Em resposta à pergunta de um jornalista da televisão estatal russa, o presidente Vladimir Putin se disse na sexta-feira (24) “pronto” para discutir o conflito na Ucrânia com o recém empossado homólogo dos EUA, após Donald Trump se mostrar favorável a um encontro “imediatamente”.
“O que posso dizer que o atual presidente declarou sua disposição de trabalhar em conjunto”, disse Putin.
Na sexta-feira, o vice-chancler russo, Alexander Grushko, alertou que “o acesso da Ucrânia à Otan tornaria virtualmente impossível chegarmos à paz e estabelecermos qualquer tipo de arquitetura mútua de segurança”.
“Sempre dissemos, e quero enfatizar mais uma vez, que estamos prontos para tais negociações sobre o problema ucraniano”, acrescentou ele.
“É melhor que nos reunamos, com base nas realidades de hoje, para conversar com calma” sobre todas as questões “de interesse tanto para os Estados Unidos como para a Rússia”, continuou Putin.
“Isto, antes de mais nada, sublinhou, “depende das decisões e escolhas da atual administração dos EUA”, disse Putin.
“Mas aqui também há questões que requerem atenção especial”, observou o presidente russo, lembrando que Vladimir Zelensky, “quando ainda era um chefe de Estado bastante legítimo”, decidiu proibir por lei as negociações com Moscou. Contexto que torna quase impossível negociar seriamente uma solução.
“Kiev está devorando bilhões dos EUA”, assinalou o presidente russo, para quem “no final aqueles que pagam o dinheiro” terão de forçá-lo a cancelar [tal decreto]. “E acho que [Zelensky] terá que fazer isso”.
SOLUÇÃO DURADOURA
Em junho passado, Putin havia reiterado a posição da Rússia para uma resolução duradoura do conflito: adoção pela Ucrânia de status neutro, não-alinhado e não nuclear, sem bases estrangeiras, e renúncia formal a integrar a Otan; desmilitarização e desnazificação; retirada das tropas de Kiev das novas regiões russas; respeito aos direitos da minoria étnica russa na Ucrânia; e levantamento pelos países ocidentais das sanções contra a Rússia.
Em sua campanha presidencial, Trump afirmou que, se ele estivesse na Casa Branca no lugar de Biden, a guerra nem teria ocorrido, e andou prometendo acabar com ela antes da posse, o que já mudou para “100 dias” ou “meses”.
Na véspera, em declarações em videoconferência dirigidas ao Fórum de Davos e em entrevista à Fox News, Trump andou exercitando sua “diplomacia da força” sobre o conflito na Ucrânia, como se não fosse a guerra por procuração da Otan para anexação da Ucrânia que estivesse nas cordas diante dos avanços russos no Donbass.
E não tivesse sido o rompimento dos EUA com o princípio da segurança indivisível na Europa, avançando a Otan para leste, o que foi agravado pelo golpe em Kiev em 2014 e instauração de um regime neonazi e russófobo, mais a sabotagem aos Acordos de pacificação de Minsk, o que criou a crise.
“DA MANEIRA MAIS FÁCIL OU…”
Na quarta-feira, por sua rede Social Truth, Trump ameaçou impor mais tarifas e sanções à Rússia, dizendo que não teria outra escolha “se não tivermos um acordo, e logo”. Antes, ele dourara a pílula, postando que “não estava querendo prejudicar a Rússia”, asseverando até mesmo “amar o povo russo” e sempre ter tido “um relacionamento muito bom” com Putin.
E continuara: “Resolva-se e pare essa guerra ridícula. Podemos fazer isso da maneira mais fácil ou da maneira mais difícil – e a maneira mais fácil é sempre melhor”, acrescentou, ao estilo de Don Corleone.
Voltou à carga no dia seguinte, em entrevista à Fox News. “Se eles não acabarem com essa guerra logo, quase imediatamente, vou impor tarifas enormes à Rússia, taxas enormes e sanções severas”,
A repórteres no Salão Oval, Trump disse que Zelensky “está disposto a negociar um acordo”. “Eles querem parar”, asseverou, embora tenha admitido que ele “não é nenhum anjo”.
NÃO DEPENDE DO PETRÓLEO
Em sua aparição no Fórum de Davos, na Suíça, por videoconferência, Trump instou a Arábia Saudita e a OPEP a reduzirem, contra seus próprios interesses, os preços globais do petróleo, para deixar a Rússia sem receita e forçar um “acordo” na Ucrânia.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou na sexta-feira que preços mais baixos do petróleo não vão ajudar a acabar com o conflito na Ucrânia, pois não há conexão entre os dois. “Não. Este conflito não depende dos preços do petróleo”.
“Este conflito está ocorrendo por causa de uma ameaça à segurança nacional da Federação Russa, por causa da ameaça aos russos que vivem em certos territórios, por causa da relutância e recusa total de norte-americanos e europeus em ouvir as preocupações da Rússia”, disse Peskov a repórteres.
Ele destacou que o Kremlin não está impressionado com as ameaças de novas sanções. “Não vemos nenhum elemento novo em particular aqui”, disse Peskov. Ele acrescentou que Trump “gostava de sanções” e as usava com frequência durante seu primeiro mandato presidencial.
“A Rússia está pronta para um diálogo igual e cuidadoso com os Estados Unidos, que tivemos durante o primeiro mandato de Trump”, disse Peskov, de acordo com a mídia independente russa Meduza.
METRALHADORA GIRATÓRIA
Algumas declarações estapafúrdias de Trump ao longo da semana precisaram ser rebatidas pelos russos. O reconduzido presidente norte-americano asseverou que a Rússia “ajudou” na “vitória dos EUA” contra o nazifascismo.
“O maior preço pela vitória na luta contra o fascismo foi pago por nosso país, a União Soviética”, esclareceu o porta-voz da presidência russa, que acrescentou que a Rússia nunca vai esquecer a ajuda fornecida por Washington durante os anos de guerra.
Peskov lembrou ainda que Trump havia enfatizado o fato de que “entre a Rússia e a Europa há um oceano”. “E naquela época também havia um oceano. E a guerra, o teatro de guerra e a morte de dezenas de milhões de pessoas ocorreram em um continente diferente dos EUA”, observou o porta-voz.
Ele comentou ainda o fato de Trump ter fornecido dados errôneos sobre as perdas humanas da URSS na guerra, afirmando que foram “quase 60 milhões de vidas”. “Acreditamos que esse é um número que não corresponde aos dados que temos, assim como os dos historiadores de todo o continente”, disse o porta-voz.
Na quarta-feira (22), Trump havia dito que a Rússia “ajudou” os EUA a alcançar a vitória na Segunda Guerra Mundial, “esquecendo” quem derrotou os nazistas e hasteou a bandeira da URSS no Reichstag em Berlim, há 80 anos, como registrado na icônica imagem que se converteu mundialmente no símbolo da vitória sobre o Terceiro Reich.
70% da máquina de guerra hitlerista estava na frente oriental e ali os alemães sofreram 3/4 de suas perdas lutando contra o Exército Vermelho, que foi o principal motor da destruição do nazismo. Segundo historiadores, durante a maior parte da II Guerra Mundial, EUA e o Reino Unidos enfrentaram apenas 10 divisões alemãs combinadas. Só os soviéticos lutaram contra mais de 200 divisões alemãs.
Em comparação com os 27 milhões de mortos soviéticos, as perdas da Grã-Bretanha (civis e soldados) foram em torno de 450 mil, os EUA, 420 mil, o que é cerca de metade do número estimado de mortos apenas no cerco de Leningrado, hoje, São Petersburgo. Cerca de um quarto da população da União Soviética foi morta ou ferida na guerra.
80 ANOS DA VITÓRIA SOBRE O HITLERISMO
Este ano, o mundo comemorará os 80 anos da vitória sobre a barbárie hitlerista e é de esperar que os mestres do regime de Kiev queiram tentar obscurecer o papel da União Soviética e da Rússia. Mas, por mais mentiras que propaguem, ou falsificações que ousem expor, a verdade é que foram os soviéticos que salvaram as avós e avôs de todos nós da maldade e imensa insanidade nazistas, que tanto atraem essa gente.
Aliás, a cooptação da Ucrânia para a atual guerra por procuração da Otan contra a Rússia, após um golpe da CIA em Kiev e perseguição aos russos étnicos do Donbass, tem vínculos com a revoada de colaboracionistas após a II Guerra Mundial, buscando refúgio nos EUA e no Canadá. E no fato de que, em vários países europeus, com apoio da CIA, antigos colaboradores do nazismo na época foram alçados a ‘herois nacionais’, enquanto a destruição de monumentos em homenagem aos libertadores da ocupação de Hitler passou a ser abertamente praticada e exaltada.
“S” DE BRICS
Mas, na agitada primeira semana de seu segundo mandato, provavelmente a declaração mais hilária de Trump foi aquela em que ele confundiu o “S” de Brics, ao ameaçar a organização que expressa a ascensão do multilateralismo e da Maioria Global, com a imposição de “100% de tarifas” se abandonarem o dólar. Para ele, o “S” de Brics era a Espanha (“S”, Spain, em inglês) e não a África do Sul (South África, em inglês).
Em outra entrevista, outra bola fora. O boquirroto Trump assegurou que a Rússia roubou, durante o governo Obama, o “projeto norte-americano de hipersônico”.
Como registrou o portal Sputnik, citando um historiador das Forças de Defesa Aérea russas, Yury Knutov, “o país que foi o primeiro a lançar um veículo hipersônico [1991] não pode roubar nada dos EUA, que só no ano passado testaram com sucesso um míssil hipersônico.”
Knutov lembrou que a União Soviética sempre superou os EUA em pesquisa de novos materiais (vitais para mísseis hipersônicos), enquanto os EUA se concentraram em microchips.
“A Rússia agora tem mísseis hipersônicos em três domínios: Kinzhal baseado no ar, Zircon baseado no mar e mísseis Oreshnik baseados em terra. “Algo que nenhum outro país no mundo tem. É por isso que superamos os EUA nesse aspecto”.