A Comissão Episcopal Especial para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou uma nota pública convocando a Igreja Católica e a sociedade brasileira para exigir medidas urgentes dos governos federal e estaduais cobrando “a implementação de estratégias responsáveis de cuidado para com os setores populacionais mais vulneráveis”.
A nota, assinada por 67 bispos que atuam na Amazônia Brasileira, foi divulgada na manhã de segunda-feira (04).
“Os povos da Amazônia reclamam das autoridades uma atenção especial para que sua vida não seja ainda mais violentada. O índice de letalidade é um dos maiores do país e a sociedade já assiste ao colapso dos sistemas de saúde nas principais cidades, como Manaus e Belém. As estatísticas veiculadas pelos meios de comunicação não correspondem à realidade. A testagem é insuficiente para saber a real expansão do vírus. Muita gente com evidentes sintomas da doença morre em casa sem assistência médica e acesso a um hospital”, diz a nota.
Os bispos enfatizam que “é obrigação do Estado garantir os direitos afirmados na Constituição Federal oferecendo condições mínimas para que possam atravessar este grave momento”.
A nota argumenta ainda que a região possui a menor proporção de hospitais do país, de baixa e alta complexidades, apenas 10%, e extensas áreas do território amazônico não possuem leitos de UTI e “apenas poucos municípios atendem aos requisitos mínimos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em número de leitos e de UTIs por habitante (10 leitos de UTI por 100 mil usuários)”.
“Os povos indígenas, quilombolas, e outras comunidades tradicionais correm grandes riscos que se estendem também à floresta, dado o papel importante dessas comunidades em sua conservação”
“Além dos povos da floresta, as populações urbanas, especialmente nas periferias, estão expostas e têm suas condições de vida ainda mais degradadas pela falta de saneamento básico, moradia digna, alimentação e emprego. São migrantes, refugiados, indígenas urbanos, trabalhadores das indústrias, trabalhadoras domésticas, pessoas que vivem do trabalho informal que clamam pela proteção da saúde”, evidencia a nota.
Os bispos afirmam ainda que a pandemia do novo coronavírus que nos assola agora e a crise socioambiental “já fazem vislumbrar uma imensa tragédia humanitária causada por um colapso estrutural. Com a Amazônia cada vez mais arrasada, sucessivas pandemias ainda virão, piores do que esta que vivemos atualmente.”.
O avanço vertiginoso da garimpagem, da mineração e do desmatamento para o monocultivo de soja e a criação de gado para exportação nos últimos anos são fruto do desmantelamento dos mecanismos de fiscalização e do contínuo discurso político do governo Bolsonaro contra a proteção ambiental, e as áreas indígenas de proteção, são importantes elementos para o aumento dessa crise.
“De acordo com o sistema Deter-B, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento na floresta Amazônica cresceu 29,9% em março de 2020, se comparado ao mesmo mês do ano passado. Contribuem para esse crescimento o notório afrouxamento das fiscalizações e o contínuo discurso político do governo federal contra a proteção ambiental e as áreas indígenas protegidas pela Constituição Federal (Art. 231 e 232)”, continua a nota.
Para os bispos, as causas do aumento da violência no campo e do desmatamento da floresta amazônica são sem dúvida a extinção, sucateamento, desestruturação financeira e a instrumentalização política de órgãos como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e de órgãos de fiscalização e de controle agrícola, ambiental e trabalhista.
A nota levanta a importância de “realizar testagem na população indígena para adotar as necessárias medidas de isolamento e evitar a disseminação da COVID-19; fortalecer as medidas de fiscalização contra o desmatamento, mineração e garimpo, sobretudo em terras indígenas e tradicionais e áreas de proteção ambiental; e revogar o Decreto nº 10.239/2020, voltando o Conselho Nacional da Amazônia Legal para o Ministério do Meio Ambiente, com a participação de representantes da FUNAI e do IBAMA e de outras organizações da sociedade civil, indígenas ou indigenistas como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que atuam na Amazônia”.
VEJA ABAIXO AS MEDIDAS EXIGIDAS PELA NOTA:
– Salvar vidas humanas, reconstruir comunidades e relações por meio do fortalecimento de políticas públicas, em especial do Sistema Único de Saúde (SUS);
– Repudiar discursos que desqualificam e desacreditam a eficácia das estratégias científicas;
– Adotar medidas restritivas à entrada de pessoas em todos os territórios indígenas, em função do risco de transmissão do novo coronavírus, exceto para os profissionais dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI);
– Realizar testagem na população indígena para adotar as necessárias medidas de isolamento e evitar a disseminação da COVID-19;
– Fornecer os equipamentos de proteção individual (EPI) recomendados pela Organização Mundial de Saúde, em quantidade adequada e com instruções de uso e descarte corretos;
– Proteger os profissionais de saúde que estão atuando nas frentes da saúde dos povos, acompanhando-os também nas suas fragilidades psicológicas e físicas;
– Garantir a segurança alimentar dos núcleos familiares indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais populações tradicionais da Amazônia;
– Fortalecer as medidas de fiscalização contra o desmatamento, mineração e garimpo, sobretudo em terras indígenas e tradicionais e áreas de proteção ambiental;
– Garantir a participação da sociedade civil, movimentos sociais e de representantes das populações tradicionais nos espaços de deliberações políticas;
– Rejeitar a Medida Provisória 910/2019, que propõe uma nova regularização fundiária no Brasil, pois ela elimina a reforma agrária, a regularização de territórios dos povos originários e tradicionais, favorece a grilagem de terras, o desmatamento e os empreendimentos predatórios, regulariza as ocupações ilegais feitas pelo agronegócio, promove a liquidação de terras públicas da União a preços irrisórios e autoriza a aquisição de terras pelo capital estrangeiro, a exploração especulativa de florestas e incentiva a invasão e devastação de terras indígenas e territórios tradicionais;
– Rejeitar o PL 191/2020 que regulamenta o Artigo 176,1 e o Artigo 231,3 da Constituição Federal estabelecendo as condições específicas para a realização de pesquisa e lavra dos recursos minerais e hídricos em terras indígenas.
– Revogar o Decreto nº 10.239/2020, voltando o Conselho Nacional da Amazônia Legal para o Ministério do Meio Ambiente, com a participação de representantes da FUNAI e do IBAMA e de outras organizações da sociedade civil, indígenas ou indigenistas como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que atuam na Amazônia.
– Revogar a Instrução Normativa 09/2020 da FUNAI, que permite que a invasão, exploração e até comercialização em terras indígenas ainda não homologadas.