em potência. Um sistema hidráulico, ainda mais num clima tropical como o nosso, com variações de afluências muito grandes, ele já tem essa potência. Uma parte destas turbinas, elas são extra energia, estão ali para quando precisar usar tudo. Então, a ideia do Vital é tentar trazer essa questão de que a Eletrobrás não pode valer um quarto de uma empresa inglesa, que tem muito menos transmissão do que Eletrobrás e não tem uma usina. A Eletrobrás tem 72 mil km. Se você pegar a distância lá do Reino Unido, onde a National Grid tem sua rede de transmissão, é 72 vezes, porque o Reino Unido são mil km Norte a Sul. As linhas de transmissão da Eletrobrás passeiam por um território que de Norte a Sul tem 4 mil km e de Leste a Oeste também. Eu fico com pena do Brasil. O Brasil vai ser uma espécie de um bobalhão do mundo ao vender a Eletrobrás por este valor”, criticou D’Araújo.
O especialista ressalta que essa discussão “coloca o TCU em armadilha”. “Porque ele fica examinando esses números e esses números todos dependem das decisões que foram tomadas no passado, e elas são muito contestáveis, como, por exemplo, a chamada garantia física das usinas – que é um certificado emitido pela EPE [Empresa de Pesquisa Energética], com a aprovação da Aneel – esse certificado, há muitas dúvidas. Cada usina vende uma quantidade de energia que não é exatamente a geração dela. Ela vende uma quantidade de energia que é obtida por este certificado. É um número que você não encontra nem na turbina nem no gerador. É um modelo matemático”.
“Muita gente, inclusive as pessoas que são favoráveis à privatização da Eletrobrás, sabem que este número está errado. Por exemplo, as hidráulicas não conseguem mais ter essa capacidade de geração. Primeiro, porque há uma dúvida muito grande sobre a questão ambiental. A gente não sabe se as vazões que nós temos nos rios são as mesmas vazões do passado. Esses números todos foram definidos por vazões históricas”, afirmou.
“Na minha visão, enquanto não se fizer uma revisão total do sistema, como é que se calcula isto? Qual é a garantia física das hidráulicas? Qual é a garantia física das térmicas? A gente não pode saber o valor da Eletrobrás”, afirmou Roberto D’Araújo, que condena a privatização da Eletrobrás. “Países que têm essa matriz hidroelétrica não privatizaram. Canadá, Estados Unidos, Suécia, Noruega, China, Índia, nenhum desses países têm a maioria do seu setor elétrico na mão privada, pelo contrário”, afirmou o especialista.
ANTONIO ROSA