“A atuação da Promotoria do Caso Curuguaty foi uma autêntica aberração jurídica”, pois “não existem nem provas nem alegações” que respaldem a hipótese de “emboscada” e “invasão de imóvel alheio”, sustentadas pela empresa Campos Morumbi, pela polícia e pela promotoria contra camponeses paraguaios. Portanto, os pequenos agricultores não podem ser responsabilizados pelo “enfrentamento” que causou a morte de 17 pessoas – 11 camponeses e seis policiais – no dia 15 de junho de 2012.
Esta conclusão é da assessoria geral da presidência do Senado do Paraguai e foi elaborada por solicitação da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Por pressão dos 2% de latifundiários que concentram 85% das terras, o estudo vinha sendo mantido sob sigilo, até ser veiculado esta semana pela agência de notícias Nanduti.
Inúmeros depoimentos demonstram que a “Justiça” atuou abertamente como agente da empresa Campos Morumbi, da família de Blas Riquelme – ligada ao ditador Alfredo Stroessner. Para atender aos interessesda empresa, “que não era titular das terras em litígio e que havia tentado se apropriar delas em conivência com as autoridades locais”, a promotora Ninfa Aguilar deu aval à ação policial cinematográfica, que envolveu até helicóptero. Aguilar extrapolou e foi além nos seus reiterados delitos em prol dos latifundiários da região, uma vez que “sequer existia ordem de despejo contra os camponeses, mas uma ordem de averiguação para identificar pessoas alheias ao imóvel” em disputa. “O que fica claro é que 324 policiais fortemente armados entraram no acampamento ao redor das sete da manhã, ocorrendo aproximação e diálogo entre chefes policiais e um grupo camponês”, mas não existem “nem provas nem alegações” que respaldem minimamente a hipótese de “emboscada” sustentada pela polícia e pela promotoria.
“Foi o grupo camponês que buscava respeito aos trâmites do processo de outorga de terras o que foi cercado desde duas frentes pela polícia”. A presença desproporcional das forças militares, “evidencia a predisposição de provocar uma situação de extrema violência e levar a cabo uma intervenção de despejo rápido, forçoso e direto”.
A surpresa foi justamente que toda a ação desencadeada por um grupo de franco-atiradores treinados por militares dos EUA e pela CIA fazia parte de um plano maior, que, com a manipulação da mídia, do judiciário e do legislativo, levou à derrubada do governo de Fernando Lugo – responsabilizado pelo sangue derramado – uma semana depois.
“Execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, ameaças de morte e torturas físicas e psicológicas” denunciadas pelos familiares das vítimas civis e pelas organizações de direitos humanos foram solenemente ignoradas pelo Ministério Público, que apresentou os camponeses como “bandidos” e “terroristas”.
“Existem vários testemunhos que indicam que alguns camponeses não morreram no primeiro tiroteio, mas depois. Foi quando estavam fugindo. Tratam-se de pessoas feridas que foram executadas. Várias testemunhas indicam que alguns camponeses foram torturados e submetidos a tratamento cruel, além de ameaçados de morte”, acrescenta o documento.
“Durante o julgamento oral, policiais de diferentes unidades e postos relataram sua versão dos fatos, evidenciando enormes contradições que demonstram a impossibilidade de que a comitiva fiscal-policial haja caído desprevenida na emboscada”.
É evidente que o plano havia sido preparado bem distante dali. O subcomissário Erven Lovera, encarregado dos efetivos da GEO (Grupo Especial Operativo) e irmão do tenente-coronel Alcides Lovera, chefe da guarda pessoal do presidente Lugo e um dos primeiros a morrer, chegou a sobrevoar o local com um helicóptero da Polícia Nacional, constatando a presença de cerca de “50 a 70 ocupantes”. “Segundo as declarações dos policiais durante o julgamento, os chefes militares tinham pleno conhecimento da quantidade e da posição dos camponeses”. Mais, todos os mortos foram alvejados por armas de grosso calibre, portadas tão somente por policiais.
“A parcialidade da investigação”, concluiu o documento, nos faz pensar que “estamos ante uma ação inquisitória com a intenção de encerrar este capítulo criminalizando os camponeses por tudo o que aconteceu, sem investigar a ação policial ou a atuação da promotoria em torno às terras não registradas sob a titularidade de Blas Riquelme”.
LEONARDO SEVERO