CAIO REARTE*
Uma pergunta que eu recebo bastante quando descrevo alguma operação clandestina/ilegal/secreta da CIA ou de outra organização é “mas como ninguém fala dessas operações?” ou “não tem como um segredo se manter por tanto tempo”.
Minha resposta tem duas partes. A primeira: os segredos nem sempre se mantêm por tanto tempo. Na foto, estão Colleen Rowley (ex-FBI), Thomas Drake (ex-NSA), Jesselyn Raddack (ex-Departamento de Justiça), Edward Snowden (ex-CIA e NSA), Sarah Harrison (Wikielaks) e Ray McGovern (ex-CIA). Os quatro primeiros são whistleblowers, pessoas que saíram (ou foram expulsas) de suas organizações por serem contra alguma ilegalidade que testemunharam no exercício de sua função. Eventualmente eles foram a público, cada um revelando algo que os EUA queriam esconder. Há muitos outros casos. Além disso, os segredos podem ser revelados por causa de documentos que as organizações são forçadas a tornar públicos.
A segunda parte é o sistema criado e aperfeiçoado por essas organizações para impedir ou silenciar aqueles que expõem os segredos delas. É parte central do trabalho dessas organizações proteger seus segredos. Elas começam essa proteção desde o início da carreira no mundo secreto.
– Recrutamento: as pessoas chamadas para trabalhar nessas organizações passam por um extenso e profundo processo de seleção, que envolve até o uso de detectores de mentiras, de entrevistas com conhecidos e análise genealógica.
– Juramento: quem é contratado faz um juramento que vai manter as informações em segredo.
– Contratos de Confidencialidade: além do juramento, assinam um contrato estipulando penas severas caso violem os segredos da organização.
Isso é só o começo. Depois, ela vai para sua missão. Pra cada missão, pode ter um novo contrato de confidencialidade, para que a pessoa possa receber as informações secretas sobre a missão. Conforme a pessoa avança dentro da organização, entra a parte subjetiva, que é o sentimento de participar de algo secreto, de saber os segredos do seu país, da lealdade aos companheiros e à nação, de pertencer a uma elite. Revelar algum segredo é visto como uma grande traição.
Mas mesmo assim, alguns podem questionar sua missão. Em geral, primeiro o fazem internamente, para seus superiores ou para a Corregedoria da organização. E aí vem a outra parte do sistema, para silenciar:
– Retaliação/ameaças dentro do ambiente de trabalho: o funcionário é colocado em outra função, às vezes em outra cidade ou país, ou pode perder uma promoção, ou seu cargo.
– Omissão: os funcionários que protestam formalmente tem inúmeros obstáculos. Um memorando se perde, uma gravação desaparece, uma reunião é esquecida, fazem de tudo internamente para que o funcionário desista da reclamação.
Mesmo assim, alguns ainda vão a público, e a pressão continua.
– Ataques pessoais: se o indivíduo foi identificado e foi a público, as agências usam seus contatos na mídia para revelar segredos embaraçosos dos indivíduos e para atacá-los, em geral. Qualquer coisa serve para atacar.
– Ataque jurídico: o governo processa o funcionário, normalmente por múltiplos motivos, qualquer coisinha errada serve. A acusação ajuda a atacar a índole da pessoa e pode colocá-la atrás das grades. Mas além disso, esses processos são muito longos e caros e podem levar a pessoa à falência. Também geram um enorme estresse. O objetivo é fazer a pessoa aceitar um acordo, no qual admitem algum crime – manchando sua ficha – e cumprem uma pena menor. Se mesmo assim, a pessoa se recusar a aceitar um acordo, eles têm a carta na manga final, o State Secrets Privilege. Invocando esse privilégio o poder executivo pode selar o caso para sempre. Isso significa que todas as evidências, os depoimentos, etc. viram segredos de estado (o processo deixa de ser público) e o caso é arquivado.
Ou seja, os segredos dessas organizações (CIA, NSA, JSOC, FBI, etc.) são levados muito a sério. Ainda que as revelações aconteçam, é por isso que elas são raras…
*Caio Rearte é colaborador do HP e editor do blog caiorearte.blogspot.com Twitter:caiorearte2