Apesar da guerra comercial, dos tratados rasgados e das exortações ao “Make America Great Again”, em matéria de déficit comercial em 2018 o governo Trump teve de amargar um recorde – no vermelho – de dez anos, US$ 621 bilhões, conforme os números do Bureau de Análise Econômica (BEA).
Segundo o BEA, o déficit comercial (bens e serviços) piorou no ano passado em US$ 68,8 bilhões. Ou seja, 12,5 % a mais que os US$ 552,2 bilhões de 2017.
Na análise da Bloomberg, os cortes de impostos impulsionaram a demanda doméstica por importações, enquanto o dólar ‘forte’ e as tarifas retaliatórias pesaram sobre as exportações.
Apesar das exportações norte-americanas haverem aumentado ao ritmo de 6,3% (para US$ 2,5 trilhões) no ano passado, as importações subiram mais ainda, à taxa de 7,5% (para US$ 3,12 trilhões).
A razão de fundo é que boa parte da indústria norte-americana foi deslocada para áreas de salários mais baixos no exterior, o que volta como importação. A imposição de tarifas por Trump também forçou a antecipação de importações para fugir da retaliação e, no caso das exportações, como a soja, as jogou ao chão.
Na realidade, o déficit [exportações menos importações] de bens subiu no ano passado para um recorde de US$ 891,3 bilhões em 2018, comparado a US$ 807, 5 bilhões no ano anterior. Mas como o excedente de serviços cresceu, atingindo o recorde de US$ 270,2 bilhões, chega-se aos US$ 621 bilhões de saldo negativo.
A Bloomberg observou com ironia que, apesar de Trump citar repetidamente o déficit como evidência do fracasso das políticas comerciais de seus antecessores, a diferença exportações menos importações subiu em US $ 119 bilhões durante seus dois anos como presidente.
Também são terríveis os resultados de dezembro, que só vieram a público agora em conseqüência daquele fechamento parcial do governo por conta da tentativa de Trump de financiar seu muro xenófobo.
O déficit comercial foi o recorde de uma década para esse mês, subindo de US$ 50,3 bilhões para US$ 59,8 bilhões – quando o consenso de estimativa dos economistas era de que iria a US$ 57,9 bilhões.
Em relação ao mês anterior, novembro, as exportações caíram US $ 3,9 bilhões, enquanto as importações subiram US$ 5,5 bilhões. O tradicional excedente nos serviços encolheu US$ 0,5 bilhão.
O portal ZeroHedge assinalou alguns dos destaques negativos do resultado da balança comercial dos EUA em dezembro: o déficit de mercadorias (US$ 80,4 bilhões) foi o maior já registrado; o déficit não-petróleo (US$ 79,1 bilhões) foi o maior já registrado; e as exportações de alimentos e bebidas (US$ 9,6 bilhões) no mês foram as menores desde 2010.
Já as importações de alimentos e bebidas (US$ 12,6 bilhões) foram as mais altas registradas para um mês de dezembro; as importações de veículos, peças e motores (US$ 32,1 bilhões) foram as mais altas já verificadas; e as importações não-petróleo (US$ 200,2 bilhões) foram as mais altas já registradas.
Em relação ao comércio com a China e México, o mês também não foi brilhante. O déficit se deteriorou em respectivamente US$ 3,2 bilhões e US$ 2,1 bilhões. Em relação ao Canadá, se reduziu em US$ 0,5 bilhão.
No ano, o déficit com a China aumentou de US$ 375,6 bilhões para US$ 419,2 bilhões (nas contas de Washington, das quais Pequim tem várias divergências). As exportações dos EUA caíram US$ 9,6 bilhões, enquanto as importações subiram US$ 34,1 bilhões.
No caso do México, o déficit norte-americano no intercâmbio de bens e produtos aumentou em US$ 10,4 bilhões. Com o Canadá, o déficit subiu em US$ 2,7 bilhões.
Conforme economistas consultados pela Bloomberg, deve-se esperar “déficits maiores nos próximos meses”, o que seria explicado pela redução prevista do crescimento global [pelo FMI e OCDE], ao mesmo tempo em que a expansão econômica dos EUA – leia-se a exacerbação da bolha de tudo – “continua em ritmo acima da tendência”.
A Bloomberg responsabilizou “significativamente” Trump pelo crescimento do hiato [entre exportações e importações] em 2018. A pressão exercida com as sobretaxas levou a uma onda de antecipação de importações, que alimentou o tráfego de entrada nos portos da Costa Oeste. Também foram atingidas importantes exportações agrícolas dos EUA, como a soja. “Os embarques desse item caíram US$ 4 bilhões no ano passado”.
De acordo com essa análise, a guerra comercial de Trump também contribuiu para a desaceleração das economias atingidas e, portanto, “sua demanda por produtos americanos”.
Já que os dados do BEA são de dezembro, não custa lembrar que foi nesse mês que Walt Street andou dando uma sacudidela brusca, o que se refletiu na decisão do Federal Reserve maneirar na alta dos juros, antes que alguém saísse torrado.
O que levou o ZH a observar que Trump está numa enrascada, à beira da busca da reeleição em 2020. “Se ceder na guerra comercial à China para manter seu precioso mercado de ações mais alto, o déficit continuará aumentando; se, por outro lado, Trump forçar uma linha dura no comércio, vai despencar o S & P [índice de Wall Street] – que agora está precificado no final da guerra comercial [é aí que estão as apostas no cassino]”. “A bola está agora na quadra de Trump, que opção escolherá”.
A Bloomberg registrou ainda que esse déficit comercial de Trump, como proporção da economia, “aumentou para 3% do PIB”, dos 2,8% registrados em 2017. “Ainda é significativamente menor do que na década anterior à Grande Recessão [crash de 2008], quando se aproximou de 6% do PIB”, alegrou-se o comentarista, tomado de certo otimismo, e antes que alguém perguntasse com que rapidez teriam as coisas degringolado naquele fatídico início de milênio.